31/12/07

Libiamo e que Diónisos venha

Libiamo! Façamos as nossas libações ao ano que entra. Oiça-se cada uma das interpretações do Libiamo Ne' Lieti Calici e beba-se. Antes que chegue o rígido comando de Apolo deixemos que Diónisos tome conta de corpos e almas. Um bom ano para todos.

Joan Sutherland Luciano Pavarotti Brindisi Verdi La Traviata

Carlo Bergonzi & Joan Sutherland - Libiamo Ne' Lieti Calici

J. K., in a funny "Libiamo", France 1933

Anna Netrebko & Rolando Villazón - La Traviata - Libiamo, ne' lieti calici...

Domingo, Carreras & Pavarotti - Libiamo Ne' Lieti Calici

Mario Lanza & Elaine Malbin - "Libiamo Ne' Lieti Calici"

Acaba o ano com um dia de sol e luz. Lá fora, suspeita-se o frio seco e a urgência com que os homens se entregam a conclusão dos negócios pendentes do ano velho. Bom dia.

Plátanos VIII

24/12/07

Em viagem





O Holy Night - Placido Domingo

Pronto, é do espírito da quadra. Não tarda muito e estou a ver a Música no Coração.

Paul Gauguin - Nativity (Bè Bè)

Siglos XIX y XX. Simbolismo, 1896. Óleo sobre lienzo. Museo del Hermitage. San Petersburgo. Rusia.

Tudo se ilumina

Tudo se ilumina como se se estivesse a preparar o Natal. Andam atarefados os homens, as últimas compras, as boas-festas a dar, um sorriso de esperança a enganar os corações. Se ao menos a neve viesse... Bom dia.

Plátanos VII

23/12/07

Ruy Belo - O Valor do Vento

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

[Ruy Belo. "País Possível", in Todos os Poemas. Assírio & Alvim]

Francisco Antolínez - La Natividad

Siglos XVI y XVII. Barroco. Lienzo. 45 x 73 cm. Museo del Prado. Madrid. España.

O BCP e os sinais do tempo

Consta que o futuro homem forte do BCP será Carlos Santos Ferreira, actual número um da Caixa Geral de Depósitos. O maior banco privado português, depois das tropelias que se conhecem, rende-se a um homem da banca pública. Mais interessante é o “banco” da Opus Dei recorrer a um homem vindo das bandas do socialismo. Quem diria? Consta também que Armando Vara poderá ser um reforço para a nova direcção do BCP. Sinais dos tempos. Não é por acaso que Vasco Pulido Valente desesperava hoje no Público com o seu banco. Mas alguém acredita na sanidade mental da iniciativa privada portuguesa? Melhores que o público? Há quem acredite no Pai natal e há quem queira que os outros acreditem no Pai Natal.

Os homens já andam

Os homens já andam levantados por este domingo de natal. Nos céus, não há anjos nem estrelas, apenas nuvens e raios de luz inquietos e frios. Bom dia.

Plátanos VI

22/12/07

Ruy Belo - Inverno e Verão

Tu trazes até mim a tua longa mão
estende-la como uma ponte entre nós dois inverno e verão
garantes que ela tem por trás o coração
e no entanto só te chamo irmão
Cada um de nós é como antes uma solidão
e nada significa a nossa saudação

[Ruy Belo. "Inverno", in Todos os Poemas. Assírio & Alvim]

Adam Elsheimer - Holy Family with Angels

Siglo XVI. Renacimiento/Manierismo, 1598-1600. Cooper. 37.5 x 24.3 cm. Gemäldegalerie. Berlín. Alemania.

Anuncia-se um Natal

Anuncia-se um Natal frio e ensolarado e foi assim que o dia chegou. Na luminosidade do céu, nos raios de sol que chegam, sente-se o frio da noite que há muito se foi. Bom dia.

