31/10/09

Impressões - XXVII


Camille Pissarro, Kitchen Garden at l'Hermitage Pontoise (1874)

o trabalho na horta
ao ritmo das horas

a minúcia dos gestos
a fazer florir a terra

a promessa de salvação
a pairar sobre a vida

as árvores perderam as folhas
e um céu de cinza
despede-se das últimas aves

um cântico no silêncio
apraza o dia
convoca o deus
abre a casa vazia

Uma viagem no Barroco - 19 Arcangelo Corelli - Concerto no. 8 (1653-1713)


Arcangelo Corelli - Concerto no. 8 "Scritto per la Notte di Natale" in sol minore

The Italian composer and violinist Arcangelo Corelli exercised a wide influence on his contemporaries and on the succeeding generation of composers. Born in Fusignano, Italy, in 1653, a full generation before Bach or Handel, he studied in Bologna, a distinguished musical center, then established himself in Rome in the 1670s. By 1679 had entered the service of Queen Christina of Sweden, who had taken up residence in Rome in 1655, after her abdication the year before, and had established there an academy of literati that later became the Arcadian Academy. Thanks to his musical achievements and growing international reputation he found no trouble in obtaining the support of a succession of influential patrons. History has remembered him with such titles as "Founder of Modern Violin Technique," the "World's First Great Violinist," and the "Father of the Concerto Grosso."


His contributions can be divided three ways, as violinist, composer, and teacher. It was his skill on the new instrument known as the violin and his extensive and very popular concert tours throughout Europe which did most to give that instrument its prominent place in music. It is probably correct to say that Corelli's popularity as a violinist was as great in his time as was Paganini's during the 19th century. Yet Corelli was not a virtuoso in the contemporary sense, for a beautiful singing tone alone distinguished great violinists in that day, and Corelli's tone quality was the most remarkable in all Europe according to reports. In addition, Corelli was the first person to organize the basic elements of violin technique. (continuar a ler em Baroque Composers and Musicians. Cf. tb Wikipedia)

Portugal


Vasco Pulido Valente - A carreira de um corrupto



Claro e distinto. Mas o que poderemos nós pensar de Portugal e do regime político, desde as autarquias ao governo central? A miséria corrói o tecido social e isto? Que conexão há entre isto e a miséria (económica, social e cultura) endémica? Por que razão todos temos uma estanha sensação de medo e de que o país está a desaparecer? Diz VPV: "Só sei, como sabe, ou desconfia, a maioria dos portugueses que o regime se tornou uma enorme rede de corrupção".

Formação científica



O professor Jaime Carvalho e Silva, futuro secretário-geral da Comissão Internacional de Instrução Matemática, defendeu a necessidade do país investir mais na formação de professores de Matemática e de ampliar as horas de ensino da disciplina nos currículos. O mais importante daquilo que disse, mas provavelmente será aquilo que vai ser rapidamente posto de lado, refere-se, todavia, à necessidade de formação científica: “Além da língua, há uma cultura comum e problemas associados a essa cultura, como o de se considerar que a formação científica não é importante e que conseguimos improvisar o que será necessário”.

Aqui está um dos problemas cruciais do ensino em Portugal. São poucos aqueles que acham necessária uma maior e mais efectiva formação científica dos docentes. Isto começa no Ministério da Educação e acaba nos próprios professores. Mas a verdade é que o que acontece é o improviso a partir do manual. Os responsáveis julgam que o problema é pedagógico, mas não é. É um problema de domínio científico. Quem não conhece com profundidade as matérias que ensina, e muito para além delas, não tem material para dar conteúdo à imaginação didáctica que deve presidir ao trabalho docente. Mas explicar isto é uma tarefa inglória e destituída de sentido.

Reconhecimento


Razão tem Carvalho da Silva ao dizer sobre Valter Lemos como Secretário de Estado do Empego e Formação Profissional: «É um sinal absolutamente desastroso. Acho que não exagerarei se disser que, para o comum dos sindicalistas e dos trabalhadores, isso pode ser visto como uma autêntica provocação

Mas a lamentação do sindicalista não é o mais importante. O relevante é o reconhecimento de Valter Lemos e do seu trabalho na Educação por Sócrates. Isto significa apenas uma coisa. O actual governo fará o que lhe for possível para manter os desmandos que o anterior introduziu na educação. O essencial do descalabro é para manter.

O tempo da sucata


O tempo sempre revela a essência daquilo que é. Manifestou-se agora a sociedade da sucata. Quem sonha que pertencemos ao clube da escandinávia esquece a verdade trivial de que somos parte integrante de África.

30/10/09

Impressões - XXVI


Armand Guillaumin, Crozant Landscape (c. 1900)

para que usas a palavra verdade
rumor tóxico a arder no ramal

basta o rio e a sua água
basta o vento e o eterno sopro
basta a luz e a treva que traz

assim se regressa aquele lugar
onde o verde já não é verde
nem a primavera mais que um inverno
onde tudo se pode esquecer

Uma viagem no Barroco - 18 Jan Dismas Zelenka - Da Vivo Tronco Aperto (1679-1745)


Jan Dismas Zelenka, Da Vivo Tronco Aperto

Most of Zelenka's compositions were sacred works, including three oratorios, 21 masses, and numerous other pieces of music. Zelenka's orchestral and vocal pieces are often virtuosic and difficult to perform. In particular, his writing for bass instruments is far more demanding than that of other composers of his era, notably the "utopian" (as Heinz Holliger describes them) demands of the oboe scores in his trio sonatas.

