31/07/09

Estatutos

O Presidente da República acabou de promulgar o Estatuto dos Médicos. Ora este Estatuto consagra a carreira única. Como pode um governo como actual fazer este Estatuto e um Presidente como Cavaco Silva aprová-lo sem o mais ligeiro arrepio na consciência. Quando foi o Estatuto dos professores do ensino inferior, aqui d'el-rei que há que diferenciar, distinguir, dividir a carreira em duas. O Presidente nem tugiu nem mugiu e acarinhou a socióloga Rodrigues. Como se pode tratar dois corpos da função pública de forma tão diferenciada? Mais, se numa destas funções havia lugar para alguma diferenciação seria na dos médicos e não na dos professores. Estes fazem todos o mesmo, desde que começam a carreira até que a acabam. Há em Portugal, dentro das elites políticas, uma atitude bem negativa relativamente aos professores portugueses. Tratam-nos como se fossem portugueses de segunda, apesar de constituírem um dos corpos profissionais com maior formação e que recebem maior reconhecimento da opinião pública. É evidente que eu não protesto contra a carreira única dos médicos. O que eu não percebo, a não ser por oportunismo político e por preconceito social, a discriminação de que os professores são alvo. Enfim, estatutos.

Alma Pátria - 12: The Sheiks - Missing You

The Sheiks - Missing You

Para não se pensar que a Alma Pátria é apenas um repositório de canções românticas, nacional-conçonetismo e faduncho, aqui fica uma das primeiras bandas rock portuguesas que atingiu um reconhecimento nacional assinalável. The Sheiks, assim mesmo como The Beatles ou The Rolling Stones, foram formados em 1963. Em 1964 a banda estabiliza com a sua formação mais conhecida: Carlos Mendes, Paulo de Carvalho, Fernando Chaby e Edmundo Silva. Cantavam essencialmente em inglês e tentavam integrar o movimento de música pop-rock que emergira em Inglaterra. A canção Missing You é um êxito da banda datado de 1965, tem 44 anos. O tempo passa.

Jornal Torrejano, 31 de Julho de 2009


Mais uma semana, mais uma edição on-line do Jornal Torrejano.

30/07/09

Estatuto dos Açores

O Tribunal Constitucional, felizmente, veio pôr cobro aos devaneios sobre o Estatuto dos Açores. Há uma coisa que me leva a ser cada vez menos adepto da regionalização e até das próprias autonomias. Por detrás de todo estes movimentos, o que se move sempre, de forma silenciosa e com insídia, é a destruição do Estado central. A metáfora que os políticos usam para a destruição do Estado português é a da autonomia progressiva. O que significa isso? Literalmente significa que progressivamente as regiões se tornarão autónomas, isto é, capazes de dar a lei a si mesmas. Isto quer dizer apenas uma coisa: independência. Amanhã, se este pobre país, for regionalizado, como quer o PS, também as regiões irão reivindicar uma autonomia progressiva. Primeiro, serão super-autarquias, depois numa qualquer revisão constitucional, os grandes partidos, em obediência aos caciques locais, transformarão aquelas super-autarquias em regiões, mais tarde em regiões autónomas, e a pequena república portuguesa não tardará a tornar-se um estado federal. Daqui à desagregação é um passo. Estranho país este em que todos parecem querer depender do Estado e, ao mesmo tempo, destruir esse mesmo Estado. Talvez o objectivo seja a existência um estado em cada canto do rectângulo. Andou bem, muito bem, Cavaco Silva.

Alma Pátria - 11: Max - A Rosinha dos Limões


Max - A Rosinha dos Limões

Estas músicas que vêm construindo Alma Pátria relacionam-se comigo de maneiras diferentes. Algumas acho-as absolutamente detestáveis, outras têm, a meus olhos, uma certa graça, outras ainda são por mim reconhecidas como muito boas, mesmo que não sejam nem nunca tenham sido a "minha" música. É o caso desta A Rosinha dos Limões, de Artur Ribeiro (não encontrei vídeo disponível), na voz de Max (Maximiano Sousa), um grande artista madeirense. Não consegui encontrar a capa da gravação original da canção por Max, nem tive tempo para procurar datas e outras informações. Mas a canção e a voz de Max valem por si.

Sócrates tem ideias

O Magnífico e Meretíssimo e Eminentíssimo e Excelentíssimo e Santíssimo líder, que Deus por desfastio deu a este pobre país, anda exultante. Causa próxima dessa exaltação? Constataram os membros da congregação que tinham ideias, enquanto, segundo os mesmos constatadores, os membros e a chefe da outra irmandade não têm ideias. Sobre este súbito amor da confraria da rosa ao idealismo, apetece dizer apenas duas coisas: primeira, saberão eles o que são ideias? Não estarão a confundir ideias com umas noções vagas sobre as maldades que preparam para o futuro deste pobre povo? Ter uma ideia é já de si uma coisa bem difícil, ter várias é digno de um filósofo do top-ten da filosofia, ter ideias operativas então é um achado; segunda, há ainda que distinguir uma outra coisa: há ideias boas e ideias más. Mesmo que o clube do eminente Sócrates tenha ideias, coisa a provar, nada garante que elas sejam boas, como se viu durante os quatro últimos e dolorosos anos. Sempre seria mais digno que o PS exultasse por outra coisa, não me ocorre nada, mas com paciência talvez se encontre um motivo que não seja de todo descabido. Bem podiam ir de férias.

Exames: isto cansa!

Saíram os resultados da segunda fase dos exames nacionais do ensino secundário e lá volta o charivari em torno do tema. Segundo o Público, os resultados das principais disciplinas são mais baixos agora do que na primeira fase. Como o ME utilizou os exames como forma de fazer política, agora teve de encontrar umas explicações mirabolantes para justificar que os resultados não se devem à sua extraordinária e criativa política educativa. Parece que os culpados são os malditos alunos externos. O Público lembra, porém, que as associações profissionais consideraram os exames da segunda fase mais difíceis do que os da primeira.

Tudo isto já cansa e serve apenas para ocultar a realidade educativa. Muitos alunos que frequentam o ensino secundário "via de ensino" não o deveriam frequentar, ponto final. Deveriam estar em cursos profissionalizantes. Serve também para ocultar uma outra coisa: o amadorismo com que são concebidos os exames em Portugal. E a culpa não é de quem os produz, mas de quem dirige todo o sistema. Para realizar provas equivalentes ao longo dos anos, provas que permitam comparações, é necessário um aturado trabalho de análise e interpretação curriculares e a produção de milhares de itens (bancos de itens) testados. Só na posse desses materiais e de uma orientação que vise a comparação do desempenho curricular dos alunos, ao longo de vários anos, é que se poderão produzir exames minimamente fiáveis e comparáveis. Todo o chinfrim que se produz sempre que saem as notas de exame só serve para tapar a incompetência política e o amadorismo profissional com que a avaliação externa das aprendizagens é feita neste belo e solarengo jardim. Repito: isto cansa!

29/07/09

Alma Pátria - 10: Trio Odemira - Cartas de Amor

Trio Odemira - Cartas de Amor

O Trio Odemira é um pilar essencial do imaginário musical do nosso país. Está em actividade desde os anos cinquenta e teve nas décadas de cinquenta e de sessenta o seu apogeu. Era presença assídua na rádio e os seus êxitos musicais foram muitos. Não consegui determinar o ano da edição do EP Trovas Populares, onde está Cartas de Amor, mas, segundo a Wikipedia, a gravação foi feita entre 1955 e 1967. Refira-se que este universo musical não existia apenas em Portugal. A América Latina, incluindo aí o Brasil, a Europa e os EUA tinham muita música desta, uma música bem feita, uma música dirigida, através da Rádio, às classes populares. Também tinham outras coisas. Era isso que nos faltava.

Análises teratológicas

Estamos a chegar à essência da coisa. Quando se fala em economia e política ou, na versão iluminista, em economia-política, devemos perguntar qual a ciência que trata dessa equívoca combinação. Ora a ciência da essência da economia-política é a teratologia. Teratologia?, pergunta quase indignado o leitor. Sim, é verdade a teratologia investiga as anomalias, malformações, deformações, monstros e monstruosidades em geral (ver aqui), portanto é um ramo da medicina. Em Portugal, porém, foi necessário um transfert para incluir nessa digníssima ciência o monstro das contas públicas, vulgarmente conhecido pelo défice. Ricardo Reis, não confundir com o heterónimo de Fernando Pessoa, diligente investigador de monstruosidades estudou a alimentação do monstro nos últimos 24 anos. Descobriu que os governos do PSD são mais amiguinhos do monstro do que os do PS; descobriu também que o próprio Professor Cavaco não era nenhum poupadinho, mas gastava que se fartava. Estas coisas já se sabiam. Por exemplo, seria interessante investigar a correlação entre a despesa pública e as maiorias absolutas do professor Cavaco. É preciso, por outro lado, não esquecer que a relativa contenção dos governos PS não se deve a uma virtude substancial dos rapazes da rosa, mas às imposições leoninas de Bruxelas. Mas a coisa que todos temos de saber é a seguinte: o défice não cresce apenas por desperdício. O monstro é criador, cria aquilo que não existe em Portugal: classes médias. Como a sociedade civil se mostra impotente para fabricar amplas e sólidas classes médias, como existem por essa Europa fora, tem sido o Estado a fabricá-las: professores, médicos, enfermeiros, militares, juízes e magistrados, técnicos superiores disto e daquilo, etc. Fora disto praticamente já não há classe média. Um exemplo. Antigamente os pequenos comerciantes com as suas lojas de mercearia formavam uma sólida, embora pouco extensa classe média. Viviam de uma concorrência respeitosa e pouco agressiva. Essa gente desapareceu. As grandes superfícies acabaram com ela e o grosso do dinheiro concentrou-se nas mãos de uma meia dúzia de grandes empresários da distribuição. Quem fala em mercearias, fala no resto. O resultado é sempre o mesmo: concentração do dinheiro nas mãos de pouco, crescimento da proletarização, necessidade do Estado fabricar classes médias. O monstro do Estado cresce porque há outros monstros, talvez bem mais poderosos, que aniquilam as classes médias civis. Ora, sem classes médias, sejam produzidas pelo Estado ou pela sociedade, a comunidade estará quase sempre à beira da guerra civil, ou da revolução, se preferirem a metáfora astronómica. O monstro de que falou o professor Cavaco foi inventado por ele quando, usando a metáfora do ciclismo, quis pôr Portugal no pelotão da frente. O que fez ele? Inventou o que não havia: classes médias amplas. Pagas por quem? Pelo Estado. Pobre Leviatã que paga tantas coisas.

28/07/09

Metamorfoses LX

Roger Sessions – Symphony No. 6

as leves flutuações da madeira
sobre a dureza trazida pela canícula
são mãos de seda que se atam
em torno do pescoço que transpira

o peito aquietou-se
perdeu o sinal de vida
não é pássaro
nem animal bravio
aquele que já não respira

perdeu o mundo
quem o mundo não teve
apenas um fardo de palha
e um rumor de bandeiras
se os olhos se erguiam para a vida

na flutuação da canícula
zumbem insectos pelo ar
pousam na pele que transpira
ou caem exaustos
sobre a boca que já não respira

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Com Metamorfoses LX conclui-se este ciclo de poesia. Agora, todo o conjunto vai entrar em trabalho oficinal para ver o que acontece. Se o blogue não vai de férias, vai a poesia no blogue. Voltará mais tarde.

Costa & Lopes

Vi na SIC uma parte apreciável do debate entre os candidatos principais à câmara de Lisboa. Uma coisa enfadonha e voltada para o ajuste de contas com o passado. Costa & Lopes parece ser uma sociedade por quotas, de responsabilidade claramente limitada, onde o senhor Costa tem o papel de sócio-gerente e o senhor Lopes trata de vender o produto da casa. Dois dos políticos mais políticos do país não parecem ser mais do que um amanuense de escritório e um vendedor de automóveis usados. Ideias sobre a cidade, novas concepções de vida, prospectiva do que vai ser o futuro e como a capital deverá integrar esse futuro, nada disso parece existir com consistência naquelas cabeças. E no entanto, Lisboa, de onde vim há pouco, está cheia de turistas. Vende-se bem no estrangeiro, independentemente de ser o senhor Costa ou senhor Lopes a tomar conta da gerência. Pena não haver, nos grandes partidos, gente bem preparada.

Alma Pátria - 9: Artur Garcia - Sombra de Ninguém

Artur Garcia - Sombra de Ninguém

Voltou a Alma Pátria, depois de uns dias de interregno. Voltou com um dos símbolos daquilo que se chamou nacional-cançonetismo. Esta é uma expressão equívoca. Por um lado, há uma clara alusão a uma certa colagem ao regime do dr. Salazar. Por outro, a expressão é irónica na conexão entre o nacionalismo e o cançonetismo. Os cantores, ou os cançonetistas, assim apelidados nunca se reconheceram enquanto tal. Artur Garcia é um dos que frequenta o Centro de Preparação de Artistas da Emissora Nacional e, na década de 60 é um dos grandes animadores de Festivas TV da canção. Tinha um enorme público tanto na canção romântica como no teatro de revista. Sombra de Ninguém é uma canção apresentada ao Festival TV da Canção, de 1969. Um exemplo entre muitos. Embora ache insuportável este tipo de música, reconheça-se a enorme distância que vai o chamado nacionl-cançonetismo para a música pimba que a democracia tornou dominante na cultura popular portuguesa.

25/07/09

A cobertura

O Público anuncia as candidaturas de Miguel Vale de Almeida e de Inês de Medeiros pelo Partido Socialista. São também conhecidos os esforços e, segundo o que foi dito na comunicação social, as ofertas do PS para tentar que Joana Amaral Dias aceitasse integrar as suas listas. A senhora, com a qual não simpatizo, resistiu bem a todas as tentações. Há em tudo isto algo de tenebroso. E as trevas não vêm do facto do Partido Socialista depois de quatro anos de políticas à direita, depois de Sócrates se andar a mostrar ao lado dos homens do dinheiro, com o se fosse um amigo de família, depois de violentas perseguições e humilhações a sectores sociais que o apoiaram, vir agora tentar apresentar uma imagem de esquerda. Não, as trevas não estão aí, pois todos conhecemos a falta de carácter do actual PS. Falta de carácter significa, neste caso, oportunismo político, falta de princípios. As trevas estão no facto de o PS pensar que as pessoas são estúpidas e que se deixam enganar com a cobertura de esquerda com que está a enfeitar o bolo. Se por maldade do destino e desprezo dos deuses, o PS obtivesse nova maioria absoluta, a cobertura de esquerda não resistiria à euforia da primeira noite. Àquela elite partidária e governativa, treinada nos golpes da jota e nas traições da vida académica, não se deve dar a mínima confiança. Seja qual for o próximo governo, os portugueses pouco de bom terão a esperar dele, mas a actual direcção do PS merece uma profunda humilhação, com ou sem cobertura de esquerda.

24/07/09

Alma Pátria - 8: Maria de Lurdes Resende - Alcobaça

Maria de Lourdes Resende - Alcobaça

Se há cantoras da rádio em Portugal, Maria de Lourdes Resende é uma delas. Começou a cantar no final dos anos 40 e em 1955 venceu, em Génova, um concurso com a canção Alcobaça, autoria do maestro Belo Marques e de Silva Tavares. O interessante desta história é a lentidão do tempo. Nasci em 1956 e tenho a memória clara, portanto uma memória já dos anos 60 e..., de ouvir passar com insistência, na rádio e na TV, esta canção. A mim parecia-me eterna, como tudo em Portugal da altura, ou talvez isso fosse apenas a percepção infantil do tempo, que o confunde com a eternidade. Não menos curioso é esta canção fazer parte de um enorme grupo de canções toponímicas. Os artistas nacionais, como se diria na altura, cantavam tudo o que fosse cidade de província. Desde a Figueira da Foz até Viana do Castelo, não faltavam letristas para cantar a glória provincina. E Portugal, onde só há província, parecia encantado. Fiquemos, hoje, por Alcobaça.

Jornal Torrejano, 24 de Julho de 2009


Já está on-line a edição semanal do Jornal Torrejano.

Insucessos

O já me enviou isto há dias, mas como tenho estado empenhado na nobilíssima tarefa de me auto-avaliar - uff, já concluí - não tinha ainda olhado para esta rábula dos "três tristes tigres". Por ali, não é só o inglês que tem um carácter técnico, também a pobre aritmética não parece lá muito consolidada. E a propensão para a verdade também não. Na confusão com os números, deixaram passar a ideia de que a bolsa a atribuir é igual a 3 abonos de família. Não é. É igual a dois, o outro já era um direito consagrado na lei. Pormenores. O que é grave é o discurso sobre o ensino profissional. Há menos insucesso e menos abandono. Claro que há. O grande problema é que muitos e muitos alunos só percebem isso depois de uma prolongada experiência negativa nos cursos secundários via ensino, para os quais não têm aptidão, nem interesse, nem vontade. Mas os governantes têm uma enorme responsabilidade nisto. Ao evitarem qualquer tipo de selecção, permitem que dezenas de milhares de alunos vão ao engano em cursos de línguas e humanidades (a maior parte deles odeia ler) e mesmo ciência e tecnologia. Alargar o ensino secundário profissional é uma boa política. O que não é boa política é continuar a permitir a alunos que não possuem qualquer aptidão para a via de ensino a matrícula nessa vertente do secundário. O insucesso escolar do secundário explica-se quase todo ele por isto. Para o combater nem era necessário tornar os exames provas para indigentes. Bastava um encaminhamento eficaz no final do 9.º ano, com selecção feita a partir de exames em todas as disciplinas essenciais do currículo do 3.º ciclo. Isto, contudo, não dá votos.

23/07/09

Alma Pátria - 7: Dr. José Afonso - Amor de Estudante


Dr. José Afonso - Amor de Estudante

Balada do Outono, tanto quanto julgo saber, é o primeiro disco gravado por José Afonso. Um EP de 1960. Neste momento inaugural, José Afonso ainda não representa qualquer corte com o meio musical português. O Fado de Coimbra era um dos esteios culturais de um certo nacionalismo que suportava a ditadura do professor Salazar, também ele um estudante e um lente de Coimbra. Existiam vários programas radiofónicos dedicados ao Fado e às guitarradas de Coimbra. Um desses programas era à hora de almoço. Lembro-me muito bem de vir na circulação (assim se chamava o autocarro, ou a carreira, que fazia, em Torres Novas, a ligação entre o Colégio Andrade Corvo e a garagem dos Claras ou o Grémio da Lavoura) e escutar no rádio o programa dedicado aos fados de Coimbra. Aqui fica um José Afonso ainda dr. e não revolucionário.

Estou a auto-avaliar-me

Ando afastado de tudo. Do blogue, da poesia, da Filosofia. Há dias que não faço outra coisa que não seja auto-avaliar-me enquanto professor do ensino secundário. Comecei por preencher uma ficha de auto-avaliação com 12 itens. A coisa a princípio parecia fácil. Mas mal fui ver as questões fiquei perplexo. A maioria dos itens dados, pelo Ministério da Educação, para eu me auto-avaliar começa por esta enigmática expressão: "Como avalia...". Eu dou exemplos: "1. Como avalia o cumprimento do serviço lectivo e dos seus objectivos individuais estabelecidos neste âmbito?"; "2. Como avalia o seu trabalho no âmbito da preparação e organização das actividades? Identifique sumariamente os recursos e instrumentos utilizados e respectivos objectivos."; "4. Como avalia a relação pedagógica que estabeleceu com os seus alunos e o conhecimento que tem de cada um deles?". Fiquemos por aqui para não maçar o leitor.

A minha perplexidade reside no facto de não saber o que responder. À questão 1, o que devo responder? Se eu responder que avalio sentado, não estarei a responder à pergunta que me está sendo feita? E à questão 4, se eu me puser a explicar o método que uso para avaliar a relação pedagógica que estabeleci com os alunos, não estarei a dar uma óptima resposta à pergunta que me foi feita? E a ficha de avaliação segue por aí abaixo sempre nesta ambiguidade.

Eu acho, mas isso sou eu a achar, que o Ministério da Educação queria fazer outras perguntas. Vejamos, talvez estas: "1. Que avaliação faz do cumprimento do serviço lectivo e dos seus objectivos individuais estabelecidos neste âmbito?"; "2. Que avaliação faz do seu trabalho no âmbito da preparação e organização das actividades? Identifique sumariamente os recursos e instrumentos utilizados e respectivos objectivos."; "4. Que avaliação faz da relação pedagógica que estabeleceu com os seus alunos e o conhecimento que tem de cada um deles?"

Não seria mais curial este tipo de questão? Não teria o ME a obrigação de estar atento a estes pormenores? Ou tudo isto é uma brincadeira de carnaval, e qualquer coisa serve?

Ultrapassado o dilema e tendo respondido àquilo que suspeito que o Ministério da Educação gostaria de perguntar, entrei na fase mais dolorosa. Agora estou a compilar as provas empíricas daquilo que eu afirmo. Meu Deus, o tempo que eu perco com isto. Só mentes tortuosas se poderiam lembrar de uma coisa destas. Imagino uma empresa em que os seus funcionários se tenham de auto-avaliar desta forma. Já teria fechado as portas. Mas deve ser isto que é moderno, e tudo o que é moderno é bom, mesmo que o modelo só sirva para o Chile e para os indigentes dos professores portugueses. Os professores que não se esqueçam de votar no eng.º Sócrates e na socióloga Rodrigues.

A saúde da América

A duríssima batalha travada em torno da reforma do sistema de saúde americano é um belo exemplo do que é a América. Construída a pulso por emigrantes, ali não há lugar para gente incapaz. Todos terão de ser vencedores. Os loosers do sistema que se danem. Poderão morrer sem assistência médica que ninguém verterá uma lágrima pelo seu destino. Esquecem-se, porém, que só pode haver vencedores no sítio onde também houver perdedores. Barack Obama poderá vir a ser vítima do seu espírito condescendente. Não serão muitos os que verão com bons olhos a construção de um sistema de saúde público. Contrariamente ao que se pensa, os EUA são o exemplo acabado de vitória do quarto estado, das massas proletárias. É daí que ascende a classe média e as próprias classes altas que, orgulhosas do seu triunfo, são implacáveis, tão implacáveis como a ditadura do proletariado sonhada pelos teóricos da revolução comunista. Um espírito aristocrático como Obama não está, nos EUA, no seu próprio terreno. Vai ter vida difícil.

22/07/09

Alma Pátria - 6: João Ferreira-Rosa - Fado dos Saltimbancos


João Ferreira-Rosa - Fado dos Saltimbancos

Este é um post quase falhado. Não sei qual a data do Fado dos Saltimbancos, nem encontrei a capa do disco onde originalmente ele é publicado. Fica, porém, uma imagem de um Portugal praticamente morto. Um Portugal monárquico, tradicionalista e amante de toiros. A Revolução do 25 de Abril e a entrada para a CEE liquidaram-no, mas as pessoas da minha geração ainda o conheceram. Ah, não se pense que eu não gosto de touradas. Gosto mesmo, embora não seja um aficionado. Não é impunemente que se nasce no Ribatejo, perto da Golegã e da Chamusca, de toda a linha do Tejo onde a tradição taurina era bem forte. Seja como for, esta é uma parte da alma pátria em transformação acelerada. Continua, porém, a haver saltimbancos, aqueles rapazes, moços forcados, que, gratuitamente, teimam em pegar um touro de caras.

Um parlamento vivo


Não há como as democracias asiáticas. Ali ainda não chegou o estado pantanoso. Os parlamentares acreditam de tal maneira nas suas posições que não hesitam a chegar a vias de facto. Então as deputadas mostram bem quão longe vai, na Coreia do Sul, a igualdade entre homem e mulher. Aqui cerca de um minuto de um parlamento vivo.

21/07/09

Metamorfoses LIX

Alban Berg – Piano Sonata Op. 1 (Glenn Gould)

assim edificarei um reino
virá iluminado pelas sombras
e no rio que o cruza
haverá um bote de madeira carcomida
nem remos nem velas
apenas velhas folhas ali deixadas
pelo vento outonal

não trago bússola entre mãos
nem sei olhar as estrelas
vejo bêbados parados no anoitecer
e pergunto-lhes o rumo a seguir
cospem para o chão
e gritam nas ruelas esquecidas
para ali os atirou a solidão

Alma Pátria - 5: Rui de Mascarenhas - Encontro às dez


Rui de Mascarenhas - Encontro às dez

Este artista está ligado à minha existência, e de uma forma traumática, diga-se. Lá para o início dos anos 60, lembro-me de ter um período em que não era capaz de ficar sozinho no quarto. Qualquer coisa me assustava e requeria a presença de um adulto perto de mim. A minha tese, desde essa altura, era a seguinte: o nome Rui de Mascarenhas, ouvido na rádio, sempre ligada lá por casa, fazia-me medo. Não me lembro como a crise passou. Mais tarde, descobri que esse período crítico foi contemporâneo da gravidez de minha mãe, que assim me iria fazer compartilhar o mundo, que durante quatro anos girara à minha volta, com um irmão. As leituras psicanalíticas esclareceram o assunto. Aqui fica uma notável cantigueta de 1961, Encontro às dez, da imbatível dupla Jerónimo Bragança e Nóbrega e Sousa. Note-se, na letra da canção, a utilização do você e do si. Notável. Nota final: o cantor nem sequer se chamava Rui de Mascarenhas, mas Rui Pinho Ferreira. Mascarenhas era apenas nome artístico

Espere sentado

O alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Eng.º António Guterres, disse: O que eu peço é que seja dada a mesma atenção aos problemas humanos que é dada aos problemas financeiros. Bem pode esperar sentado, senão vai ficar exausto. Os refugiados são uma espécie de não existência. Do ponto de vista da ontologia social, roçam o limiar do nada. E não são mesmo um nada porque incomodam umas quantas almas caritativas, como a do nosso Engenheiro, e servem para o conflito ideológico que as várias partes do jogo internacional entretêm entre si. O refugiado é aquele a quem foi negado pela violência o direito de cidadania. Sem direitos reconhecidos, sem poder e violência efectivos do seu lado, sem dinheiro, como poderão esses infortunados, que poderíamos ser nós, comover as elites políticas. Estas comovem-se, mas não com a desgraça alheia. Comovem-se com votos ou com a companhia seráfica dos homens do dinheiro. Por estas e por outros é que o Engenheiro Guterres se foi embora. A política não é um jogo de querubins.

20/07/09

Metamorfoses LVIII

Salvatore Sciarrino – Perduto in una città d'acque

um traço oblíquo sobre a mesa de plástico
as revistas onde o papel amareleceu
a consciência leve como uma fina película
sobre a qual se inclina o ardor do mundo

de que poderemos falar se o sol arrefece
e as árvores sem folhas onde corra o vento
o melhor será fechar as mágoas em casa
e deixar a rua entrar pelos olhos dentro

se ainda pressentes uma luz na minha face
esquece a candeia que aí fabricas
é apenas uma ferida de sisal por fechar

ou uma onda negra pelo deus instruída
se nela quiseres ainda mergulhar
sabe que é na água que esqueço a vida

Alma Pátria - 4: Quarteto 1111 - A Lenda d'El Rei D. Sebastião


Quarteto 1111 - A Lenda d'El Rei D. Sebastião

Segundo informações encontradas na Wikipedia, o EP A Lenda d'El Rei D. Sebastião, do Quarteto 1111, foi o primeiro disco português a ser tocado no célebre programa Em Órbita, do Rádio Clube Português. Era o nosso rock progressivo mesclado de música tradicional, para combinar com o sebastianismo do tema e a filosofia da saudade. Estávamos em 1967 e o fechamento do país ao mundo também passava por aqui. Mas não há ninguém, da minha geração e das que a bordejam, a jusante e a montante, que não tenha ouvido muitas e muitas vezes a canção do grupo de José Cid.

Raymond Aron - Intelectuais

Neste debate, Kautsky permanecia no campo do profetismo e acreditava (provavelmente bem) ser fiel ao ensino de Fr. Engels. O argumento maior contra os sindicalistas, contra os revisionistas, aquele que dá boa consciência aos socialistas cada vez que agem contra a vontade aparente do grande número, é Kautsky que o formula, antes que Lenine, no Que Fazer?, tenha dele feito o fundamento do bolchevismo: abandonados a eles mesmos, os operários não ultrapassam o trade-unionismo, aspiram à melhoria da sua condição, hic et nunc, não tomam consciência do seu dever relativamente à humanidade, a saber a destruição do capitalismo e a edificação do socialismo, da sociedade sem classes. Quem recordará aos operários o seu destino? Quem guarda a consciência da missão histórica do proletariado contra as tentações de aburguesamento? Os intelectuais. Doutrina de intelectuais, o marxismo seduz os intelectuais devido ao papel histórico que ele lhes confia e pelo qual ele os engrandece aos seus próprios olhos. Os intelectuais vão ao proletariado para o guiar, não para se instruir na sua escola. [Raymond Aron (1977), Plaidoyer pour l'Europe Décadente. Paris: Robert Laffont, pp. 51]

Perigosos esquerdistas - II

Este acumular de poderio e recursos… é consequência lógica da concorrência desenfreada, à qual só podem sobreviver os mais fortes, isto é, ordinariamente os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência (...) toda a economia se tornou horrendamente dura, cruel, atroz (Pio XI - 1931).

Perigosos esquerdistas - I

Deparamos com a realidade de que a contratação do trabalho e a comercialização de quase todos os produtos se encontram nas mãos de um pequeno número de ricos e opulentos que, desta forma, impõem a essa grande multidão de proletários um jugo que em nada difere do jugo dos escravos (Leão XIII - 1891).

19/07/09

Metamorfoses LVII

Anton Webern – Symphony Op. 21

nada sei da alegria da cidade
erguida na distância dos teus passos
brancos muros perdidos
no desconsolo com que respiras
o sabor ondulado do horizonte

peço-te a alegria de uma hora de luz
doem-me tanto as sombras
os olhos enevoados pelo entardecer
aquelas árvores que a tudo dissipam

o limiar daquilo que existe
disseste então enquanto esperavas
se o que vinha a ti era um deus
ou apenas o frívolo viajante
que no caminho pára e fala de amor

Alma Pátria - 3: Maria de Fátima Bravo - Vocês Sabem Lá

Maria de Fátima Bravo - Vocês Sabem Lá

Em 1958, o existencialismo penetrava no espírito da pátria. Não, não foi numa faculdade de filosofia, mas na canção popular. Jerónimo Bragança e Nóbrega e Sousa compõem, Maria de Fátima Bravo canta Vocês Sabem Lá. Claro que é um existencialismo fundado na saudade, mas esse é o toque nacional, um existencialismo mais bucólico. De resto, está lá tudo. Desde o Dasein heideggariano e o seu ser-para-a-morte, até ao absurdo de Camus, passando pela náusea de Sartre. Se Maria de Fátima Bravo fosse francesa talvez rivalizasse com a Juliette Greco na rive gauche... Aqui deve ter andado pelos festivais da canção.

Projectos, objectivos, avaliação

Este senhor, João Tiago Silveira (JTS), é o novo porta-voz do PS, para além de secretário de Estado de não sei de quê. Substituiu Vitalino Canas na função e hoje dá uma entrevista ao DN. Para além de confessar que é amigo pessoal de Manuela Ferreira Leite e da conversa de pau que seria de esperar de alguém no cargo, há na entrevista um momento que mostra a essência do espírito do tempo que nos cabe viver.

O entrevistador diz: Desculpe a frontalidade, mas quando se olha para si tem mais "pinta" de CDS-PP do que de socialista, se é que se pode dizê-lo.

Responde JTS: Eu não estou muito preocupado com aquilo que aparento, estou preocupado é com os projectos que temos de concretizar, os objectivos que definimos e a avaliação que as pessoas farão na melhoria das suas condições de vida.

A partir daqui já não vale a pena ler nem mais uma linha do que o senhor possa dizer. E esta é apenas a primeira pergunta. Eis a trilogia: projectos, objectivos, avaliação. Com estas palavras não se pensa já absolutamente nada. São puros conceitos vazios, vocábulos aprendidos mecanicamente nos livros de gestão e, como as frases do camarada Mao, repetidos insaciavelmente por tudo o que é sítio da esfera política e económica. O valor destas palavras é idêntico ao daqueles gestos que os jogadores de futebol fazem quando entram em campo (benzem-se e beijam o dedo, apanham um pouco de relva, etc.), nulo. São palavras mágicas, utilizadas ritualmente para mostrar que se pertence a uma congregação, fazem parte da superstição que governa a vida comunitária. Todos os que as utilizam não pensam nada com elas, repito. E onde não há pensamento, a acção definha, morre de pobreza, dá lugar a patologias sociais. Esta gente mata a política, a economia, a vida social. Não há paciência.

18/07/09

Metamorfoses LVI

Luc Ferrari – Harmonie du Diable

não há palavras que possam dizer a secura
que uma mágoa desenha num rosto
não há flores que cubram o entardecer
se o vento corre por cima dos túmulos

um viajante come pelas tabernas
– no sarro do balcão servem copos de vinho –
ali espera que a solidão chegue
para ir dormir onde a noite o acolha

sonha então as mágoas que são as suas
e olha as longínquos constelações
anunciam no esplendor do céu
a chaga que no peito rasga o inferno

Um devaneio tipográfico

Quem era este senhor? Tinha por nome Claude Garamond (1480-1561). O que faz aqui o seu retrato? Para dizer a verdade está no lugar de um outro, o de Jakob Sabon, que não consegui. Mas a que propósito vem isto? Para dizer a verdade, vem a propósito do romance de Vergílio Ferreira que acabei de ler, na nova edição das obras completas lançada pela Quetzal. Na última página do livro, a editora coloca a seguinte nota:

«Em Nome da Terra, romance de Vergílio Ferreira, livro da série Obra Completa de Vergílio Ferreira, publicado por Quetzal Editores, foi composto em caracteres Sabon, originalmente criados em 1967 pelo alemão Jan Tschichold (Leipzig, 1902-Locarno, 1974) em homenagem ao trabalho tipográfico de Jakob Sabon (1535-1580), e inspirados nos tipos desenhados por Claude Garamond (Paris, 1480-1561), e foi impresso por Printer Portuguesa em papel Besaya/80 g em Maio de 2009, numa tiragem de 1500 exemplares.»

O que é a espessura da História? É isto mesmo. Um romance escrito no século XX é lido no século XXI, num livro composto em caracteres criados no século XX, em honra de um tipógrafo que viveu na segunda metade do século XVI, que se inspirou no trabalho de outro tipógrafo que viveu umas dezenas de anos antes. Contrariamente ao que a leviandade que tomou conta do mundo pensa, tudo o que fazemos se perde na noite do mundo. A noite do mundo é a História na sua espessura infinita. Nesta pequena nota tipográfica da Quetzal Editores, há toda uma história da tipografia que se entretece com a história da cultura e com a própria História dos homens.

Alma Pátria - 2: Duo Ouro Negro - Maria Rita


Duo Ouro Negro - Maria Rita

A cançoneta data de 1969 e Portugal era, na altura, um império colonial, talvez não tanto império nem lá muito colonial. Por cá dizia-se que tínhamos províncias ultramarinas. O Duo Ouro Negro era o resultado disso. Angolanos de nascimento, Milo e Raul Indipwo abrilhantavam a cena musical da metrópole, como então também se dizia. Maria Rita e as festas do S. João, no Porto, mais um centelha da alma pátria, em tonalidade colonial.

Ainda a proibição do comunismo

No sequência da boutade jardinista - a anunciar que nos encontramos já em plena silly season, como se o ano todo, na nossa paróquia, não fosse uma enorme, infinita silly season - alguns comentadores aproveitaram para achar (há por cá muitos especialistas em achamento) muito bem que se proibisse os partidos comunistas e afins. Em Portugal, isso representaria tirar a cerca de 20% dos portugueses representação partidária, o que geraria, como muito bem viu Vasco Pulido Valente, uma ditadura talvez mais feroz do que a de Salazar. Como será difícil acusarem-me de simpatias pró-comunistas ou pró-bloquistas, gostaria de sublinhar algumas coisas que foram propositadamente esquecidas.

Em primeiro lugar, refira-se que o comunismo foi uma enorme tragédia nos países onde tomou conta do poder. O comportamento de muitos governos comunistas foi da maior abjecção e o desprezo pela liberdade foi completo e total. Isso passou-se em Portugal? Não. Os comunistas portugueses ou os esquerdistas que deram origem ao BE mataram, perseguiram, prenderam pessoas, ou eliminaram as liberdades políticas? Não, os comunistas e esquerdistas portugueses nunca o fizeram. Mesmo no período mais quente do PREC, o que vai de 11 de Março a 25 de Novembro e 1975 (8 meses), para além da retórica e do enfrentamento político em manifestações de rua, nunca as liberdades foram suspensas e nunca os comunistas e afins controlaram efectivamente o poder. Podemos dizer que todos suspeitavam que o PCP e a extrema-esquerda queriam impor ao país uma ditadura, a chamada ditadura do proletariado. Provavelmente. Mas a verdade é que o não o fizeram. A verdade é que apenas se pode suspeitar de uma intenção. Mas ninguém pode ser condenado por uma intenção, nem se pode julgar intenções quando a elas não correspondem actos. Muito menos se pode julgar os comunistas e esquerdistas portugueses por aquilo que fizeram os seus congéneres na Rússia, na Albânia ou no Cambodja.

Em segundo lugar, o PCP, fundamentalmente, e alguns grupos de extrema-esquerda tiveram um papel importante na resistência à ditadura de Oliveira Salazar, essa sim anuladora das liberdades públicas. E se, em Portugal, houve organização política que se bateu pela liberdade foi o PCP. Objectivamente e olhando a factos, e não a intenções ou suspeições, os comunistas portugueses foram os grandes, mas não os únicos, opositores da ditadura e os que se bateram efectivamente pela conquista das liberdades políticas. Por outro lado, durante o regime democrático o PCP e o BE têm tido um comportamento político exemplar. Respeitam as liberdades políticas, dão voz a um número significativo de portugueses, desenvolvem, mais o PCP, um trabalho autárquico de qualidade, sinalizam as injustiças sociais, evitam mesmo que certos sectores do país se radicalizem e optem por formas acção anti-parlamentares.

Em terceiro lugar, cabe perguntar, então, por que existe ainda sectores de opinião que julgam dever proibir as organizações comunistas. A resposta não parece muito complexa. Há quem não perdoe o papel dos comunistas e da extrema-esquerda na oposição à ditadura de Salazar. Certos sectores da direita vivem ressabiados com esse papel. Mais, esses sectores nada têm no seu currículo que lhes dê pedigree democrático e liberal. Muitos filhos famílias, hoje convertidos ao liberalismo e à democracia, não encontram na sua história uma herança de homens livres. São filhos dos que apoiaram ou exerceram o poder na ditadura. Tão habituados estão ao pedigree social que não perdoam que outros tenham aquilo que eles não têm.

Há ainda um outro motivo, mais denso. A força insólita, num país europeu, das organizações com referências ao comunismo deve-se a uma sociedade profundamente injusta. O peso do PCP e do BE são sinal de uma sociedade onde um grupo relativamente restrito se apropriou do bem comum e onde a distribuição dos rendimentos é feita sempre contra os mais fracos. Seria óptimo, para a produção de boa consciência moral e da boa imagem social de certos sectores, que não tivessem de se confrontar - mesmo que isso pouco afecte a sua atitude - com a denúncia da injustiça, denúncia essa que traz sempre à consciência, por muito que ela ideologicamente se proteja, a sensação de rapina que os fortes exercem sobre os fracos.

Questão final: mas se a constituição proibe organizações fascistas, não deveria proibir organizações comunistas? Não. Portugal viveu sob uma ditadura para-fascista. Portugal nunca viveu numa ditadura comunista. É bom que não esqueçamos a evidência.

17/07/09

Alma Pátria - 1: Tony de Matos - Só nós dois é que sabemos


Tony de Matos - Só nós dois é que sabemos

Estamos em época estival. Aqui começa uma rubrica sobre a alma pátria, quero dizer da minha pátria, daquela onde cresci. Quando passar o calor, talvez eu esteja melhor. Por agora, recomendo apenas uma visão atenta do vídeo. Uma lição sobre sociologia pátria. Mais uma coisa: o Tony de Matos era artista a sério, apesar de eu, na altura, achar tudo aquilo execrável, ou não achar mesmo nada. A canção foi editada num EP, em 1962, ano em que entrei para a escola primária.

Uma pandemia

Devida a umas leituras irregulares que estou a fazer, deparei-me com os nomes de Sabbataï Zevi (1626-1676) e de Jackob Franck (1726-1791). O que têm estes homens em comum? Três coisas essenciais. São ambos judeus, ambos se declararam Messias, e ambos apostataram. O primeiro converteu-se ao Islão. O segundo, ao Cristianismo. A ideia de um Messias apóstata seduziu-me de imediato. Aliás, o próprio Cristianismo está fundado, para o judaísmo, num Messias apóstata, Jesus Cristo. Poder-se-ia meditar, à maneira de Jorge Luís Borges, sobre a estranha conexão entre a ideia de Salvador e a ideia de apóstata e concluir pela proposição lógica que toda a Salvação radica numa apostasia. Mas deixemos os devaneios da imaginação. O que descobri, já que nunca me tinha interessado muito pelo assunto, foi uma quantidade enorme de Messias (ver na Wikipedia a lista). E há Messias judaicos, mas também cristãos, muçulmanos e de combinação vária. E é aqui que descubro um Messias cristão com uma curiosa doutrina; melhor, com uma curiosa prática. Jesu Oyingbo declarou-se Messias em Lagos, na Nigéria. Até aqui tudo bem. Fundou a "New Jerusalem" em Maryland, Lagos. Segundo se lê na Wikipedia, era um homem muito dado a limpezas espirituais. Consta que manteve relações sexuais com todas as mulheres da sua comunidade (camp), incluindo as suas filhas. Razão? Nada que Freud possa explicar, apenas o desejo de limpeza espiritual. Mas para que o nosso espírito patriótico não fique desiludido também tivemos o nosso Messias. Bem, nosso não será, mas descendente de Marranos. Abraham Miguel Cardozo (1630-1706) nasceu em Espanha, mas descendente de judeus portugueses de Celorico. A sua história e o seu trânsito de mero profeta a Messias pode ser lida aqui. Tem muito de portuguesa. Esta coisa de alguém se declarar o Salvador e de as pessoas esperarem também o Salvador é estranha. Poderíamos pensar que fosse apenas uma mera patologia psico-social, mas a insistência com que aparecem os Messias somos levados a pensar estar perante uma pandemia.

A guerra dos contentores

É por estas e por outras semelhantes, umas mais pequenas e locais, outras maiores e nacionais, que o regime se está a corromper a cada dia que passa. O Tribunal de Contas arrasou 0 contrato de exploração do terminal de contentores de Alcântara, em Lisboa. O contrato foi feito entre o governo e uma empresa do grupo a que pertence Jorge Coelho, a Mota Engil. Não houve concurso público e os juízes do Tribunal de Contas consideram-no ruinoso para o Estado, isto é, para os contribuintes e a comunidade nacional. E dizem mais: só serviu os interesses do promotor. Chegou a altura do Partido Socialista ir a águas, nem que seja para o Cartaxo. Depois, deverá correr com a actual elite dirigente e, esperar talvez sem grande fé, que surja gente mais capaz e com outra visão do Estado. Se continuar assim, o Partido Socialista arrisca-se a ser conhecido, no futuro, não como o partido da liberdade, mas como o da ruína do Estado

Tao Te King - III


Não exaltes os homens de mérito
para que o povo não dispute.
Não valorizes os tesouros procurados
para que o povo os não cobice.
Não exibas o que provoca a inveja
para que a sua alma não seja atormentada.

O governo do santo
consiste em esvaziar o espírito do povo,
em encher a sua barriga,
em enfraquecer a sua ambição,
em fortificar os seus ossos.

O santo age por forma que o povo
não tenha nem saber nem desejo
e que a casta dos inteligentes não ouse agir.
Pratica o não agir,
tudo permanecerá em ordem.

Colher tempestades

Eis o admirável mundo novo que estamos a construir. Trabalhadores franceses ameaçam fazer explodir fábrica. Dir-se-á que é o resultado da crise económica, da recessão e do encurtamento do mercado. É verdade. Mas esta verdade é sempre uma verdade limitada. Há o desespero do momento, mas há o desconsolo acumulado de uma vida. Os trabalhadores europeus foram educados como pertencendo não a um proletariado desenraizado, mas a uma classe média emergente. A globalização remeteu-os para onde estavam os seus pais ou mesmo os seus avós. Ao mesmo tempo, aqueles que os remetiam para essa situação prosperavam. Perante um novo desenraizamento retornam as respostas explosivas. Quem semeia ventos colhe tempestades. Não acreditam, mas elas chegarão.

Jornal Torrejano, 17 de Julho de 2009

Já está disponível on-line a edição semanal do Jornal Torrejano. É só clicar aqui e vai até .

16/07/09

Metamorfoses LV

Hans Werner Henze – Symphony No. 10

por vezes os rios tinham uma história
escutávamo-la se o coração se calava
e a tarde caía lentamente
por detrás da cinza daqueles montes

tão estranhas elas eram
águas que corriam
barcos que retornavam do passado
a vida na rochosa oclusão das margens

sonhavam os barqueiros longas travessias
ao sol quebrado pelas árvores matinais
e um rumor louco ventava desmesurado
ou um passageiro caía nas águas mais frias

são agora uma longa enfermidade os rios
sem flores a secar pelas margens
sem nuvens espelhadas no ondular
com que caminhavam exactos para o mar.


O adversário de Jardim

Enquanto o homem se mantiver na Madeira, nós, os continentais ou cubanos, ainda nos podemos rir e galhofar com a personagem. Agora, em revisitação a um dos seus topos antigos, vem propor que a proibição do comunismo passe a vigorar na constituição. Ninguém leva isto a sério. Ninguém, não. O PSD e Manuela Ferreira Leite devem levar isto muito a sério. Se o PSD quiser ganhar as eleições legislativas precisa dos votos do centro e do centro-esquerda. Nestas áreas, não há ninguém que sustente tal coisa. Pelo contrário, muita gente dessa área, perante tal ameaça, preferirá dar o seu voto aos socialistas. O que significa tudo isto? Talvez que Alberto João Jardim não esteja nada interessado que Manuela Ferreira Leite ganhe. Complexo? Não, muito simples. Ganhem os socialistas ou o PSD as próximas eleições legislativas, há uma coisa que se mantém inalterável: a falta de dinheiro. É muito mais fácil, para Alberto João Jardim, fazer chantagem política com um governo adverso do que com um governo da mesma cor. O dr. Jardim anda nisto há muito tempo e sabe o que é essencial. Sabe perfeitamente que o comunismo não representa qualquer ameaça e sabe que falar em perseguição e proibição afasta eleitores do PSD. Portanto, a conclusão é muito simples.

15/07/09

Paolo Pavan - Inside

  

Cuba e Obama

Começou o degelo. Obama suspendeu por seis meses a lei de sanções a Cuba. Para o regime cubano esta boa vontade americana é muito mais perigosa do que o boicote e as duras sanções. Ao eliminar as razões de vitimização das elites políticas cubanas, Obama dá um passo decisivo para que a democracia ocidental se torne mais e mais apetecível a um povo com baixíssimo nível de vida e nula liberdade política. O povo cubano precisa de comer, os americanos precisam de pôr fim a muitos conflitos inúteis, os próprios dirigentes comunistas precisam de ter um futuro político para além da sombra de Fidel Castro. Tudo parece conjugar-se para um final feliz, embora lento. Com Bush filho os americanos tiveram 8 anos de exercício da força e de ausência de inteligência. Com Obama regressou a inteligência. Veremos o que o mundo e, neste caso, Cuba apreciam mais.

14/07/09

Intromissões inaceitáveis

Comecei por ler isto no Ponteiros Parados. Curioso, segui para aqui. Mas, embora hipertenso, não estava particularmente interessado em campanhas profilácticas, tais como a que está por detrás deste belo slogan "an orgasm a day keeps the doctor away" e que talvez visem assegurar o bem estar cardíaco das futuras gerações. Lastimo muito a sorte das mulheres frígidas e dos homens impotentes e já estou farto de polémicas sobre a educação sexual na escola. Por isso segui para aqui, onde leio isto: "PARENTS should avoid trying to convince their teenage children of the difference between right and wrong when talking to them about sex, a new government leaflet is to advise. " O que me choca não é tanto a ideia de que no processo de transmissão de valores morais, dentro da família, o sexo seja excluído. O que é mesmo chocante é a intervenção do governo. Depois, toda esta ideologia está assente num equívoco: que pode haver sexualidade humana sem valores morais. Nós, seres humanos, não somos nem puros animais que estejam aquém da moralidade, nem deuses que estejam para além dessa mesma moralidade. Há ainda uma outra coisa: se não são os pais a transmitir, relativamente à sexualidade, os seus valores de bem e de mal, onde as crianças e os jovens os vão buscar? No panfleto governamental, parece surgir a ideia de uma auto-descoberta, como se fosse possível o uso da razão sem uma educação da razão. Na verdade, o que é absolutamente imoral é um governo ocidental intrometer-se na educação moral dada pelas famílias e, ainda por cima, em nome do bom selvagenzinho do Rousseau. É pena que o Labour em vez de se preocupar com os problemas políticos, económicos e sociais de grande parte da população, se preocupe com a opinião que se possa transmitir sobre os negócios da cama. Claro, esta inaceitável intromissão na vida das pessoas é feita, como sempre, em nome da saúde. A saúde está para o ocidente como Alá para o mundo islâmico.