25/06/09

Educação: Portugal na vanguarda


Consta que o senhor Don Tapscott é especialista em tecnologia. Compreende-se que fique fascinado com o desempenho das máquinas e com as extraordinárias aulas onde o professor deixa de ensinar e se transforma num técnico de gestão de engenhos informáticos. Compreende-se mesmo que o senhor queira vender ao Presidente americano a extraordinária ideia que descobriu em Portugal. Ideia aliás que os americanos já conhecem e já ensaiaram há muito. Também se sabe que muitas escolas americanas, depois de terem feito a experiência, decidiram proibir os computadores em sala de aula. Aliás, como o senhor reconhece no artigo, os estudos sobre a presença de computadores em sala de aula foram inconclusivos. E isso é o mínimo que se pode dizer.

Este tipo de comentários servem, porém, para sustentar um equívoco tremendo que se instalou no ensino em Portugal. Nós não estamos na vanguarda de coisa nenhuma, ou se estamos na vanguarda de alguma coisa é a do niilismo educativo. Tudo se está a tornar mais irrelevante e menos exigente. Os especialistas podem especular sobre o que lhes apetecer, mas a percepção que existe nas escolas é bem diferente. Os próprios alunos sentem isso. Já aprenderam, por exemplo, que o calendário eleitoral e a própria luta política têm efeitos específicos sobre o grau de dificuldade dos exames. Há coisa que os alunos aprendem depressa.

É evidente que precisamos de professores que dominem bem as ferramentas tecnológicas. Mas isso é uma exigência idêntica àquela que existia antes. Os professores tinham obrigação de dominar bem o uso de enciclopédias, dicionários, modelos de investigação, etc. Mas isso não os fazia bons professores, embora pudesse ajudar. Ser professor não é uma questão tecnológica e a qualidade do ensino não tem relação directa com o uso da tecnologia disponível. O ensino funda-se numa relação entre professor e aluno, e essa relação é uma forma de mediação do saber. Aquele que sabe transmite o saber ao que não sabe. É nesta relação que se constitui as relações culturais, uma das quais é a do saber.

Mas o que mais me espanta é o actual entusiasmo, fundado na existência da internet, com o autodidactismo. Este há muito que tinha má fortuna. Agora recrudesce fundado num devaneio tecnológico, como se o saber não fosse uma tradição humana e como se as tradições humanas pudessem ser transmitidas de outra forma que não a do contacto directo entre seres humanos. Mas o problema de tudo isto reside na classe política, muitas vezes inculta ou embasbacada com gadgtes. Na ânsia de mostrar serviço, não hesitam em fazer das escolas o laboratório das suas utopias pessoais. O senhor Don Tapscott acha que as escolas americanas devem entrar no século XXI, imitando as escolas portuguesas (ele não sabe o que são as escolas portuguesas, nem sequer aquela que viu). Isto deve encantar o engenheiro Sócrates e talvez comova o senhor Obama. Mas, na verdade, o que o ensino ocidental precisa é de meditar na experiência clássica dos gregos. Não para a decalcar, mas para perceber a filiação e os fundamentos do ensino ocidental, e para saber conjugar as transformações sociais e técnicas com o núcleo central da nossa tradição de ensino. Sobre isto, é provável que o senhor Tapscott pouco tenha a dizer, e desconfio que aos nossos políticos uma coisa dessas deva parecer absolutamente arcaica e sem sentido. Há muito que eles deixaram de entender o que significa a palavra princípios.

Sem comentários: