16/06/09

O inquérito



O inquérito tornou-se uma doença em Portugal. Toda a gente, por tudo e por nada, faz inquéritos, e todo o mundo a cada instante está a ser inquirido por dá cá aquela palha. O que a maior parte das pessoas não sabe é que o inquérito é um instrumento de observação da realidade complexo e difícil de construir, se se quer que ele tenha fiabilidade e que os seus resultados sirvam para alguma coisa. Mas deixe-se também de lado os aspecto técnicos complexos da construção de um inquérito.

Olhe-se a justificação de António Costa. Ele não decidiu, foi o inquérito que decidiu por ele. O Partido Socialista transformou-se num partido da negação da política. Não toma decisões que não tenham uma pseudo-fundamentação científica, como se a política fosse a sequência natural do conhecimento. Este platonismo anacrónico é a marca de uma demissão da responsabilidade do agir. A história do segundo aeroporto de Lisboa é outro exemplo desta atitude, bastou mudar os estudos para que tudo fosse revertido. Eu não defendo que não se deva fazer estudos de carácter "científico". Mas isso não implica que qualquer acção sobre o futuro posse ser justificada racionalmente com o conhecimento produzido sobre o passado ou sobre a actualidade. Os estudos são indicativos, mas o fundamental é a ponderação e a decisão política, as quais incluem muitos factores que os estudos não podem indicar, como, por exemplo, aquilo que queremos para o futuro de uma comunidade. Governar através de inquéritos é uma ilusão de carácter totalitário, que tem no seu núcleo a ideia de que só há uma verdade e que, em última análise, a política e a democracia não são necessárias, basta a ciência.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não é necessário recuar muito no seu blog para aquilatar do seu ódio ao PS, muito movido por não ter previsto em tempo útil (isto é, antes de votar) o que estava para vir que, afinal, nem é tão surpreendente assim para quem teve o percurso de Sócrates. Porém, tal não o deveria levar à distorção: a decisão foi anterior ao inquérito e não o inverso o que, obviamente, derruba pela base todo o raciocínio explanado. Um método, aliás, muito socrático, diga-se. A aversão não deveria levá-lo a diabolizar todo um partido como se a sua totalidade fosse, para todo o sempre, confundível com o seu líder. Yukio Mishima, em Cavalos em Fuga, dá uma brilhante lição sobre como o passado, em toda a sua miríade de faces, se amalgama numa voz dominante. Mas isso dá-nos o passado histórico, permitamos ao presente um pequeno fôlego a essa avassaladora noção e concedamos que nem todos são Sócrates dentro do PS. E, certamente, António Costa não o é.
O curioso do seu posto é o de estar a acusar o presidente da capital de não ter agido à Sócrates, sem ouvir ninguém, aliás como o PM mais a sua inefável ministra da Educação fizeram, relativamente aos professores. E, deste modo, meio manco, se move o mundo, de contradição em contradição, até à patine homogeneizadora da história.
JB Lemos