Pobretes mas alegretes
A notícia do Público começa assim: Pobres, desmobilizados mas, apesar disso, felizes. E um pouco depois lê-se: "O índice resultante do inquérito diz que 35 por cento dos portugueses têm uma privação alta ou média. Mais de metade (57 por cento) tem um orçamento familiar abaixo dos 900 euros."
Como se vê, o salazarismo está entranhado em nós. Melhor, o salazarismo era o resultado daquilo que já estava entranhado no corpo social. Toda a retórica da ditadura girava em torno da máxima "pobres, mas honrados". Hoje talvez já não sejamos tão honrados, ou antes, a honra deixou de ser um valor central na tábua de valoração dos povos ocidentais, foi substituída pela felicidade. Nós adaptámo-nos a essa revolução de valores. Éramos pobres, mas honrados. Agora somos pobres, mas felizes.
Em tudo isto há uma imensa sabedoria dos portugueses. Intrínseca e secretamente sabemos que vivemos numa sociedade pequena, provinciana, pacóvia, uma sociedade de poucas oportunidades. Sabemos também que sempre existiu uma casta que dominou e distribuiu o poder conforme as suas conveniências. Sabemos mais coisas ainda. Sabemos que é muito perigoso, em Portugal, ser inteligente, pensar, ter espírito crítico. Fazer coisas novas e interessantes é praticamente impossível. Esses devaneios pagam-se muito caro. Sabemos que não há lugar onde os medíocres não dominem. Sabemos também que eles não perdoam a quem não é medíocre. Portanto, não vale a pena estarmos mobilizados seja para o que for. Não fazer ondas ou ter um low profile, para parecer moderno, são as nossas máximas de acção. A honra ou a felicidade são apenas o corolário de um teorema existencial, cujas premissas são as relações sociais, e a conclusão é a pobreza.
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