It is no secret that J.S. Bach held Zelenka in high esteem, as witnessed by a letter from Bach's son C.P.E. Bach to J.N. Forkel, of 13 January 1775, perhaps accounting for Bach's own striving to produce a full-length Catholic mass (the B minor/H-moll mass) in his final years.

It was mistakenly assumed that many of Zelenka's autograph scores were destroyed during the fire-bombing of Dresden in February 1945. However, the scores were not in the Catholic cathedral, but were in a library north of the river. Some are certainly missing, but this probably happened gradually - and these represent only a small proportion of his extant works.

The "Zelenka movement," which started in the 1960s, is gaining momentum, as witnessed by a number of recent live performances of his works in far-flung parts of Europe such as Copenhagen and Glasgow. One must consider that the now-lionized Bach only attained his current esteem in the twentieth century, thanks to the efforts of 19th-century composers, including Mendelssohn and Mahler; Jan Dismas Zelenka appears to be another "sleeping giant" of the Baroque era.

More than half of Zelenka's works have now been recorded, mostly in the Czech Republic and Germany, and it is only a matter of time before all 21 masses will have been recorded. The Missa Purificationis (ZWV 16) is the latest to appear (on Nibiru Records; see below). Some would say that this mass reflects Zelenka at his peak, as at the time (1733) he was very much in the limelight at the Dresden court. (This is the last mass to include brass instruments). Others would say that Zelenka's compositional peak corresponds to his final masses from 1739-1744 (ZWV 19-21) [Wikipedia].

Aria sung by altus MAGDALENA KOZENA; orchestra: CAPELLA REGIA MUSICALIS conducted by ROBERT HUGO.


Enigmas




Mas mais enigmático é a representação de Baco. O que terá acontecido para que o impetuoso e vingativo deus Diónisos, ou a sua encarnação romana, Baco, que se transforma em leão para devorar gigantes, sejam muitas vezes representados por um jovem imberbe, muitas vezes de face andrógina, como neste quadro de Caravaggio? Por outro lado, o que terá levado o pai do barroco italiano a representar de forma tão serena, tão apolínea, o deus do excesso e da embriaguez? A serenidade e a calma representação de Baco são de tal maneira gritantes que, ao olhar o quadro, penso mais no Sócrates do Banquete, de Platão, do que no velho deus servido por Sátiros ou Faunos.

Mas ao representar Baco desta forma e ao dissimular-se no jarro de vinho, talvez Caravaggio quisesse sugerir que o verdadeiro Baco era ele, figura silvestre sempre disposta para o excesso e a desmedida, e não aquele jovem delicado que pega na taça de vinho de uma forma tão pouco viril.

Jornal Torrejano, 30 de Outubro de 2009



On-line está a edição semanal do Jornal Torrejano.

29/10/09

Impressões - XXV


William Chadwick, The Orange Bridge

a remota ponte de madeira
sobre o oculto furor das águas
é uma promessa incauta
a unir dois mundos
como se fossem duas margens

tão difícil dizer-te o instante que passa
ou o frio que o inverno abriu
resta a ferida talhada em cada mão
e uma ponte de rosas azuis
a separar-me de quem por mim espera

Uma viagem no Barroco - 17 Henry Du Mont - Memorare (1610-1684)


Henry Du Mont - Memorare (Herreweghe)

Walloon musician, born near Liège. Dumont became a choirboy in Maastricht in 1621, receiving there his musical education. He remained there 17 years, becoming successively chorister, clerk, and organist. Hearrived in France in 1938 and is recorded in Paris as organist of the Church of Saint Paul. In 1652 he became harpsichordist to the Duc d'Anjou, Louis XIV's brother. He was appointed harpsichordist to the Queen in 1662, and in the following he became assistane Maître de Chapelle Royale.

When Dumont arrived in Paris, he must have found sacred music remarkably conservative, for at the time in his native Flanders Italian music of the early seventeenth century had already bee widely adopted in churches. Probably this led to the hyperbolic claim in his first publication, Cantica sacra cum vocibus tum instrumentis modulata, to be the first to use the basso continuo, although he may well have been the first to use the trio texture of two solo voices and continuo in the for of the petits motets, which would become the most popular form of sacred music during LouisX IV's grand siècle. Certainly it was the first to be printed in France with a basso continuo.

In 1657, Ballard published Dumont's Melanges containing galant and drinking chansons, psalms, pieces for viols, for organ and harpsichord, three Magnificats, and motets for 2, 4, 5 and 6 voices. Dumont's Grand Motets pour la Chapelle Royale was published posthumously in 1686 (hoasm). Conferir também Musicologie.

A primeira biografia académica de Salazar



É hoje lançada em Washington a primeira biografia académica de Oliveira Salazar, titulada Salazar - A Political Biography. O historiador Filipe Ribeiro de Meneses, de 40 anos, radicado em Dublin, é o autor da obra que faltava na historiografia internacional.