Plátanos V

21/12/07

Ruy Belo - In Memoriam

Todos os anos são anos de morte
Os anos morrem por partes dia a dia
O poeta pode ser fraco pode ser forte
por vezes vai dar uma volta e demora
A treze do mês de outubro foram-se embora
manuel bandeira e cristovam pavia
Todas as mortes nos matam um pouco
seja a de um santo seja a de um louco
Na irmã morte viva a poesia:
Viva bandeira viva pavia

[Ruy Belo. "Outono", in Todos os Poemas. Assírio & Alvim]

Pavarotti - O Holy Night

Juan de Borgoña - Sueño de San José

Siglos XV y XVI. Renacimiento. Oleo sobre tabla. 82 x 68 cm. Un ángel dice a San José que huya a Egipto.

Jornal Torrejano, 21 de Dezembro de 2007

Chegou uma nova edição on-line do Jornal Torrejano. Na primeira página, destaque para a crise directiva no Desportivo de Torres Novas. Consta que não surgiram listas candidatas e que o actual presidente não quer voltar a candidatar-se. Destaque ainda para a inauguração do Centro de Ciência Viva de Alcanena.
A opinião abre, como é habitual, com o cartoon de Hélder Dias. Segue-se o artigo de José Ricardo Costa, Crónica de Natal. Santana-Maia Leonardo escreve O Pai (no) Natal, Carlos Henriques, Só Rui Costa é pouco e este blogger, O regedor provinciano.
Para a semana, em princípio, haverá por aqui mais notícias do Jornal Torrejano. Um bom Natal.

Raios de sol

Raios de sol insistem em trespassar a barreira das nuvens e tirar a cidade da cinza sombria que a cobre. Assim, o espesso manto que oculta o céu toma, a cada instante, novas e novas colorações. Bom dia.

Plátanos IV

20/12/07

Veio a manhã

Veio a manhã e com ela a fúria do deus. Eolo sopra iracundo e tudo, na terra, treme. As nuvens, com tal indisposição, dissipam-se e a água não passa de uma promessa que os astros não parecem querer cumprir. Bom dia.

Plátanos III

19/12/07

Ruy Belo - Laboratório I

Não era aquela cara a quem a morte
deu de beber do cântaro mais cheio
de sóis e anéis azuis? Quem de tal sorte
quebrou tão puramente pelo meio-

dia das correrias do recreio?
Ou de lua que lívida a transporte
alguma vez algum olhar veio
que tamanha crianças assim suporte?

Envólucro quebrado contra a aresta
do antigo cipreste, ó fantástica festa
de quem consigo mesmo pela frente

se encontra e reencontra finalmente
E hora entreaberta como esta
em que país do sul Deus nos consente?

[Ruy Belo. "Vita Beata", in Todos os Poemas. Assírio & Alvim]

Richard Strauss - Die Frau ohne Schatten

´

Nun will ich jubeln. Direcção G. Solti

Hans Baldung Grien - Natividade

Siglos XV y XVI. Renacimiento, 1520. Tabla. 105,5 x 70,4 cm. Alte Pinakothek. Munich. Alemania.

Vento na noite

Vento na noite a agitar as parcas folhas que ainda se agarram às árvores. Tudo treme sob o assobio ventoso, os ramos, as casas, os homens que se levantam para que a manhã comece. Uma luz raquítica e já desmaiada nascerá em breve. Bom dia.

Plátanos II

18/12/07

Ruy Belo - Quirógrafo

É tão depressa dia e nada nos redime
Alguém não despertou ficou na noite
Vieram de manhã uns homens que varreram
a restante alegria destas ruas
A criança na roda entoará:
estão hoje fundos os pássaros
estão hoje fundos os pássaros
quem no-los tirará de lá?
Tão vasta como o mar a nossa dor
alguém nos poupará de nela naufragar?

