31/10/07

Friedrich Holderlin - O Único (excerto)

O que é que me
Prende aos antigos ditosos
Litorais de tal modo que ainda mais
Os amo do que a minha própria Pátria?
Pois como entregado
A prisão divina e vendido
Encontro-me onde Apolo andou
Sob forma de rei,
E Zeus condescendeu em juntar-se
A jovens inocentes e gerou de modo sagrado
Filhos e filhas,
Esse que pertencendo às alturas está entre os mortais.

[Holderlin, Hinos Tardios. Tradução de Maria Teresa Dias Furtado. Assírio & Alvim]

Sócrates (o verdadeiro) e os poetas

Depois dos homens de Estado, dirigi-me aos poetas, autores de tragédias, criadores de ditirambos e outros, convencido que desta vez seria notória a inferioridade dos meus conhecimentos. Levando então comigo aqueles poemas da sua autoria que me pareciam mais bem elaborados, pedi-lhes que mos explicassem, no desejo de aprender alguma coisa com eles. Ora custa-me um bocado, Atenienses, dizer-vos a verdade, mas acho que deve ser dita. Quase todos os presentes teriam, por assim dizer, falado melhor do que os próprios poetas sobre os poemas que estes tinham escrito. Pude, pois, concluir em pouco tempo, a respeito dos poetas, que não compunham as suas obras graças ao seu saber, mas a um dom natural, a uma inspiração divina semelhante à dos adivinhos e profetas. Efectivamente estes dizem muitas coisas belas, mas não percebem nada daquilo que dizem. Tornou-se-me evidente que este é exactamente o caso dos poetas. E ao mesmo tempo percebi que, com o seu talento, eles julgavam ser os homens mais sábios em relação a outros domínios, o que de modo nenhum acontecia. Deixei então os poetas, conven­cido de que tinha sobre eles a mesma superioridade que sobre os políticos. (Platão, Apologia de Sócrates, 22 b,c)
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Esta superioridade de Sócrates sobre tudo e todos faz-me lembrar o nosso Socratezinho. Será do nome?

Juliette Greco - Sous Le Ciel De Paris

Retornemos à arqueologia pessoal. Greco e a canção francesa de la rive gauche.

Juliette Greco - Sous Le Ciel De Paris
Colocado por bisonravi1987

Um céu límpido, banhado por uma luz amarelada, anuncia ainda um dia de Verão, tardio Verão que teima em não deixar esta terra. Estão confusos os astros e os homens, e assim também o tempo se confunde e tudo se arrasta para fora dos eixos que um dia suportaram o passar das horas. Mas elas passam. Bom dia.

Luz da Normandia - XXXVI

30/10/07

Friedrich Holderlin - A Primavera

Quando nova delícia germina pelos campos
E outra vez se embeleza o panorama
E nos montes, onde as árvores verdejam,
Mais claros se mostram ares e nuvens,

Oh! que alegria os homens sentem! Andam
Alegres pelas praias solitárias, calma e desejo
E enlevo da saúde floresce,
O riso amável também não anda longe.

[Tradução do Professor Paulo Quintela]

Escutas telefónicas

A questão das escutas telefónicas é o retrato fiel do país. Estão, segundo diz o Procurador-Geral da República, sem controlo. Qualquer um pode escutar quem lhe apeteça. Mas o apavorador é aquilo que isto esconde: um povo que presta muito pouca atenção à liberdade e à privacidade. Nunca nos distinguimos por um amor excessivo pela liberdade e estamos sempre prontos para espreitar para a casa do vizinho. As escutas não são uma anormalidade, são o retrato hediondo da nossa normalidade.

Uma guerra que nunca existiu

Acabei de ver o terceiro episódio sobre a guerra em África, da autoria de Joaquim Furtado. Vê-se e ouve-se uma guerra recalcada, uma guerra que, para a generalidade dos portugueses, é, ainda hoje, um acontecimento estranho. As atrocidades da UPA e as dos colonos e militares portugueses são indescritíveis e, no entanto, quase nada no nosso tecido social dá conta desses acontecimentos da história recente do país. Durante treze anos Portugal esteve numa guerra como se não estivesse. Quando acabou, acabou como se se pusesse fim a umas leves escaramuças. Os únicos sinais visíveis, para além dos mortos, embora também estes fossem quase invisíveis, foram as pessoas que retornaram de África, aquando da descolonização. Mas até esses sinais desapareceram em meia dúzia de anos. Tirando o impacto emocional do início, devido à natureza selvática da chacina dos colonos brancos e populações negras aliadas, os portugueses da metrópole, como então se dizia, com excepção daqueles que tinham familiares na guerra, nunca sentiram que aquilo lhes dissesse respeito. Há quase 50 anos entrámos numa guerra que nunca existiu.