É tempo de olhar a personagem e a sua obra de um ponto de vista mais distanciado. Salazar é a figura central do século XX português. Muito daquilo que ainda somos tem um dedo do ditador. Perceber a dimensão política do homem implica um afastamento das diversas retóricas que têm dominado o discurso sobre ele, sejam pertencentes aos apoiantes mais ou menos incondicionais, sejam as dos adversários incondicionais. Chegou a hora da academia tomar o problema em mãos. Se uma biografia de Salazar pode dizer-nos muito daquilo que ele é, não devemos esquecer, porém, uma outra faceta do problema, aquela que reside em nós, portugueses, e que não só permitiu como quis uma longa governação de uma figura como o professor de Finanças da Universidade de Coimbra. Para abrir o apetite leia-se a entrevista dada pelo historiador ao Público.

28/10/09

Impressões - XXIV


Paul Gauguin, Snow in Rue Carcel (1883)

as primeiras neves emudeceram os pássaros
e rasgaram a rua com uma dor tão fria
que a vida suspendeu o alvoroço
e a morte esqueceu-se de voltar

os ramos nus são agora mastros
de onde foram roubadas as últimas bandeiras
aquelas que erguias quando o dia declinava
e a sombra era uma longa enfermidade
a anunciar o doloroso segredo da noite

Secretários de Estado da Educação

Já há secretários de Estado. Confirmação do previsível, portanto mau prenúncio. O eduquês em grande força, agora com origem em Aveiro. Alexandre Ventura passa do Conselho Científico para a Avaliação de Professores para o governo. Uma tentativa desesperada de assegurar que o descalabro nas escolas se mantém. Para compensar, há os números de fogo de artifício, tipo Magalhães. João Mata transita do Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação e foi coordenador do Plano Tecnológico da Educação. Estamos conversados.

Uma viagem no Barroco - 16 Johann Jakob Froberger, Toccata I A minor (1616-1667)


Johann Jakob Froberger, Toccata I A minor

Johann Jakob Froberger (baptized May 19, 1616 – May 7, 1667) was a German Baroque composer, keyboard virtuoso, and organist. He was among the most famous composers of the era and influenced practically every major composer in Europe by developing the genre of keyboard suite and contributing greatly to the exchange of musical traditions through his many travels. He is also remembered for his highly idiomatic and personal descriptive harpsichord pieces, which are among the earliest known examples of program music.

Only two of Froberger's many compositions were published during his lifetime, but his music was very widely spread in manuscript copies and he was one of the very few 17th century composers who were never entirely forgotten. His works were studied in the 18th century (although perhaps not very extensively, and certainly without influence on the emerging Classical style) by Handel, Bach and, extraordinarily, even Mozart and Beethoven (Wikipedia). Conferir também Here of a Sunday Morning.

Tocatta I A minor Johann Jakob Froberger 1649

RCSMM Madrid
Fernando Aguado, Clave

O Bispo de Hanôver



Esta bela senhora, Margot Kässmann, é o Bispo de Hanôver e foi eleita para liderar a Igreja Luterana Alemã. Há, no entanto, qualquer coisa que não funciona. Eu sei que sou suspeito, pois fui educado na tradição católica, onde não há bispos de saia, apenas de sotaina, que não é bem a mesma coisa. Na fotografia de cima, Margot Kässman podia ser uma cientista a proferir uma conferência, seria absolutamente credível, apesar de ela não ser cientista. Na foto de baixa, Margot Kässmann poderia ser, com toda a verosimilhança, uma enérgica mulher de negócios, que não é. Ela é Bispo, tal como aparece na fotografia do meio, mas, em abono da verdade, é o papel onde, fotograficamente, ela é menos credível. Há qualquer coisa que não funciona nestas Igrejas.

Joseph Maistre - A natureza do grande legislador



Referi um carácter principal dos grandes legisladores; eis um outro bastante notável, e sobre o qual seria cómodo fazer um livro. Eles nunca são aquilo a que se chama sábio, eles não escrevem, eles agem por instinto e por impulso, mais do que pelo raciocínio, e eles não têm outro instrumento para agir, senão uma certa força moral que dobra as vontade como o vento, as searas. [Joseph Maistre, Considérations sur la France]

Ratzinger, o estranho inquisidor



Música sacra moderna, orações, ladainhas e cantos marianos em várias línguas, incluindo o português, preenchem “Alma Mater - Música do Vaticano”, disco gravado pelo Papa Bento XVI e que estará à venda dentro de um mês. Não é isto, porém, que é motivo de admiração. Quando Ratzinger foi eleito Papa, não faltou gente a afirmar que o Grande Inquisidor, o Perfeito para a Congregação da Fé, tinha chegado à cadeira de S. Pedro. O intuito era desvalorizar a figura de um intelectual eminente, agora Papa. Quis-se colar-lhe a etiqueta de intolerante. Aqui temos mais um prova da sua fanática intolerância. As oito músicas originais do disco foram seleccionadas por uma comissão formada por três compositores, um ateu, Simon Boswell, um católico, Stefano Mainetti, e um muçulmano, Nour Eddine. Que estranho inquisidor este. Que estranho fanatismo este.