[Ruy Belo. "Relação", in Todos os Poemas. Assírio & Alvim]

Os caminhos sul-africanos

É possível que a experiência sul-africana esteja a preparar-se para um ruidoso colapso. A eleição de Jacob Zuma para a presidência do ANC e a consequente derrota de Thabo Mbeki podem indiciar um tempo de perturbação. O curioso é que a derrota do actual presidente da África do Sul ocorre num período de florescimento económico, devido à aplicação de políticas neo-liberais. Mas se, por um lado, começa a emergir uma classe média negra, a verdade, por outro, é que 40% da população vive com menos de 1 dólar por dia, estimando-se a taxa de desemprego em 40%. O liberalismo, mais uma vez, revela pouca capacidade para fomentar sociedades equilibradas. Esperemos que não surja um novo Zimbabué.

Vittore Carpaccio - Holy Family with Two Donors

Siglos XV y XVI. Renacimiento, 1505. Tempera on canvas. 90 x 136 cm. Gulbenkian Foundation, Lisbon.

Um céu coberto de nuvens

Um céu coberto de nuvens e uma luz difusa anunciam a chegada de mais um dia. As ruas começam a receber os seus visitantes, cavaleiros andantes em demanda de monstros ou de moinhos. Bom dia.

Plátanos I

17/12/07

Ruy Belo - Acontecimento

Aí estás tu à esquina das palavras de sempre
amor inventado numa indústria de lábios
que mordem o tempo sempre cá
E o coração acontece-nos
como uma dádiva de folhas nupciais
nos nossos ombros de outono
Caiam agora pálpebras que cerrem
o sacrifício que em nossos gestos há
de sermos diários por fora
Caiam agora que o amor chegou

[Ruy Belo. "Dedicatória", in Todos os Poemas. Assírio & Alvim]

O processo UGT e tempo da justiça

O que é arrepiante no processo UGT/FSE não é a inexistência de condenações, pois os julgamentos fazem-se para isso mesmo, para demonstrar a culpabilidade ou a inocência das pessoas, embora isso seja muitas vezes esquecido. Arrepiante é o processo ter demorado 15 anos e dizer respeito a factos ocorridos em 1988/89, isto é, com quase 20 anos. O tempo da justiça portuguesa e o tempo biológico dos homens têm um conflito insanável.

Leonardo da Vinci - Virgem com o Menino e Santa Ana


Sol invernoso

Sol invernoso sobre os telhados, luz esbranquiçada e fria, carros a passar lentos pelas ruas. Assim, neste ânimo tão frágil, começa a semana. O que trará ela? Bom dia.

In principio erat... XV

16/12/07

Ruy Belo - Para a dedicação de um homem

Terrível é o homem em que o senhor
desmaiou o olhar furtivo das searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra desse homem
não há outra que o diga a ele próprio
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia.

[Ruy Belo, "Apresentação", in Todos os Poemas, Assírio & Alvim]

De "A Cidade Flutuante" a Ruy Belo

Terminou ontem a publicação do ciclo A Cidade Flutuante. Iniciamos hoje uma pequena visita à poesia de Ruy Belo. Nas próximas duas semanas ficaremos com um dos grandes poetas portugueses do séculoXX (1933-1978).

O Estado-Nação e a história

A época histórica em que vivemos parece anunciar o fim do Estado-Nação. A pressão da globalização e dos grandes grupos empresariais, bem como as reivindicações localistas têm desgastado a instituição política mais sólida da modernidade. No entanto, se este movimento encontra expressão, por exemplo, no rumo que se está a perfilar na União Europeia, também é verdade que há um contra-movimento. Em Espanha, no Kosovo, no Curdistão e, talvez de forma mais acentuada, na Bélgica, onde valões e flamengos não conseguem entender-se há meses para formar um simples governo. A história é uma mulher enigmática. Quem lhe vê o rosto não sabe em que direcção bate o coração.

Arild Andersen - Hyperborian

Leonardo da Vinci - Virgem com o Menino, Santa Ana e S. João Baptista

Siglos XV y XVI. Renacimiento, 1505. Tiza. 139 x 101 cm. The National Gallery. Londres. Inglaterra.

Hans Jonas e a necessidade de uma nova ética

O Prometeu definitivamente desagrilhoado, a quem a ciência confere forças até aqui desconhecidas e a economia o impulso desenfreado, reclama uma ética que, através de entraves livremente consentidos, impeça que o poder do homem se torne, para ele, uma maldição. A tese liminar deste livro é a seguinte: a promessa da técnica moderna transformou-se numa ameaça; melhor, esta está indissoluvelmente ligada àquela. Ultrapassa a constatação de uma ameaça física. A submissão da natureza destinada à felicidade humana trouxe, pela desmesura do seu sucesso, que agora se estende tanto à natureza como ao homem, o maior desafio que o fazer do homem já colocou ao ser humano. Tudo neste desafio é inédito, sem comparação possível com aquilo que o precedeu, tanto do ponto de vista da modalidade como do ponto de vista da ordem de grandeza: aquilo que o homem pode, hoje em dia, fazer e aquilo que, no seguimento, será coagido a continuar a fazer, no exercício irresistível deste poder, não tem equivalente na experiência passada. Toda a sabedoria herdade, relativa ao comportamento justo, estava talhada em vista dessa experiência. Nenhuma norma tradicional nos instrui então sobre as normas do «bem» e do «mal às quais devem ser submetidas as modalidades inteiramente novas do poder e das suas criações possíveis. A terra nova da prática colectiva, na qual entrámos com a tecnologia de ponta, é ainda uma terra virgem da teoria ética. [Do Prefácio. Tradução do francês.]

Há uma brancura difusa

Há uma brancura difusa suspensa sobre a cidade. Ao longe, a névoa é como uma nuvem de fumo a envolver as terras e tudo se torna translúcido e hesitante. Nesta indecisão, as horas passam a galope no relógio onde as contamos. Bom dia.

In principio erat... XIV

15/12/07

A Cidade Flutuante - 40. Desfiava as contas pelos dedos

Desfiava as contas pelos dedos
e via a cidade, colecção
de naturezas mortas,
o trabalho de um construtor
de herbários
a juntar pétalas e fetos,
um caule apodrecido
no suor,
dos dedos se desprendia.

Não eram borboletas
nem aves de rapina,
o que no céu então subia.
No alto, nas nuvens opacas,
quase translúcida, vogava
a serra, plácido barco
num mar encapelado,
a cortar ventos,
a esconder segredos,
pequenos desígnios
a arder no cálice do horizonte.

Coração impenitente,
onde te escondes que não te sinto?
Constróis cidades de ervas e flores
e pedras vindas do alto
dessa serra onde fomos,
na verdura dos anos,
olhar de soslaio
e descobrir entre matos
o rosmaninho bravio
da cidade a conquistar.

Coração errante,
Para que queres tu habitar
a morada que te dou?
Já não te chegam os herbários,
nem a natureza morta,
nem as aves de rapina
a fingir borboletas.

Não te chega os anos
que vieram,
o enfraquecer do pulso,
a combustão que diminui,
a água que se solta do poço
e pelas ruas ébria
se vai.

Não te chega a pele que tocaste,
o arfar silencioso
com que os corpos
se davam à tarde,
ceifados de cansaço,
a tremer como se de Deus
então fugissem.

Ó sombra,
velho verdugo,
caíste sobre
as lajes onde caminhei,
de coração
incendiado,
errante,
impenitente,
a desfiar contas,
a coleccionar naturezas mortas,
abismos de pedra
em ruas de cal.

Sombra,
que te desfias em trevas,
onde perdeste
o gosto pela luz?
Se uma rede
ainda houvesse,
deitar-me-ia nela
e aconchegado
pelo vento da avenida
esperaria a noite
até os olhos,
de tão abertos,
se esquecerem da vida
e no abrigo
das pálpebras
desenharem
o herbário húmido
onde a morte se tece.

[JCM. A Cidade Flutuante. 1993/2007]

Alban Berg - Wozzeck

Rafael - Sagrada Família


Siglos XV y XVI. Renacimiento, 1518. Óleo sobre tabla. 207 x 140 cm. Louvre. Paris. France.

José Manuel Fernandes e os directores de escola

O editorial de hoje do Público, escrito por José Manuel Fernandes, tinha por título “Directores de escola: um pequeno passo em frente”. Faço o registo de interesses: também, há algum tempo, que sou favorável ao fim da eleições das direcções das escolas, achando assim oportuna a introdução de um director. Dito isto, vamos ao que está em questão.

José Manuel Fernandes, depois de evidenciar os pontos de contacto eventualmente existentes no bloco central sobre o problema, toma em mãos a retórica da ruptura. É necessário romper, escreve, com a actual forma de contratar os professores. Que os directores “possam contratar os professores com quem trabalham, em vez de receberem os professores que um computador central lhes envia”.

A segunda ruptura passaria pela transformação das provas de aferição do 4.º e 6.º anos em exames a contar para a classificação dos alunos.

Vejamos como ideias aparentemente interessantes se mostram deslocadas ou insuficientes.

Será a introdução de um director escolar um passo à frente? Se o director escolar fosse um professor com pelo menos 30 anos de idade, seis anos de serviço docente e um curso rigoroso de direcção escolar. Curso esse a ser feito, por exemplo, no Instituto Nacional de Administração e virado para a problemática da direcção dos estabelecimentos de ensino, a ideia seria belíssima e estaríamos a começar a trabalhar seriamente. Esses novos directores deveriam poder concorrer às escolas através de concurso público (parece que é inconstitucional), deveriam ter uma carreira própria e deveriam ser avaliados pela forma como dirigiam a sua escola. Aquilo que se perfila não é nada disto. Não se conhece a qualificação exigível, mas é de supor que será idêntica à actual. O que será um mau sinal. Depois, o recrutamento será feito por um conselho geral da escola. Ainda não se conhecendo pormenores sabe-se já que o conselho será composto por representantes dos docentes, dos encarregados de educação, dos alunos do secundário, das autarquias e das actividades locais. É aqui que começa o problema todo. As autarquias vão ter uma palavra a dizer na escolha dos dirigentes escolares. Se vivêssemos no centro da Europa, eu aplaudiria. Em Portugal, vai ser o primeiro passo para partidarizar as direcções escolares. Só quem não quer ver é que achará que estou a exagerar. É evidente que o melhor director não vai ser o que tem melhor preparação para o cargo, mas aquele que der mais confiança política aos partidos dominantes, por norma mancomunados com os interesses locais, pomposamente designados por actividades locais. Não estranho que o governo vá entregar as escolas e a vida dos professores nas mãos das autarquias. Se lhes tira dinheiro, é preciso que as compense e, na generalidade dos concelhos, ter as escolas na mão é um bom trunfo político-partidário. O que não percebo é a desatenção de José Manuel Fernandes.

Imagine-se, agora, que o director, escolhido pelo método proposto, vai poder contratar os professores. Já toda a gente sabe que haverá «excelentes» professores, talvez até pagos acima da média, que serão contratados porque apresentam a competência fundamental de serem amigos do director, ou do presidente da câmara, ou de um vereador, ou de alguém influente nesse estranho mundo das actividades. Quem é que não sabe disto? José Manuel Fernandes vive onde? Na Finlândia? Em Marte?

Estou de acordo com o director do Público quanto à transformação das provas de aferição do 4.º e 6.º anos em exames. Mas não chega. É preciso alargar o leque de exames a todas as disciplinas, mesmo no primeiro ciclo os alunos deveriam ser examinados na área do Estudo do Meio (combina História, Geografia, Ciências da Natureza e Ciências Físico-Químicas). Esse alargamento deveria acontecer também no 9.º e 12.º anos. Em todas as disciplinas os alunos deveriam prestar provas públicas.

Mas isto teria um inconveniente político: as reprovações multiplicar-se-iam e obrigariam a que se perguntasse porquê. Então cairia toda a verborreia dos especialistas e ministros da educação.

Não basta haver exames. É necessário um currículo nacional com sentido, o actual é de uma pessoa rir e chorar ao mesmo tempo. Mas um bom currículo também não basta. Haveria que atacar os dois principais problemas que existem nas escolas: 1.º) uma cultura dos alunos, fomentada fora da escola, completamente adversa ao estudo e ao trabalho sério; 2.º) uma cultura dos professores, fomentada pelo ministério e pela incúria, desligada do saber e da universidade e baseada na burocracia e no eduquês.

Ora quem quer mexer nestes dois pontos? Quem quer, por exemplo, dizer que os professores do 1.º ciclo devem fazer formação ligada às universidades de Letras e de Ciências e não às ESE’s? Quem diz aos pais que os meninos têm de trabalhar em casa sem telemóvel, jogos e televisão? Quem diz que o principal dever de um professor é dominar aquilo que ensina e não ser especialista em «estratégias» e outras idiotices que colonizam o discurso escolar?

Alterar o triste rumo da educação portuguesa nem seria muito difícil, desde que se estivesse disposto a enfrentar estes dois problemas. Um director escolar, sem isto, não é passo nenhum para sítio algum. É mais uma medida cuja finalidade vai ser criar mais e mais confusão.

Sábado de branca luz

Sábado de branca luz a anunciar a natividade do Cristo, a cair sobre as folhas que restam nas árvores, a prometer pétalas nos caminhos que os mortais pisarão. Bom dia.

In principio erat... XIII

14/12/07

A Cidade Flutuante - 39. Se balbuciasses as palavras

Se balbuciasses as palavras
que nas tardes quentes
te ensinei,
o Verão sempre as trazia,
se as soletrasses
naquelas horas
onde o dia para a morte resvala,
se as soubesses
no sítio a que chamas
o meu coração,
haveria um rumor
de plantas a caminhar,
a deixar pegadas sobre a água,
e uma luz de cristal
na manhã que vai.

Vejo as bocas emudecidas
nos gritos que delas saem
e o olhar vítreo
é um espinho,
na alma o enterras,
um cavalo abandonado
à porta de quem foi
e não torna mais.

Porque emudece o mundo?
Palavras flutuantes,
azedas,
palavras mortais,
as sílabas desfeitas,
letras quebradas,
um resto de sílica
na penumbra onde
os deuses para nós
as sonharam.

Tudo fala e grita
e um bando de aves
traz da minha surdez
o sinal.
Paro, as casas são uma pústula
e a vida a tudo infecta,
contamina
como um vício de cerejas
sobre a largura da mesa.
São assim as palavras,
se da boca saem,
uma ilha perdida
no mar azul do silêncio.

Gritas?
Ó balbuciasses apenas
as palavras
que há sombra
destas árvores te dei…

[JCM. A Cidade Flutuante. 1993/2007]

Cranach el Viejo - La Sagrada Familia


Siglos XV y XVI. Renacimiento, 1509. Städelaches Kunstinstitut. Frankfurt. Alemania.

Jornal Torrejano, 14 de Dezembro de 2007

Já disponível está a edição desta semana do Jornal Torrejano. Na "primeira" página noticia-se a ausência de cursos na Escola Prática de polícia nos próximos dois anos. Refira-se também a apresentação formal da estratégia municipal para Torres Novas. Notícia ainda de primeira é a da possibilidade de Torres Novas vir a receber Agrupamento de Centros de Saúde do Médio Tejo.

Na opinião, há o cartoon de Hélder Dias, A Vertigem Dromológica de José Ricardo Costa, Os casinos da justiça de Santana-Maia Leonardo, Hikikomoris de Carlos Nuno, Taça sem surpresas de Carlos Henriques e A nova metanóia deste blogger.

Nada mais havendo a tratar, encerrou-se este post com a esperança de haver outro na próxima sexta-feira.

Agitam-se já as ruas

Agitam-se já as ruas e nos céus os aviões deixam um rasto branco de fumo. Sob a luz que virá adivinha-se a fria manhã, depois o sol do meio-dia, a tarde que declina e por fim a negra e gélida noite. Começa, então, o fim-de-semana. Bom dia.

In principio erat... XII

13/12/07

A Cidade Flutuante - 38. Oliveiras e figueiras

Oliveiras e figueiras
habitavam os campos
pela brancura do chão,
deixavam o sol vir sobre elas
e cavalgá-las,
enchê-las de frutos
como as mulheres
se enchiam de filhos.

E por lá havia gente
e azeite e figos
e pássaros tardios
a poisar sobre os ramos
e ouvia-se a terra
enquanto as nuvens passavam
ou alguém cantava.

Cortaram os canaviais
e depois tombaram as figueiras,
a última oliveira despediu-se
ontem de mim.
No calcário da terra,
nascem agora raízes de betão,
a pedra fria
onde os homens se sentam
a ver passar aquilo que passa,
como se a terra tivesse sido
pela lepra tomada
e uma chaga de ruído
assim a cobrisse.

Tudo se tornou inodoro
e os insípidos dias correm
sem conserto
entre torres desfraldadas
ao vento da tarde.
Se falam, não são palavras
que da boca saem,
mas bocejos,
um cansaço arenoso,
pois o pântano avançou
com as suas sombras,
tragou as nespereiras e os quintais,
as raparigas de madeixa,
o comércio fruste
onde todos se acolhiam,
a vender e a comprar,
assim se equilibravam
da balança os pratos.

Não têm rosto os que vendem,
perderam a face os que compram,
ouve-se apenas o bocejar
das raparigas sem madeixa
naquele vazio infinito,
nos lugares onde
o sol vinha cavalgar
oliveiras e figueiras,
enchê-las de filhos
e às mulheres de frutos.

[JCM. A Cidade Flutuante. 1993/2007]

O Tratado de Lisboa

Há pouco, ouvi José Sócrates dizer que o tratado ora assinado em Lisboa representava uma nova esperança para a Europa. Estranho uma esperança europeia que tem medo da opinião dos povos europeus. Este tratado assinado à socapa (a estranha assinatura de Gordon Brown é o verdadeiro símbolo de uma atitude geral) mostra a profunda divisão existente, Europa fora, entre os povos europeus e as elites políticas. Se não houvesse divórcio, para quê evitar os referendos?

Não sou particular adepto do instituto do referendo, mas em casos excepcionais, como o da alienação de parte da soberania, seria prudente ouvir os povos. Quando se tem medo desses povos, não há tratado algum que devolva esperança ou confiança seja lá no que for. É provável, contrariamente ao que pensam os iluministas serôdios que nos governam, que as verdadeiras complicações na Europa só agora comecem.

Karita Mattila sings Schönberg's Gurrelieder at the Proms

Hans Burgkmair - Holy Family with the Child St John


Siglos XV y XVI. Renacimiento, c. 1525. Óleo sobre tabla. 74,2 x 53,5 cm. Staatliche Museen, Berlin.

Problemas ambientais?

Como toda a gente já reparou não existe qualquer problema ambiental. Parece que é tudo invenção de uma turba destrambelhada e ociosa. Em vez da psicoterapia ou da prosaica polidela de esquinas, essa gente começou a espalhar o boato de que o aquecimento global estava a afectar o planeta e a dar cabo do ambiente.

Segundo noticia a Lusa, a década de 1998-2007 foi a “mais quente de que há registo”. Em 2007, registou-se o nível mais baixo de sempre de gelo no Ártico. Consta também que tem havido umas despropositadas cheias e tempestades de areia em muitos lugares desta pobre Terra, para não falar dos furacões que vão entretendo os dias lá para os lados do Pacífico. Também a temperatura da superfície do planeta se lembrou de começar a subir e o nível do mar, para não ficar atrás, está a subir 3 mm ao ano, enquanto a média no século passado foi de 1,7 mm.

Nunca tive uma especial inclinação pelos movimentos ecologistas, mas quando vejo certas luminárias, nacionais e internacionais, a dizer que não há evidência relevante sobre a existência de um problema ambiental sério, dá-me vontade de vestir de verde (honni soit qui mal y pense!).