E DEUS CRIOU A MULHER

Eu ia até lá, contemplava, ia-me embora e, no outro dia, regressava, tornava a contemplar, em silêncio, e tornava a ir-me embora. Quase vicioso. Estava disposto a não partilhar com ninguém este segredo. É um gosto não muito aceitável, do ponto de vista da correcção social e política em curso. Ora essa, um blogue sobre mulheres bonitas começa a ser o cúmulo da incorrecção e visitá-lo é caminho para a segregação social. Curiosamente, o link para o E DEUS CRIOU A MULHER, é deste blogue que se trata, encontrei-o num blogue de uma mulher, o Rititi, o blogue rosa cueca. Se sou incorrecto socialmente devo-o às más influências de alguém que nem conheço.

Mas o que me terá levado a expor-me publicamente? Já a frase em epígrafe era razão suficiente para o passo que estou a dar: «Até que a vista nos doa. Horas de contemplação». Não apenas a referência enviesada a Amália, mas e fundamentalmente a ideia da contemplação. Eu sou um contemplativo e não há nada a fazer. O que foi decisivo, porém, para esta minha perigosa selecção de hoje, foi a frase que li, em defesa da escola pública, numa fotografia, lá postada, de Scarlett Johansson: «“I’m not one these collegiale girls,” she said, almost proudly. “I went to public school; nobody was playing any tennis.”» Se ela veio da escola pública, então é porque a escola pública é mesmo de grande qualidade. Estou de acordo com Miguel Marujo, o postador do E DEUS CRIOU A MULHER: os rankings também se enganam.

Com passos decididos

Ao longe faíscam ainda as luzes da noite, mas a madrugada vem já, com passos decididos, abraçar casas e árvores e varrer de luz as ruas que a noite tornara sombrias. Bom dia.

Luz da Normandia - XXXV

29/10/07

Friedrich Holderlin - O Danúbio (excerto)

E a este chamam o Danúbio.
Bela é a sua morada. Arde a folhagem das colunas
E inclina-se. Desordenadamente erguem-se
Em planos diferentes; sobre elas
Uma segunda escala, o telhado
Salienta-se das rochas. Assim não me
Surpreende que ele tenha
Convidado Hércules para hóspede
Brilhando à distância, abaixo do Olimpo,
Quando ele, em busca de sombras,
Se aproximava vindo do Istmo escaldante,
Pois cheios de coragem eles
Aí se encontravam, mas aos espíritos também
Fazia falta a frescura. Por isso aquele preferiu
Vir até a estas nascentes e margens amarelas,
Cujo perfume ascende ao alto, e da cor negra
Da floresta de abetos, em cujas brenhas
O caçador gosta de vaguear
Ao meio-dia e se pode ouvir o crescimento
Das árvores resinosas do Danúbio

[Holderlin, Hinos Tardios, Tradução de Maria Teresa Dias Furtado. Assírio & Alvim]

A paranóia do inquérito

Ao fazer o post anterior, lembrei-me de uma das maiores pragas que atinge instituições públicas e privadas: a paranóia do inquérito. Por tudo e por nada faz-se um inquérito. Esta doença, um caso claro do foro psiquiátrico, está muito disseminada nas escolas, mas é vulgar também noutros locais, hospitais, centros de saúde, empresas, etc. Genericamente esses inquéritos, para além de aborrecerem quem é obrigado a responder-lhes, sofrem sistematicamente dos seguintes defeitos: 1. não assentam na definição clara do objecto que querem conhecer; 2. não seleccionam indicadores relevantes para o que se quer investigar; 3. a maior parte das vezes, o objecto que se quer conhecer não é “conhecível” através de um inquérito; 4. quem constrói os inquéritos raramente sabe lê-los; 5. depois de se obterem os resultados (a grande maioria das vezes completamente irrelevantes ou distorcidos), ninguém sabe o que há-de fazer com eles.

Eis como a ciência se torna inimiga das instituições. O inquérito tem um papel determinante nas ciências sociais, mas fora delas pode ser um perigo autêntico. Um inquérito é um instrumento de observação trabalhoso, que implica um domínio teórico e prático das técnicas de construção e um domínio teórico do objecto a observar. Como não há nada disso, o inquérito é um instrumento de uma ideologia paranóica que atingiu o nosso país, um instrumento que não serve para nada a não ser para massacrar as pessoas e para, no melhor dos casos, arquivar. Se eu fosse Ministro da Educação (ah! ah! ah!), por exemplo, proibia as escolas de fazerem inquéritos. Na escola os únicos inquéritos permitidos seriam os testes e as chamadas orais aos alunos. Os professores que gostassem de brincar aos inquéritos deveriam pedir transferência para um sítio onde aprendessem a fazê-los, por exemplo, o Instituto Nacional de Estatística.

Serviços públicos, privados e a irrelevância dos inquéritos

Leio isto no Diário de Notícias: «Três em cada quatro pessoas inquiridas entendem que a administração pública funciona "pior" ou "muito pior" do que o sector privado. Este é um dos resultados de um inquérito encomendado pelo Instituto Nacional de Administração (INA) à Universidade Católica, coordenado por Roberto Carneiro e que é hoje apresentado no V Congresso Nacional da Administração Pública (AP).» Para além da irrelevância da amostra (na televisão ouvi que tinham sido inquiridos 300 utentes), há a irrelevância do próprio estudo.

Se o Estado quer saber se funciona melhor ou pior do que o mundo das empresas privadas, então escolha uma amostra representativa de serviços públicos e de empresas privadas, escolha um conjunto de indicadores relevantes para o assunto, peça a uma entidade independente que faça o estudo o comparativo e publique os resultados. Isto seria sério,

Para que serve, neste caso, a opinião de 300 utentes? Mesmo que a amostra fosse fiável apenas diria com fiabilidade qual a opinião que os portugueses têm do assunto. Mas essa opinião não se pode confundir com a realidade. Espanta-me, ou talvez não, a irrelevância deste tipo de inquéritos.

A única coisa para que servem é para justificar algum ataque político, neste caso aos funcionários públicos, ou para propaganda do governo. De resto, é atirar a areia para os olhos dos contribuintes. Este tipo de coisas está na massa do sangue da gente que governa o país ou que quer vir a governar.

A luz decai

A tarde desceu com o seu cansaço e tomou conta da cidade. Aqui e ali, abriu frestas de luz, mas tudo está já envolvido numa tonalidade triste e envergonhada, as folhas a amarelecer, a tremer ao vento, a preparar a queda que virá. Os homens passam distraídos, presos na vida que lhes calhou, apressados, os olhos fixos nas órbitas, fantasmas adiados. Ao longe, ainda há campos, o verde há muito os abandonou. São agora uma mancha de cinza sombreada pelas nuvens, um traço esquivo na parede da memória. A luz decai e eu decaio com ela, como se cair fosse o único destino que aos mortais estivesse reservado. A noite não tardará.

Patti Smith Group - Gloria - 1975

Patricia Lee "Patti" Smith - vocals
Lenny Kaye - guitar
Ivan Kral - guitar
Jay Dee Daugherty - drums
Richard Sohl - piano

Patti Smith Group - Gloria - 1975
Colocado por thegirlstheyrock

Os pobres são menos inteligentes do que os ricos?

Em que escola estavas quando foi o 25 de Abril? Em que escola estão os teus filhos?" À célebre pergunta "Onde é que estavas no 25 de Abril?" é imperioso que se juntem agora estas duas interrogações. Experimente-se por exemplo fazer estas perguntas aos ministros, deputados, autarcas, assessores, artistas, professores... e descobrir-se-á que a maior parte deles frequentou o ensino público, mas optou pelo ensino privado na hora de inscrever os seus filhos e netos na escola. Não porque os seus filhos sejam mais ou menos inteligentes, mas simplesmente porque têm medo que a falta de exigência os embruteça. Duvido que algum destes hipotéticos inquiridos o assumisse claramente. Dariam como justificação os horários, os amigos, às vezes até os piolhos, mas o que dificilmente diriam é que o fazem, porque não acreditam na qualidade do ensino público. Muitos provavelmente serão oficialmente a favor do novo Estatuto do Aluno, tal como foram da afectação de tempos lectivos a "coisas" como a Área de Projecto ou da desautorização dos professores e funcionários. Na prática isso não os afecta, porque os seus filhos e os seus netos estão a salvo destes desmandos. O falhanço do ensino público em Portugal tornou-se uma ratoeira contra os mais pobres: pobreza e o insucesso escolar tornaram-se sinónimos. E assim continuaremos, para que ninguém preste contas por aquilo que começou por ser um erro e se está a transformar num crime.

Ao contrário do que se tornou quase banal dizer, não foi a massificação do ensino público que comprometeu a sua qualidade. Os responsáveis por aquilo que os rankings cruamente espelham foram aqueles que fizeram da escola pública um espaço de experiências sociológicas. Passamos a vida a discutir os programas, mas um mau programa ainda é um programa. O pior foi baixar em cada ano lectivo o nível da exigência. Primeiro, porque era mais moderno. Depois, porque assim não se faziam distinções entre mais e menos inteligentes. Depois, porque o objectivo da escola não era ensinar conteúdos, mas sim ensinar a relacionar-se. Depois porque já não podia ser doutro modo. Os filhos dos pobres não são nem mais nem menos inteligentes que os filhos dos ricos. Tiveram sim foi o azar de os seus pais não ganharem o suficiente para os poupar a esse papel de cobaias de teorias que tanto vêem na ignorância o estado supremo da perfeição igualitária, como entendem que aprender tem de ser divertido e fácil. Nada disto afecta quem legisla, porque os seus filhos não estão nas escolas públicas ou quando estão souberam contornar o crivo das moradas e horários, de modo a frequentarem as turmas ditas "dos filhos dos professores". Quem não pode fugir das más escolas é quem não tem dinheiro nem conhecimentos. Alguns como Francisco Louçã querem agora diabolizar os rankings, vislumbrando apoios da extrema-direita aos colégios que se encontram nos primeiros lugares. Engana-se redondamente. Quem fez a fortuna recente das escolas de maristas, jesuítas e da Opus Dei, dos colégios franceses, ingleses e modernos, sem esquecer as escolas alemãs e americanas, foram precisamente aqueles - às vezes de esquerda mas nem sempre - que resolveram que a escola pública não era o local onde todos tinham igual oportunidade de aprender, mas sim o espaço onde a irrelevância medíocre dos resultados provaria que todos podemos ser igualmente ignorantes e irresponsáveis. [Helena Matos, Público, de 29 de Outubro]
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Nem vale a pena comentar, tão evidente é a coisa. Claro que há «crime» e há um «crime» contra os mais pobres. Mas também há aqueles que o cometeram e o cometem e cujos nomes são mais do que conhecidos. O problema é que além de poderosos são inimputáveis.

Tão rápido chega o Sol

Tão rápido chega o Sol, já cavalga o dorso das colinas que o escondem, olha o horizonte e vai precipitar-se no mar que é o céu, um céu azul e rosa e cinza. Bom dia.

Luz da Normandia - XXXIV

28/10/07

Friedrich Holderlin - Patmos (excerto)

Próximo
E difícil de abarcar está Deus.
Mas onde existe o perigo também
A salvação é pródiga.
Na obscuridade vivem as águias
E, sem medo, os filhos
Dos Alpes atravessam o abismo
Sobre pontes feitas de leveza.
Por isso, por à volta se avolumarem
Os cumes do tempo e os mais caros
Perto deles viverem, cansados, nos
Montes mais afastados,
Dá-nos, pois, água pura,
Oh, dá-nos asas para, em total fidelidade,
Irmos até lá e de novo voltarmos.

[Friedrich Holderlin, Hinos Tardios. Tradução de Maria Teresa Dias Furtado, Relógio D’Água]

Trabalho infantil na Índia

A GAP descobriu que havia roupa sua, apesar da política de controlo da produção, fabricada, na Índia, por crianças em situação de trabalho forçado (ver Sol). A GAP até parece ter uma política social relativamente decente. Mas o problema não reside na maior ou menor consciência social dos empresários ou dos clientes que obrigam certas marcas a não ultrapassar os limites. O problema está em que a abertura indiscriminada dos mercados visa claramente abrir um caminho que dote as empresas de mão-de-obra quase escrava e que obrigue, concomitantemente, a baixar os salários no Ocidente. E é isso o que está a acontecer.

Um universo defeituoso

Estou preocupado. Uma equipa anglo-castelhana (Honni soit qui mal y pense) descobriu, informa o Sol, um ‘defeito de fabrico’ no Universo. Segundo Marcos Cruz, do Instituto de Física de Cantábria (como adoro esta palavra, experimente e diga Cantábria e cantábrico e veja se o mundo não lhe soa de outra maneira), a causa de uma ‘mancha fria’, um buraco com um bilião (aqui uma pessoa nunca sabe se estão a dizer um milhão de milhões ou, como os americanos e os brasileiros, esses exagerados, mil milhões, que é a isso a que eles chamam um bilião) de anos-luz onde parece não existir nada, é um defeito que remonta à origem do universo.

Um defeito e logo na origem do universo. A coisa começou mal e nunca mais há-de ter conserto. É o que faz mandar fazer tudo nas economias emergentes. Querem universos baratos? Então, toma, vêm com defeito. E um defeito daquele tamanho não há remendo que o tape. O que anda a fazer o pessoal do controlo de qualidade, são capazes de me explicar? E os gestores de topo e os médios e os de baixo servem para quê? Um defeito com aquele tamanho e o pessoal precisou deste tempo todo para o descobrir? Não me venham com histórias. Eu, se pudesse, despedia essa gente toda.

Mas a minha preocupação nasce de outra coisa. Que fazemos com este universo defeituoso? Devolvemos? Ainda está dentro da garantia ou os nossos homens da gestão deixaram-na caducar? Por causa dessa gente, sempre à procura de preços competitivos, sou obrigado a viver, desculpem a expressão, num universo de merda, com um buraco do caraças, ainda por cima frio, já viram, com o Inverno à porta e um buraco frio daquele tamanho no universo em que vivo. Imaginem as constipações e gripes que vou ter, eu e todos os outros. Ainda por cima este planeta nem uma porta traz.

Para acabar, gostava de protestar com o pessoal da ciência. Quando a coisa foi inventada prometeram-me, a mim e a todos os outros, que só servia para trazer felicidade ao homem e à mulher. Acham que uma notícia destas traz felicidade alguém? Um tipo, ainda por cima a viver numa zona sísmica, compra uma casa e descobre, passado anos, que aquilo tem um defeito de todo o tamanho nos alicerces… Felicidade? Não me lixem.

Um Domingo ensolarado

Um passe de mágica e a noite é dia branco e claro, com um sol ameaçador a resplandecer já bem alto. Trocam-se as horas para enganar o tempo, mas ele não se deixa enganar. Um Domingo ensolarado, num Outubro que se apresta para findar, cansado de tanto calor, saudoso das névoas e das chuvas, das primeiras que haveriam de vir. Bom dia.

Luz da Normandia - XXXIII

27/10/07

Friedrich Holderlin - Lamentos de Ménon por Diotima -1

Todos os dias saio, sempre à busca de outro caminho
Há muito interroguei já todos os da terra;
Além os cimos frescos, todas as sombras visito
E as fontes; erra o espírito pra cima e pra baixo,
Pedindo sossego; assim foge o bicho f’rido pra os bosques,
Onde outrora ao mei’-dia repousava seguro à sombra;
Mas o seu leito verde já lhe não restaura o coração,
Lamentoso e sem sono o aguilhoa por toda a parte o espinho.
Nem do calor da luz nem do fresco da noite vem ajuda,
E em vão banha as f’ridas nas ondas do rio.
E assim como debalde a terra lhe oferece a erva alegre
Que o cure, e nenhum dos zéfiros acalma o sangue a ferver,
Assim, queridos! Assim a mim também, parece, e ninguém
Poderá tirar-me da fronte o sonho triste?

[Tradução do Professor Paulo Quintela]

Marianne Faithfull - As Tears Go By (1965)


Marianne faithfull - as tears go by (1965)
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O português do Brasil

Confesso que nunca fui adepto da selecção brasileira de futebol, apesar de ser a melhor, nem dos pilotos brasileiros de Fórmula 1. Também nunca gostei de telenovela, nem sequer da Gabriela. Mas agora que há tantos brasileiros em Portugal, agora que não há lugar onde se vá em Lisboa que não se oiça brasileiros a falar, eu estou grato, muito grato, ao Brasil e aos brasileiros. Eles devolvem-me uma língua portuguesa tão aberta e calorosa, tão dúctil e inventiva, que eu poderia ficar horas num café a escutá-los, a ouvir-lhes o ritmo e o som, a descobrir a melodia, a registar o sentido. Muitos brasileiros estão em Portugal a trabalhar duramente. Mas se eles nada fizessem e apenas falassem, já a nossa dívida para com eles seria desmedida. Eles vieram abrir uma língua portuguesa que se fechava sobre si própria, dar-lhe alma e espírito e capacidade para voar. Era esta a língua de Camões, que é mais deles que nossa, que levámos para lá e que eles, com uma delicadeza tão cantabile, trazem de novo como um belo presente de Natal. Já nem me importo que o Brasil ganhe no futebol.

Ruínas e declínio

O mundo não está em ruínas, nem os tempos são de declínio. O mundo nunca deixou de ser uma imensa ruína e o tempo que outra coisa faz se não declinar?

Ver os astros

Os hábitos da semana entram pelo Sábado dentro, e eu venho à janela ver os astros e o que, lá em baixo, se passa sob um céu de Outono, renitente e saudoso do Verão. Como diriam os gregos que tudo nos ensinaram, a noite desfalece nos braços róseos da aurora. Bom dia.

Luz da Normandia - XXXII


26/10/07

Friedrich Holderlin - Os Mortos

Um dia fugaz eu vivi e cresci entre os meus,
Um após outro já me adormece e vai fugindo para longe.
E no entanto, vós que dormis 'stais-me acordados cá dentro do peito,
Na alma parente repousa a vossa imagem que foge.
E mais vivos viveis vós ali, onde a alegria do espírito
Divino a todos os que envelhecem, a todos os mortos rejuvenesce.

[Tadução do Professor Paulo Quintela]

Chegou a altura

Parece que nem de propósito, o Barómetro DN/TSF/Marktest veio confirmar empiricamente a leitura da realidade política nacional que publicámos hoje, no Jornal Torrejano. O PSD, sempre tão distante do PS, chega-se-lhe visivelmente e a esquerda à esquerda do PS vale mais de 20%, com o Partido Comunista a ultrapassar os 12%. Sócrates cortejou a direita, fez-lhe favores, agora prepara-se para levar o respectivo pontapé que se dá a quem faz os serviços sujos. Chegou a altura, dentro do PS, de começar a fazer perguntas incómodas e pensar em correr com aquela gente que pulula no governo. Quem trai sem vergonha os seus eleitores só pode esperar ser esquecido por eles.

P.S. Os portugueses também já perceberam quem são Correia de Campos e Lurdes Rodrigues. São os ministros com pior cartel na opinião pública. Lembram-se quando a ministra da educação fazia as delícias dos sondados?

George Steiner - A Ciência Terá Limites?

(...) A pergunta que Steiner trouxe – foi ele que propôs o tema à Gulbenkian – é inquietante: será que um dos mais sólidos pilares da civilização ocidental, a confiança no progresso ilimitado do conhecimento científico, pode ser, afinal, uma piedosa ilusão? (...) Steiner não ignorou estes argumentos (metafísicos e éticos), mas não foi neles que fundamentou a sua convicção de que estaremos a assistir a “indícios sérios de que a teoria e prática científicas estão a bater contra paredes, contra limitações que podem vir a revelar-se insuperáveis”. Baseando-se nos testemunhos de cientistas, Steiner acredita que quer a exploração do macrocosmo estelar, quer a investigação do microcosmo das partículas pode estar a atingir, digamos assim, o seu limite técnico.

Nenhum concebível aperfeiçoamento dos sucessores actuais do telescópio e do microscópio poderão, segundo crê, aumentar muito mais a fatia do universo que nos será dado conhecer. “Inumeráveis galáxias repousam para lá do horizonte de qualquer potencial observação”, diz Steiner, que garante ter ouvido físicos admitir que também “a observação microscópica está a aproximar-se dos seus limites”. Se estas suspeitas se comprovarem, acrescenta, “as consequências epistemológicas e psiocológicas serão incalculáveis”.Perante estes condicionalismos, o conferencista acha que especulações muito em voga na Física, como a alegada existência de um número ilimitado de universos paralelos, caem na categoria da mística.

Mas não são apenas as limitações técnicas, instrumentais, que, segundo Steiner, fazem recear uma crise da ciência. O ensaísta acha que outro dos principais obstáculos a um progresso científico genuíno pode vir da crescente hiperespecialização dos cientistas, que começa a impossibilitar a comunicação mesmo entre investigadores que trabalham em domínios muito próximos. E Steiner lamenta ainda muito particularmente o fosso que se cavou entre os cientistas e as comunidades a que pertencem, quer porque os primeiros “ainda não perceberam que têm mesmo de gastar algum do seu tempo a tentar estabelecer essa ponte”, quer pela complacência das sociedades ditas desenvolvidas com o assustador grau de “inumeracia” da quase totalidade dos seus habitantes. As implicações desta ignorância são, defende, “desastrosas”, já que muitos dos avanços em disciplinas como a biologia molecular, a bio-genética, ou a neuroquímica vão afectar a existência pessoal e colectiva de forma crucial. Steiner acha que a saída está no ensino, desde os primeiros graus de escolaridade, e acredita que é possível estimular as crianças para a matemática.

O tema entusiasma-o tanto que, a dado momento, exortou mesmo a assistência: “Tragam-me cinco alunos de meios desfavorecidos e eu mostro-lhes.” Mas também defende que só é possível esperar esse papel dos professores se estes forem bem pagos e recuperarem o seu prestígio.

Às limitações técnicas e à especialização excessiva, Steiner acrescenta ainda outro motivo de preocupação, que na verdade foi oficialmente formulado em 1931, mas que só agora começa a ser seriamente ponderado em todas as suas consequências: os teoremas de Gödel, que postulam que nenhum sistema pode fundamentar-se a si próprio e que, “em todos os sistemas, haverá sempre proposições que não podem ser validadas nem negadas”. Segundo Steiner, os teoremas de Gödel impugnam, designadamente, a possibilidade de uma teoria unificada, como a que Stephen Hawking chegou a prometer.

O ensaísta terminou com um sinal positivo, afirmando não acreditar que estes e outros sinais que considera inquietantes impeçam a ciência de continuar a produzir descobertas relevantes e a encontrar novas aplicações para o que descobre. Mas admitiu que não é tranquilizador pensar que “20 milhões de americanos acreditam que Elvis Presley se levantou dos mortos”, ou que “financeiros de Wall Street dispõem os móveis dos seus ecsritórios sob a orientação de especialistas de animismo pseudo-oriental”, ou que a mulher do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair “usa amuletos contra os raios cósmicos”.
Luís Miguel Queirós, O progresso da ciência pode ter um fim? Público, de 26/10/2007

Olivier Messiaen - Sinfonia Turangalîla (5.º mov. Joie du Sang des Étoiles)

Joie du Sang des Étoiles, quinto movimiento de la Sinfonía Turangalîla, de Olivier Messiaen, para piano, ondas Martenot y orquesta. Joven Orquesta Nacional de Gran Bretaña. Pierre Laurent Aimard (piano), Cynthia Millar (ondas Martenot), Andrew Davis (director).


Sinfonía Turangalîla
Colocado por jrtm

Mais uma sexta-feira e mais um Jornal Torrejano on line. Esta semana a primeira página traz-nos o Torres Fórum que deverá abrir até final do ano, já estamos perto. Referência também para a autonomia da escola de música da Banda Operária Torrejana e para a estratégia da Câmara Municipal para não ser penalizada devido à dívida.
Na opinião o que haverá? Um cartoon familiar de Hélder Dias, Elementar, meu caro Watson, de José Ricardo Costa, Pobres mas felizes, de Santana-Maia Leonardo, O rebanho, de Carlos Nuno, Desapego, de Carlos Henriques e A manifestação da CGTP, deste blogger.
Feche-se então o post e aguarde-se que para a semana ainda haja sexta-feira e mais Jornal Torrejano on line.

Já o sol se anuncia

Um mar de luz desaba sobre o dia. Ao longe, ainda há uma cortina de névoa e cinza, mas, mais atrás ainda, já o sol se anuncia na luz vermelha que irradia. Bom dia

Luz da Normandia - XXXI


25/10/07

Friedrich Holderlin - A Morte de Empédocles (excerto)

Ó coração que tudo sacrifica! E este entrega
Por amor a mim a dourada juventude!
E eu? Ó Terra e Céu! Olha! Ainda
Estás perto, enquanto a hora escoa,
E para mim floresces, ó alegria dos meus olhos.
Ainda tudo é como dantes, tomo-te nos braços
Como se fosses meu, a minha presa,
E de novo me seduz o sonho encantador.
Sim, magnífico seria entrar na chama do túmulo
De braço dado e não como um solitário
Formando um par festivo no final do dia;
E de bom grado levaria comigo, como um nobre rio
Todas as suas fontes, em libação à noite sagrada,
O que aqui amei.

[Friedrich Holderlin, A Morte de Empédocles. Tradução de Maria Teresa Dias Furtado, Relógio D’Água]

A morte do Professor

Este texto, que agora se reproduz, foi publicado por este blogger no Jornal Torrejano, há mais de três anos, na parte final da governação de Durão Barroso. Os sinais da perseguição aos professores já eram, para mim, claros. A ideologia do «eduquês» estava assanhada e pronta para a perseguição. Está consumada a morte do professor.
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«Acompanhei, ao longo da vida, uma transformação radical da forma como se olha o Professor. Do respeito pela sua figura, passou-se ao desprezo e, por fim, ao ódio ao que é a essência dum verdadeiro Professor: o amor ao saber, o gosto de ensinar, um espírito livre, independente e individualizado. Era este o tipo de Professor que os alunos admiravam e que fazia despertar vocações, descobrir mundos, abrir horizontes. Este Professor foi achincalhado, objecto de desprezo e, por fim, executado.

Políticos, sacerdotes da pedagogia, burocracia ministerial e até docentes, decidiram aniquilar a figura incómoda de um Professor livre, independente, orgulhoso da sua individualidade, amante do saber. Como? Transformando a escola num calvário burocrático, dando relevo aos procedimentos formais, fazendo crescer, ano após ano, o peso de inúteis reuniões e de actividades lunáticas, de relatórios infinitos, obrigando ao dito “trabalho de equipa” como se fosse uma virtude, desvalorizando o saber científico, o trabalho de sala de aula, a liberdade de ensinar, a responsabilidade individual, e acabando com os exames onde alunos e professores prestavam contas da sua actividade.

O que a ditadura não tinha conseguido fê-lo a democracia: destruir a figura do Professor através da paranóia pedagógica. Não quer, como professores, homens livres, mas burocratas! Por isso, transformou o Professor em pedagogo. Em Roma, o pedagogo era o escravo que levava as crianças à escola. O pedagogo actual também não ensina; toma conta da criançada, trabalha em equipa (o rebanho de escravos) sobre coisa nenhuma e faz relatórios das suas inúteis actividades. Os resultados escolares, cada vez piores, falam por si! Este processo idiota e degradante, porém, vai continuar sem fim à vista. O aluamento dos pedagogos do ministério não tem fim, o ressentimento dos burocratas é enorme, os políticos são inimputáveis e a insensatez desmedida. Portugal sempre odiou o saber!»

Educação – o tempo dos medíocres

Abriu a época de caça aos bons professores. Foi hoje aprovado o novo regime de avaliação dos docentes. Está consumada a destruição da figura do professor, a burocratização da profissão, o triunfo dos medíocres. Leiam os documentos (este e o estatuto) com calma, peçam explicações para perceber o linguajar usado, e depois meditem. Hoje, professores como Rómulo de Carvalho e tanto outros do género seriam postos a andar em três tempos. É um dia negro para a educação em Portugal, mais um. Em muitas escolas, os medíocres saltam de alegria. O seu tempo instalou-se definitivamente.

O cansaço dos outros

- E se o eu apenas for o espaço vazio onde uma comédia se representa?
- A morte não será mais do que o sintoma do cansaço dos espectadores.

Sob o peso do céu

Tudo se envolve ainda nas roupas da noite, mas, nas ruas secas e sob o peso do céu, já os mortais sacrificam ao deus que os alimentará. Bom dia.

Luz da Normandia - XXX

24/10/07

Friedrich Holderlin - Aos Poetas Jovens

Queridos Irmãos! talvez a nossa arte amadureça,
Pois, como o jovem, há muito ela fermenta já,
Em breve em beleza serena;
Sede, então, devotos, como o Grego o foi.

Amai os deuses e pensai nos mortais com amizade!
Odiai a ebriedade como o gelo! Não ensineis nem descrevais!
Se o mestre vos assusta,
Pedi conselho à grande Natureza!

[Tradução do Professor Paulo Quintela]

Estamos todos no inferno

A ler sem hesitações a entrevista do Marcola (23/05/2006), chefe da organização criminosa brasileira PCC (Primeiro Comando da Capital) ao Globo e reproduzida no Flash. «Estamos todos no inferno. Não há solução; pois, não conhecemos nem o problema.» Um documento excepcional.