São Medeiros Ferreira



Se no governo que agora tomou posse houver ainda um traço de instinto político, se não tiver sido tudo já carcomido pelo politiquês mascarado de pseudo-racionalidade de aparência maquiavélica, então os senhores ministros, com o chefe à cabeça, deveriam ajoelhar-se todos os dias diante do altar que é o blogue de Medeiros Ferreira. Não custa muito, o santo, como um oráculo, é parco em palavras e subtil nas presunções. Não fere, aparentemente, ninguém. Mas aquilo que destila em cada post é sabedoria política da mais refinada, como por exemplo este verdadeiro programa de governo. Um pouco de humildade não faz mal a ninguém e, diga-se em abono da verdade, valem mais 20 palavras de Medeiros Ferreira de que todos os discursos de Sócrates e ministros adjacentes durante toda uma legislatura. Não somos todos iguais. É a vida, como disse o Engenheiro Guterres.

Discriminação



O problema da exclusão manifesta-se onde menos se espera. Uma reportagem no i revela-nos o mundo dos motéis à portuguesa. Num deles, onde se aceita casais de todo o tipo, permite-se a própria multigamia (acabei de inventar a palavra, acho eu, mas não é seguro que assim seja...). Um casal corrente (duas pessoas) paga cinquenta euros, se o casal for a três paga setenta e cinco e a quatro, cem. Até aqui tudo bem, é apenas uma questão de mutiplicação de 25 euros pelo número de membros do casal, com um mínimo de dois membros por casal (ainda não chegámos à ideia de casal de um, mas lá chegaremos). Mas os outros, os casais de cinco, seis ou mais membros? Esses não têm lugar. Estão excluídos. Não compreendo por que ainda não foi apresentada queixa à Comissão Europeia para os Direitos Humanos. Há que acabar com esta discriminação que atinje casais que se recusam a ser menos de cinco.

Novíssimos escravos



No círculo infinito da miséria que persiste em Portugal também há lugar para a escravatura. E nao sei o que é mais lamentável, se a falta de escrúpulos e de princípios daqueles que não hesitam em viver da escravatura, se a fragilidade social e psicológica dos que são levados no embuste e acabam acorrentados numa qualquer quinta de Espanha. Fragilidade social e pessoal e vocação de negreiro compõem uma parte da moeda que corre no território pátrio. Uma coisa é certa, mal se raspa um pouquinho o fato civilizado com que os humanos se travestem e logo aparece a barbárie. Como pode alguém ser optimista relativamente à espécie humana?

27/10/09

Impressões - XXIII


Claude Monet, Blue Water Lilies (1916-1919)

a planta que faltava no herbário
um risco de tinta na penumbra da água
é agora um incêndio de azul
entre ervas esquecidas no matagal

virgem deixa que olhos forasteiros pairem
sobre o pudor da corola
para se esconder no assédio da noite
entre limos e folhas a apodrecer

Uma viagem no Barroco - 15 Giovanni Legrenzi - O Dilectissime Jesu Per Il Santissimo, Op 17 (1626-1690)


Giovanni Legrenzi (1626-1690) - O Dilectissime Jesu Per Il Santissimo, Op 17

Giovanni Legrenzi (baptized August 12, 1626 – May 27, 1690) was an Italian composer of opera, vocal and instrumental music, and organist, of the Baroque era. He was one of the most prominent composers in Venice in the late 17th century, and extremely influential on the development of late Baroque idioms across northern Italy.

Legrenzi was active in most of the genres current in northern Italy in the late 17th century, including sacred vocal music, opera, oratorio, and varieties of instrumental music. Though best known as a composer of instrumental sonatas, he was predominantly a composer of liturgical music with a distinctly dramatic character. The bulk of his instrumental music may also be included in this category, since it would have been used primarily as a substitute for liturgical items at Mass or Vespers. His operas were immensely popular (and extravagantly presented) in their day, though like his oratorios, few have survived. His later dance music was certainly connected with the operatic repertoire, though the function of an early collection (Op. 4, which is musicologically famous for its inclusion of six pieces designated sonate da camera) is less clear. [Wikipedia]

Ensemble El Mundo, dir.Richard Savino
Ruth Escher, soprano

Da imutabilidade das coisas



Quarenta mil idosos passam fome em Portugal. Delphi fecha em Ponte de Sor e atira 430 pessoas para o desemprego. Certamente haverá explicações económicas para este triste panorama. As empresas estão obsoletas e fecham. As pessoas envelhecem, tornam-se obsoletas, ficam sem emprego, passam fome no ocaso da vida. Tudo isto, porém, não passa do sintoma de uma sociedade que nunca se preocupou em tornar-se mais adaptada à realidade e mais justa. A injustiça social, em Portugal, é companheira fiel da desadequação educativa, científica e tecnológica do país. Apesar de mirabolantes planos tecnológicos, planos que andamos a inventar há décadas - Sócrates não o primeiro -, o destino, como numa tragédia grega, parece imutável.

Imagem do Ares da Minha Graça.

