25/06/09

Metamorfoses XLIV

Emmanuel Nunes – Tissures

a fragrância tecida nas folhas dos limoeiros
abre-se na tarde sobre ruas sonâmbulas
de onde partiram os últimos moradores

as casas são agora vísceras ao sol
entranhas que a vida recusou
vidros partidos cal carcomida
trave que cede ou telhados em ruína

a tudo isto juntas pelo cuidado da mão
e num bordado de linha clara
ergues paisagens de glória ausente
o fogo apagado as cinzas tão frias
e os animais a passear no desterro
de onde ninguém os recolherá

voltas para recompor as imagens
teces com barro a canção do destino
mas tudo cede à gravidade
e entrega-se ao precário silêncio da areia

ainda oiço o gorgolejar da vida ao naufragar
no pântano viscoso e espesso do tempo

avanço uma mão mas logo a retiro
o medo tomou-me conta das faces
e pulsa em cada célula do coração

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