20/06/09

A tradição social-democrata

Stalin, Lenin e Kalinin dirigentes do Partido Operário Social-Democrata Russo

A propósito do comentário feito pelo Zé Manel ao post anterior, fundamentalmente à ausência de representantes do Partido Socialista nos conflitos laborais, vale a pena olhar para a tradição social-democrata portuguesa. O que acontece, e isso talvez seja o essencial, é que não existe nenhuma tradição social-democrata em Portugal.

A social-democracia europeia tem a sua fundação no movimento operário do século XIX, na denominada II Internacional. Os partidos social-democratas (chamando-se social-democratas, socialistas ou trabalhistas) são, originariamente, partidos revolucionários que, a partir de determinada altura, se tornam reformistas e acabam por se transformar num dos pilares do sistema político europeu no século XX. O seu núcleo de apoio essencial residiu nos sindicatos (veja-se, por exemplo, o caso inglês e o caso alemão).

Em Portugal, porém, nada disto aconteceu. Houve, nos finais de século XIX, um Partido Socialista, mas com pouquíssima influência, ainda por cima num país excessivamente rural e com uma indústria incipiente. O movimento operário português, até aos anos 30 de século XX, é mais representado pelo anarquismo do que pela social-democracia. Depois, é o Partido Comunista que assume um papel de representação política do mundo operário.

O actual Partido Socialista nasce não do movimento operário, mas de elementos provenientes da tradição republicana e burguesa, nomeadamente de certos sectores da advocacia e de outras profissões liberais. Esta origem burguesa-liberal do PS explica a profunda incapacidade do partido penetrar no mundo laboral. A própria UGT, controlada pelo PS, foi uma criação pós-25 de Abril e pouca influência tinha ou tem no mundo operário.


Mas esta origem burguesa-liberal e republicana do PS explica ainda uma outra coisa. Explica a actual evolução dos socialistas portugueses. Por um lado, adoptam políticas tipicamente de direita, mas devido à costela republicana original sentem uma necessidade constante de "revolucionar" a sociedade, tornando a vida infernal em todos os sectores a que decidem levar o seu iluminismo jacobino. De facto, é esta a raiz do PS, uma raiz republicana, burguesa, iluminista e jacobina. É isto que, ao combinar-se com certas castas universitárias, o torna insuportável e um factor de desagregação social.

1 comentário:

zemanel disse...

Caro JCM,
permita-me ocupar de novo o espaço. Bem sei que abuso, porque não abdico da minha assumida imparcialidade de opinião. O que é feio, estando em casa alheia...
Este seu post revela uma rara clarividência de análise e de acerto. Nas faculdades de direito de ciências sociais, este texto deveria ser de leitura nos cursos de ciência política e de direito.
Permita-me só acrescentar algumas notas avulsas que revelam o entorse ideológico que atravessa o sistema ideológico dos partidos em Portugal.
1-É curioso como em Portugal o Partido Social DEmocrata defende a social-democracia, os seus líderes apregoam a social democracia e o seu programa e prática política é todo ele anti-social democrata. Se Keynes ouvisse a drª Manuela Ferreira Leite falar do investimento público da forma que a senhora faz...
2- É curioso com o CDS e este CDS de Portas repete à exaustão a designação CDS é centrista...na ponta direita! Poroutro lado, portas assume-se democrata-cristão. Não faz ideia do que está a dizer: Umas aulas com o Professor Doutor Adriano Moreira seriam altamente recomendáveis.
3- é muito estranha a a ausencia em organização partidária, num país católico, de um partido democrata cristão/ social cristão, com base na doutrina social da igreja e que se situaria pela zona do centro esquerda. Os militantes desta corrente de pensamento dividiram-se em 1974 pelo PSD, pelo PS e até curiosamente pela UDP (que tinha uma grande inflência na LOC). A chegada de Guterres a secretário geral do PS transformou o PS numa espécie de federação dirigida pela corrente católica. Analisando hoje, penso que Guterres nunca aderiu verdadeiramente à 3ª via de Giddens. A sua reforma no PS consistiu no reforço da vertente social cristã ( que vinha em crescendo no Partido desde a candidatura de Pintasilgo ao Parlamento Europeu em 1989). a reforma de Gidens vem mais tarde com os jovens turcos liderados por Sócrtaes. Nesta área social/ cristã não deixa de ser interessante estar atento ao fenómeno do MEP.
4 - a coligação Gidens / Iscte que tem dominado ideológicamente o pS, merece aqui um apontamento.
5- quanto ao BE, continua evidente o seu esvaziamento ideológico, embora a sua se afirme na prática como partido em que o movimento é tudo! empurrando-o para a social democracia clássica povilhada de causas urbanas, minoritárias e etariamente muito limitadas. Nesse aspecto compreende-se mal a sua integração europeia no grupo dos Partidos Comunistas, quando o natural seria colocar-se no grupo dos VERDES de Cohn Bendit e outros suixant-huitards.
O BE, (militante, não o votante) é um misto de cinquentões suixant-huitards derrotados no devir da história, com juventude rebelde de workshops e que eleitoralmente soube explorar a fraqueza do voto PS. Já tenho ouvido dizer que o BE corre o risco de ser um novo PRD - discordo, as suas caracteristicas são bem distintas. Acho que o BE, descontando, as vicissitudes temporais, é mais Otelo 1976. E esse é o seu maior risco. a passagem do sonho à desilusão, pelos seus elitores pode ser rápida...

quanto ao PCP, por razões óbvias de militância abstenho-me educadamente de vir aqui para este blog fazer uma análise que poderia ser considerada propaganda. Que pode um militante dizer do partido político mais militante de Portugal ( ops.....)

Cumprimentos,