Não é por acaso que muita gente tenta desmentir aquilo que está aos olhos de todos. O que está em causa é, de forma radical, o nosso modo de vida e os interesses que o protegem, fomentam e incentivam. Não vai ser a revolta dos homens contra um mundo absurdo que o vai parar. Vai ser a própria natureza que acabará por pôr a casa em ordem. Connosco ou talvez dispensando a nossa ajuda e a nossa presença. Sendo assim, em Bali não se está a passar nada e eu vou-me sentar tranquilamente a ler uma tradução francesa do Das Prinzip Verantwortung, que é como quem diz O Princípio de Responsabilidade, de Hans Jonas.

Manhãs de sol

Manhãs de sol e frio são, por estes dias, o desvario de Dezembro. Por trás de tão radioso tempo, descobre-se a terra seca, a minguada água, a recusa do céu em abençoar a terra. Que mal terão os imortais visto nesta terra para assim a castigarem? Bom dia.

In principio erat... XI

12/12/07

A Cidade Flutuante - 37. A luz de Novembro

A luz de Novembro
cai ao crepúsculo
e tudo se ilumina
antes de chegar o frio,
as casas, as ruas,
os campos que há,
até o rio pelas margens
ou o meu corpo,
preso nas folhas,
coberto de chagas,
esquecido de dores,
talvez de mágoas.

[JCM. A Cidade Flutuante. 1993/2007]

Enrico Rava And Richard Galliano play Spleen

Maestro de Francfort - La Sagrada Familia

Siglos XIV/XV. Gótico/Renacimiento. 1508. Óleo sobre tabla. 77 x 57 cm. Museo Thyssen-Bornemisza.

A violência e o Estado

Num artigo dedicado à violência na noite do Porto, o Público foi ouvir Luís Fernandes, psicólogo especialista em comportamentos desviantes. O que é de sublinhar nas palavras do psicólogo é o facto de não se ter ficado por mera análise comportamental, mas ter percebido a clara raiz política do problema. Diz-nos que o que se está a passar é “um sinal de que, passados cerca de 250 anos de quando começaram a surgir tribunais no mundo ocidental, o Estado está a ter cada vez menos capacidade de regular os conflitos”, e acrescenta que se trata de um “sinal da crise do Estado”. Vai mais longe: “O Estado está a deixar de ser o garante da ordem colectiva que foi durante a época áurea da modernidade. Hoje, o que impera é a lógica privada, não é a estatal. Assistimos a um contexto de enfraquecimento do Estado pondo-se no seu lugar a sociedade privada”.

Para onde quer que nos viremos, o problema é sempre o mesmo: a retracção do Estado. A lógica liberal, ao transformar-se numa crença global de explicação da sociedade, começou a minar os fundamentos do Estado, fazendo uma enorme pressão para que ele abandonasse a cena e deixasse o espaço para os interesses privados. O grande problema é que o liberalismo político fundamenta-se numa ficção: o Estado resultaria de um contrato livre entre seres racionais. Historicamente, isso não passa de um devaneio da imaginação. Os Estados são a lenta evolução das comunidades humanas e constituíram-se como pólo de decisão dessas comunidades que querem permanecer comunidades. O que estamos a assistir é a um processo de aniquilamento não apenas dos estados, mas das próprias comunidades que suportam esses estados. O crescimento dos fenómenos de corrupção, a emergência de zonas sob as mãos de grupos criminosos, o aumento da violência da criminalidade, são outros tantos sintomas de um mal que está o corroer o Ocidente.

Se o liberalismo continuar a sua cavalgada nas sociedades ocidentais, o futuro destas será cada vez mais precário. O Estado será cada vez mais impotente para assegurar não apenas a coesão da comunidade nacional, como a própria segurança dos cidadãos. Como a História não pára, comunidades à deriva serão pura e simplesmente presa fácil de quem não vive segundo as ficções liberais.