26/10/09

Impressões - XXII


Cesare Biseo, Paesaggio desertico con carovana (1870)

contra a areia avançavam
o horizonte por destino
o calor do dia na bagagem
e um sonho de água no coração

iam perseguidos pelos céus
povo abandonado
à deriva no deserto
chamando pelo deus
calando-se no silêncio da resposta

Uma viagem no Barroco - 14 Philipp Heinrich Erlebach - Himmel, du weißt meine Plagen (1657-1714)


Philipp Heinrich Erlebach - Himmel, du weißt meine Plagen (1657-1714)

A key figure in late seventeenth century German music, composer Philipp Heinrich Erlebach nonetheless has gained recognition very slowly for his considerable role in the middle Baroque. Born in the East Friesland town of Esens, Erlebach was a citizen of East Friesland when it was a free duchy, and would have come of age in an atmosphere heavily impacted by Franco-Flemish culture. It was in the service of the Friesian Court that Erlebach first made his name as a musician, and based on his exceptional abilities Erlebach's services were loaned out to the court of Albrecht Anton von Schwarzberg-Rudolstadt, Count of the larger principality of Thuringia, starting in 1678. In 1681, Erlebach was named to the post of Kapellmeister to the Thuringian Court, a position he held until his death 33 years later. In this time, Erlebach built a reputation as one of the great composers in Central Germany, and enjoyed connections to the courts in Nuremburg, Mühlhausen (where the young Johann Sebastian Bach was employed from 1707-08) and at Brunswick-Wolfenbüttel. Count Albrecht Anton's successor, Prince Ludwig Friedrich I, thought enough of Erlebach's music to purchase his manuscript collection from Erlebach's widow after the composer's death in 1714. Unfortunately, a fire in 1735 wiped out this entire legacy, and posterity is dependent upon published editions, manuscript copies and a single holograph in Erlebach's own hand to account for his talents. [Cf. Answers.com]

Benfica 6 - Nacional 1



Benfica venceu por 6 a 1 o Nacional da Madeira (ver também aqui). Há trinta anos seria uma trivialidade, hoje não é bem assim. Quando a fartura é muita, o pobre desconfia. Depois de anos e anos de fastio, o Benfica de Jesus entra em campo com vontade de jogar futebol e de marcar golos. Não sei se é para continuar. Ver-se-á em Braga, com o Porto e com o Sporting, mas que este ano a coisa está substancialmente diferente, lá isso está.

Cláudio Magris - O rio e a História



Na torrente de montanha que corre para o vale, o jovem Goethe via uma juventude fresca e impetuosa, que se precipitava na planície tornando a terra fecunda. Na época do Sturm und Drang, das esperanças pré-revolucionárias, o rio era o símbolo do génio, da energia vital e criadora de progresso; no tomo quinto da Encydopédie, o «enthousiasme» é comparado com um regato ténue que cresce, flui, serpeia, se torna cada vez maior e mais potente e por fim se lança no oceano, «depois de ter feito ricas e fecundas as terras felizes que banhou». Mas algumas décadas mais tarde, Grillparzer, o poeta da Áustria oitocentista, em versos de tom completamente diverso sonhava deter o fluir de um regato, via-o crescer mas também perder-se na história, deixar a pequena mas harmoniosa paz da sua infância límpida e tranquila, agitar-se e confundir-se até se diluir no mar, no nada. [Cláudio Magris, Danúbio, pp.32]
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De Goethe a Grillparzer há um sentimento comum. O rio é a metáfora fundamental para falar da História, desse enigma do passar do tempo e da passagem das coisas e instituições com ele. Se em Goethe a História é fecunda, se no Romantismo se incensa a impetuosidade do rio que corre, se se admira o progresso, se se olha benevolentemente, com a Enciclopédia, o «entusiasmo», com Grillparzer é uma outra e antagónica realidade que emerge. A História é a mãe do niilismo, o rio que flui apenas corre para o nada. Por isso, Grillparzer está longe de afectar entusiasmo, aquele entusiasmo que certamente vem do Iluminismo, com o devir histórico. Sonhava antes um sonho impossível, sonhava deter o fluir do regato. Curiosamente, a crítica ao entusiasmo nasce dentro da própria Filosofia iluminista, dentro do pensamento do progresso, nasce em Kant. Talvez Kant tenha pressentido na libertação do Homem da menoridade de que ele próprio é culpado, o programa do Iluminismo, uma sombra ameaçadora. Ele viu-a no entusiasmo que se apossou dos actores da Revolução Francesa. Aquilo que ele não viu, ofuscado ainda pela ideia do progresso moral da humanidade, foi mais tarde entrevisto por Nietzsche, no conceito de niilismo. Podemos, assim, formular mais claramente aquilo que dá que pensar. Todo o progresso é um progresso em direcção ao nada. O rio nasce e progride até deixar de ser rio. O progresso tornou-se a ilusão mais persistente da modernidade, uma espécie de justificação do devir da História, como se ela precisasse de uma justificação do seu acontecer, como se o devir nunca fosse inocente. O progresso é a expressão de uma razão culpada.

25/10/09

Impressões - XXI


Alfred Sisley, Dia de Viento en Veno (1882)

ardia o vento na coroa da tarde
mão presa na mão
sem pressa de liberdade
sem angústia por tal prisão

como folhas
os dedos tremiam
a humidade os acolhia

os campos podiam ceder
à luz da eternidade
as cidades arder
ao compasso da pulsação
mas o vento haveria de atear
o sangue que corria
do teu para o meu coração

Uma viagem no Barroco - 13 Franz Tunder - O Jesu dulcissime (1614 - 1667)


Franz Tunder - O Jesu dulcissime - MacLeod

Franz Tunder (1614 – November 5, 1667) was a German composer and organist of the early to middle Baroque era. He was an important link between the early German Baroque style which was based on Venetian models, and the later Baroque style which culminated in the music of J.S. Bach; in addition he was formative in the development of the chorale cantata.

Along with Heinrich Scheidemann and Matthias Weckmann, Tunder was one of the most important members of the North German organ school; however, few of his works are preserved. His surviving output suggests a marked preference for the chorale fantasia style, though he is also known for chorale versets, such as his setting of Jesus Christus unser Heiland, notable in particular for the opening pedal flourish (probably the earliest surviving example of an opening pedal solo in an organ work), a technique that was to be more fully exploited by Dietrich Buxtehude.

Notas da Wikipedia.

Gatos e vírus



Talvez o gato de Schrödinger, aquele que estaria ao mesmo tempo vivo e morto, possa ser substituído por um vírus. Não parece ser grande a promoção, coisa de cientistas espanhóis do Instituto Max Planck. Trata-se de uma experiência em mecânica quântica que pretende testar a sobreposição de estados, não com um pobre bichano, mas com um diabólico vírus. Mesmo para um ignorante da Mecânica Quântica, como este blogger, o artigo do Público é um prazer para a imaginação. Veja-se o debate entre os adeptos da escola de Copenhaga (Bohr e Heisenberg) e Schrödinger, isto para não falar da many-worlds interpretation, de Everett . Penso muitas vezes que se fosse hoje não teria feito Filosofia mas Física. Com a morte da religião e o envelhecimento da Filosofia, resta apenas a Física como a casa grande onde a imaginação pode encontrar um terreno fértil para os seus devaneios. Não se pense que estou a ironizar. A imaginação é o alicerce da razão. Talvez o acesso aos fundamentos da realidade necessite tanto, ou mais, da faculdade da imaginação como da do entendimento ou razão. E depois há qualquer coisa de literário em tudo isto, o que talvez nos obrigue a pensar nos limites das definições dos géneros literários. Não será a ciência ainda uma forma de literatura? A gesta do gato de Schrödinger, não deixaria de ser um belo título.

Um padre explosivo


Um padre septuagenário (curiosa forma de identificação) figura entre os quatro detidos pela GNR, no concelho de Boticas, por posse ilegal de armas, munições e explosivos. Pode haver várias explicações para o acontecido, para além daquela que nos diz que o senhor padre é inocente, presumido ou efectivo. Por exemplo, o padre, já septuagenário, poderia confundir armas de fogo com material pirotécnico para alegrar a festa na paróquia. Poderia, também, estar com medo e possuir armas para auto-defesa. Mais do que um crime, será então um pecado, a incapacidade de dar a outra face. Também se pode considerar, até pelo furor desencadeado por José Saramago, que haverá padres geneticamente descendentes de Abel e outros de Caim. Quem sabe se esta não será a melhor explicação?

24/10/09

Impressões - XX


Edgar Degas, Paisaje

nem animais embalsamados há
nesta paisagem tragada pelo ocre

se uma súbita voragem abria o coração
à lonjura do horizonte
os olhos perdiam-se no segredo
daquilo que lhes está mais próximo

não vale a pena trazer na face
o símbolo do infinito

as mãos pedem o limite de um corpo
a avara certeza da carne
mesmo morta
mesmo embalsamada

O caso Freeport e o fim do romancista



O notável no caso Freeport não é a longa demora do processo. Não é dos mais morosos na Justiça portuguesa. O que merece admiração, talvez louvor, é a narrativa que o suporta. Se observarmos um romance, ele tem, por norma, um autor. Este cria o narrador que conta a história, compondo as acções e os pensamentos das personagens. A composição é a arte suprema da narrativa romanesca. De certa maneira, um romance é uma coisa simples. Basta criar um bom narrador. Dependerá deste, passe a ironia, a qualidade da narrativa, fundada na arte da composição. No caso Freeport, não há autor. Não havendo autor, não há narrador. Mas apesar disso, existe narrativa, a qual possui uma intriga notável, onde as peripécias se sucedem como se tivessem sido criadas por um autêntico romancista, peripécias essas que vão atando o nó, sem que o leitor desprevenido consiga, apesar das revelações, antecipar qual vai ser o desenlace. Esta narrativa é a consumação da modernidade romanesca, pois cada personagem compõe autonomamente parte da história. Imprensa, Ministério Público, Polícia Judicária, arguidos, etc. vão propondo textos que acabam por se compor entre si e por si mesmos, de forma a que o nó seja cada vez mais cerrado e a narrativa possa prosseguir, como nas telenovelas ou nos antigos romances publicados em folhetins nos jornais. O caso Freeport é uma prova a favor do fim dos romancistas, mas não do romance. Hoje em dia, para haver um belo romance não é preciso autor, bastam as personagens. A narrativa escreve-se por si mesma. E no entanto, apesar do carácter admirável da ficção, todos temos a sensação, quiçá errónea, de que um processo judicial deveria obedecer a outro género literário que não o romance, mesmo que este seja auto-poiético.

23/10/09

Impressões - XIX


Benvenuto Benvenuti, I Cardi (1897)

queria para aquela deserto fugir
trocar o cheiro das frésias
pelo ardor do cardo
e esperar que um deus viesse
no naufrágio da tarde

mas a cidade tinha uma mão de aço
e um ogre em de cada porta
prendia o fugitivo na luz
das praças com que sonhara
na longínqua infância

Jornal Torrejano, 23 de Outubro de 2009



On-line está a edição semanal do Jornal Torrejano, aqui.

Italo Calvino - Os clássicos e a actualidade



O ideal talvez seja sentir o rumor que entra pela janela, que nos avisa dos engarrafamentos do trânsito e dos saltos meteorológicos, enquanto acompanhamos o discurso dos clássicos que soa clara e articulado no nosso gabinete. Mas também já é muito se para a maioria a presença dos clássicos se sentir como um ribombar longínquo fora do gabinete invadido pela actualidade como se fosse uma televisão a todo o volume. Acrescentemos portanto:

14. É clássico o que tiver tendência para relegar a actualidade para a categoria de ruído de fundo, mas ao mesmo tempo não puder passar sem esse ruído.

15. É clássico o que persistir como ruído de fundo mesmo onde dominar a actualidade mais incompatível. [Italo Calvino (2009). Porquê Ler os Clássicos? Lisboa: Teorema, pp. 12]

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Eu diria ainda outra coisa. É clássico aquilo que nos permite ler o ruído da actualidade como ruído e como actualidade, que nos permite perceber que a cacofonia não é mais do que isso, que deixa ver o instante que impera no actual contra a sombra de eternidade que se desprende dos clássicos. Mas os clássicos ainda permitem outra coisa. Permitem vislumbrar aquelas obras que, sendo fruto da actualidade, trazem uma marca genética que as liga aos clássicos, e que assim têm todas as condições de filiação para se tornarem também eles parte da família, mesmo que aparentemente sejam filhos rebeldes. Tornar-se-ão filhos pródigos.

A diferença



Quando o primeiro governo Sócrates tomou posse havia uma grande expectativa. Os desafios eram, como hoje o são, grandes, mas também era grande a esperança que da esquerda viesse alguma coisa interessante. Todos sabemos o que se passou, independentemente das interpretações que se façam. Perante o novo governo há uma atitude diferente. Ninguém espera nada. O problema nem reside no facto de não ter maioria absoluta, mas no de toda a gente conhecer Sócrates e o núcleo duro governamental. As novidades não passam disso mesmo, novidades, amanhã estarão tão velhas como as não novidades. As únicas boas notícias são as que se referem à não recondução de certas personagens. Nem vale a pena dizer quais.

22/10/09

Benfica e Governo, num só dia



Consta que já temos governo. Uma espécie de evolução na continuidade, para falar à maneira de Marcello Caetano. Na Educação, confirma-se Isabel Alçada (licenciada em Filosofia, mas passou por Boston, péssimo sintoma). Teria preferido a Enid Blyton, mas não estava disponível. Azar de Jose Sócrates. Mas coisa séria mesmo é o triunfo do Benfica sobre o Everton. Confesso que cada vez compreendo menos a má disposição de Saramago contra a Bíblia. Não fora Jesus, e onde estaria o glorioso? Que ao menos ele continue a dar alegrias ao povo, pois do governo nada de bom se pode esperar.

21/10/09

Impressões - XVIII


Paul Cezanne, View of Auvers-sur-Oise (1873)

nada se prende ao olhar
ali nesse lugar tragado pela cor
sítio desmemoriado que arde
no lume do amanhecer

o desejo mais delicado
seria ainda um excesso

apenas o sopro do ar
basta para rasgar o coração
e semear de vísceras os campos
onde involuntário
pastoreio a minha solidão

O que se esconde no desemprego



O Público anuncia que a Delphi da Guarda vai despedir 500 trabalhadores (ver também aqui). Há no ficar sem trabalho qualquer coisa muito obscura. Não me estou a referir aqui à hipotética malevolência das classes exploradoras do trabalho de outrem, nem àqueles que deliberadamente querem ficar sem trabalho. Falo antes de uma experiência ontológica radical que se dá nesse acontecimento. É essa experiência que dinamiza as múltiplas atitudes políticas que são geradas em torno do desemprego. De certa maneira, um despedimento é uma espécie de condenação à morte. Esta condenação nem vem obrigatoriamente da entidade empregadora. É como se uma dada colónia de animais deparasse, de um momento para o outro, com o esgotamento das reservas alimentares do ambiente onde vive. Uma empresa deixar de ter mercado, sejam quais forem os motivos, é como o esgotamento das reservas alimentares de uma dada colónia animal. Esta condenação à morte proferida pelo mercado é, desta maneira, pensável em analogia com aquilo que acontece na natureza. Sendo assim, porém, ela abre um estranho "direito natural" àquele que é vítima de despedimento, um direito de lutar de qualquer maneira pela sua sobrevivência e a dos seus. Um despedimento suspende, do ponto de vista moral, a ordem cultural e com ela a ordem jurídica. Um despedimento que condena as pessoas ao não trabalho reinscreve as relações humanas na ordem da natureza, na ordem da luta pela sobrevivência, na guerra de todos contra todos. É por isto que a tentativa de certos sectores liberais de reduzir a sociedade ao mercado é dissolvente e perigosa. Os mecanismos do estado social, nomeadamente os da protecção no desemprego, mas não só, são fundamentais para evitar o retorno ao estado de natureza. Têm a função política de assegurar a ordem. O estado social ou o estado providência não nasceram de considerações de ordem moral, não nasceram da bondade do coração humano ou de uma utopia socialista. Nasceram do medo, nasceram como forma de evitar a guerra de todos contra todos. É a ameaça dessa guerra que devemos descortinar cada vez que se noticia este tipo de despedimento colectivo.

Isabel Alçada, com papas e bolos...



Nas especulações sobre o futuro governo feitas pelo i, o nome de Isabel Alçada é dado com certo na Educação. Aqueles que se interessam pelas questões educativas apenas se devem preocupar se o futuro ministo, seja ele quem for, vem para manter e continuar o trabalho de destruição da escola pública incrementado por Lurdes Rodrigues, ou se vem para tentar pôr cobro ao descalabro que dura há quase cinco anos. Se a pessoa é simpática e bonita, ou se escreve livros para criancinhas, ou se faz o pino às três da tarde, tudo isso é irrelevante. Vai continuar o predomínio do eduquês nas orientações da educação? Vai continuar a vigorar uma visão burocrática da escola em vez de uma visão de escola como centro de saber? O Estatuto do Aluno vai ser mantido como está? O Estatuto da Carreira Docente e a divisão da carreira em duas, bem como o modelo de avaliação de professores são para manter? O modelo de gestão, que submete o ensino e os professores, aos obscuros desígnios da "comunidade" local é para continuar? Aqui estão as matérias que interessam, o resto são papas e bolos para enganar tolos.

Senhor do destino


Manhã destinada a leituras várias. Estou há quase uma hora a ser bombardeado pelo legítimo desejo de um vizinho destruir e reconstruir a sua casa. Um bombardeamento contínuo de marteladas cai sobre mim, imobiliza-me, macera-me a cabeça, frita-me o cérebro em azeite bem quente. Parece que estou a trabalhar há 20 horas. Durante uns segundos o bombardeamento parou, mas retornou logo. Tento perceber o ritmo, perscrutar a variação da intensidade, encontrar um qualquer sinal que me anuncie o fim do tormento. Nada. Aquela ideia de que os homens são senhores do destino faz-me sorrir. Uma manhã já perdida, e ainda não são dez horas, e uma dor de cabeça ganha.

20/10/09

Impressões - XVII


Camille Pissarro, The Road to Louveciennes (1872)

de súbito entardeceu
ou talvez o sol se tivesse cansado
ou os meus olhos só vejam sombras
na vastidão da estrada

nada naquelas casas anuncia um futuro
apenas a erva rasa desenha
a luz que descobre
na escura mancha da tarde
um vestígio de humanidade

Não esquecer



Vi há pouco esta fotografia no Público e pensei que há coisas que um professor não deve esquecer. Não me estou a referir apenas aos desmandos de Lurdes Rodrigues na educação. A cobertura política que Cavaco Silva sempre deu às medidas que desfizeram a escola pública portuguesa também não deve ser esquecida.

Cláudio Magris - O rio e a identidade



Desde Heraclito, o rio é por excelência a figura que interroga a identidade, com a velha pergunta sobre se podemos ou não banhar-nos duas vezes nas suas águas, e Descartes, com o seu célebre pedaço de cera, começou a pensar por ideias claras e distintas sobre o rio, sobre o Danúbio, em Neuburg, a 10 de Novembro de 1619, na sua casa aquecida para o Inverno graças à munificência do Duque da Baviera.

19/10/09

Impressões - XVI


Edouard Manet, La Maison de Rueil (1882)

sonhava a casa como um navio
balançando em alto-mar
e nela o lume cantava
como ondas
sob a luz do temporal

das janelas vêm suspiros
o amor furtivo anuncia o dia
entre lençóis de linho
e a dor que se desprende
de uma ave ao cantar

Convicções



O meu problema não é a ausência de convicções. Eu tenho múltiplas e diferenciadas convicções, arrasto-as comigo, durmo com elas, passeio-as pela rua, chego a jantar com elas. O meu problema é diferente. Reside no simples facto de não acreditar em nenhuma das minhas convicções. Mas isso não é o pior. O pior é que eu não acredito mesmo em poder acreditar nessas convicções. Há um livro de Paul Ricoeur que me fascina desde que saiu, em 1995. Resultou de longas conversas com François Azouvi e Marc De Launay. O que me fascina não é o seu conteúdo, mas o título e aquilo que ele pressupõe. O livro chama-se A Crítica e a Convicção. O pressuposto é que o exercício crítico da Filosofia acaba por depurar as convicções, tornando o convicto mais convicto das suas convicções. O meu fascínio reside no simples facto de nenhuma convicção que eu possa ter resiste ao exercício da crítica. A crítica dissolve todas as convicções, todas as crenças, tudo aquilo que tomamos por verdadeiro. Por isso protesto pela dissolução niilista da verdade, protesto contra o relativismo. Mas não creio sequer no meu protesto, não passa de um gesto inútil.