Da arte de cumprimentar

Seja como for, a decisão por um beijo ou dois não deixa de ser uma decisão complexa numa situação tão rápida e evanescente quanto aquelas que ocorrem na grande-área e exigem o juízo instantâneo e preclaro do árbitro. Esta complexidade é atestada por quem menos se espera. Não deveria o embaixador do reino de Sua Majestade, a Rainha Isabel II, saber qual o cumprimento a usar em cada momento? Se acha que sim, então está enganado e deve ler este post, do embaixador britânico, Alex Ellis, no seu blogue Brandos Costumes. Se nem um embaixador britânico se sabe orientar em tão espinhoso e melindroso, quão importante, assunto, o que se poderá dizer dos pobres plebeus que vivem naquela fronteira entre o popular "dois beijos" e o em vias de popularização "um beijo"?
No mundo profissional, julgo que se está a expandir, mesmo entre mulheres, um cumprimento mais adequado: o aperto de mão. Desde que seja uma aperto de mão formal, seco, nem demasido mole nem demasido rígido, nem exessivamente rápido nem excessivamente longo, julgo que a alternativa é adequada, pelo menos não é tão má quanto as pessoas andarem a trocar beijos, seja um ou dois, nos locais de trabalho. Aliás o único local de trabalho onde se pode trocar beijos é na escola pública portuguesa, mas são beijos na boca até os participantes, vulgo alunos, perderem a respiração. Mas, como se sabe, a escola em Portugal não deve ser entendida como um local de trabalho, mas um parque de diversões e uma estância de férias prolongadas para muitos dos alunos.
Esta história de nos saudarmos com contacto corporal é coisa que acho dispensável. Por que razão as faces das mulheres que eu encontro têm de levar com a minha de raspão? Por que motivo temos de andar a apertar as mãos uns aos outros, alguém é capaz de dizer? Nada melhor do que usar uma pequena vénia. O homem passa por uma mulher, inclina levemente a cabeça, ela semicerra os olhos, eventualmente esboça um leve sorriso, e cada um vai à sua vida. Entre pessoas do mesmo sexo, bastava um pequeno cumprimento oral, quero dizer um bom-dia ou boa-tarde, um olá, um viva, um como está?, um bem obrigado, etc. Depois, do ponto de vista erótico, nada pior que os cumprimentos que utilizam beijos. Numa vénia ligeira e distante pode desenhar-se todo o espaço do jogo amoroso, que, como se sabe, precisa de espaço e de distância para que, como todos os jogo, se possa desenrolar. Portanto, nem um beijo, nem dois, nem aperto de mão. Uma vénia ligeira e discreta. Para todos? Seria o ideal, mas poderiam começar os sectores mais diferenciados da sociedade. Enquanto o povo se empanturra de beijos, as classes com mais capital simbólico, chamemos-lhe assim, começavam a usar a vénia com esperança de que o seu exemplo civilizasse a turba e tudo se tornasse um pouco mais discreto ou menos boçal.
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