Luis Buñuel - Belle de Jour - Trailer

Hoje, às 21h 30m, no Cine Teatro Virgínia, em Torres Novas, numa sessão do Cine Clube. Luis Buñuel e acima de tudo Catherine Deneuve. Olhar para ela e sentir como é injusta a ordem do mundo que faz com que o tempo não pare.

Madredeus - Haja o que houver

A inquietação que virá

O dia ainda não chegou. Reinam sobre a cidade as trevas exteriores e um abismo abre-se nas ruas húmidas pela transpiração da noite. Os mortais abandonam o lugar onde o sono os distrai e preparam-se já para a inquietação que virá. Bom dia.

Luz da Normandia - XXIX


23/10/07

Friedrich Holderlin - Mnemósina

Maduros estão os frutos, mergulhados no fogo, fermentados
E na Terra postos à prova, e vigora uma lei
Segundo a qual tudo no interior desaparece, como serpentes,
Profeticamente, envolto em sonhos, sobre
As colinas do Céu. E muitas coisas
É preciso manter, como sobre
Os ombros o peso
Da lenha. Mas os atalhos são
Adversos. Pois dissociados,
Como cavalos, avançam os unidos
Elementos e as antigas
Leis da Terra. E há uma ânsia
Que sempre impele para o desregramento. Porém muito
É preciso manter. E a fidelidade urge.
Porém nem para a frente nem para trás queremos
Olhar. Deixarmo-nos embalar, como
O barco que no mar baloiça.
E as coisas do amor? O que vemos é
A luz do sol projectada no solo e o seco pó
E na terra natal as sombras das florestas e nos telhados
Floresce o fumo pacificamente
Na antiga coroa das torres; pois são bons
Os sinais do dia, mesmo que algum
Celestial tenha ferido a alma, contradizendo-a.
Pois a neve, como os lírios do vale,
Simbolizando a nobreza de espírito onde
Quer que ela esteja, brilha no
Verde prado dos Alpes,
Já quase derretida, quando, falando da Cruz, erguida
Outrora nos caminhos em memória
Dos que morreram, passa
Pela estrada alta um caminhante irado,
Pressentindo o já longínquo, junto
A outro, e o que será?

Junto à figueira morreu
O meu Aquiles,
E Ajax jaz
Junto às grutas do mar,
Junto a ribeiros próximos do Escamandro.
Outrora, segundo o costume inalterado
Da impassível Salamina,
No estrangeiro morreu o grande
Ajax de um silvo nas têmporas,
Pátroclo porém em arnês de rei. E muitos outros
Morreram ainda. Junto ao Citéron porém ficava
Elvetera, a cidade de Mnemósina. À qual também depois,
Quando Deus depôs o manto, o poente soltou
Os anéis do cabelo. Os Celestiais costumam ficar
Indignados, quando alguém, poupando a alma,
Se não contém, ele, porém, tem de fazê-lo; e também
A esse atinge o luto.

[Holderlin, Hinos Tardios, Tradução de Maria Teresa Dias Furtado. Assírio & Alvim]

Rankings escolares segundo os resultados dos exames

A SIC on-line disponibiliza (clicar aqui) um ranking escolar baseado nos resultados dos exames. Salientem-se as seguintes notas:

1. Nos primeiros vinte lugares estão 15 escolas privadas (75%) e 5 escolas públicas. Nos primeiros dez lugares só há uma escola pública, no quarto, isto é, 90% dos melhores resultados são obtidos por escolas privadas.

2. A média de exame da melhor escola é de 13, 96 (Colégio São João de Brito). A melhor escola pública (Infanta D. Maria, de Coimbra) obteve uma média de 13,34.

3. No distrito de Santarém, os melhores resultados são os do CEF, de Fátima, (privado) com uma média de 10,98. A seguir surgem as Escolas Secundárias St.ª Maria do Olival, Tomar, 10,81, Ourém, 10,51, Entroncamento, 10,42, Ginestal Machado, Santarém, 10,42, Sá da Bandeira, 10,41, Alcanena, 10,39, Artur Gonçalves e Maria Lamas, ambas de Torres Novas, 10,30, Solano de Abreu, Abrantes, 10,29, Jácome Ratton, de Tomar, 10,18, Colégio S. Miguel (privado), Fátima, 10,16, Manuel Fernandes, Abrantes, 10,11.

4. A melhor escola obtém uma média que equivale a menos de 70% do máximo possível que poderia obter (20 = 100%). Obtém 69,8%. Note-se bem que o desempenho das melhores escolas é, mesmo nestas, mediano.

5. As escolas de Torres Novas obtêm 51,5% do máximo possível, o que representa um resultado inferior à melhor escola de apenas 18,3 pontos percentuais. Julgo, no entanto, que esta diferença cresceu relativamente ao ano passado cerca de 1 a 2%, mas não pude confirmar.

6. Apesar das diferenças culturais e sociais existentes entre as populações das escolas privadas e das escolas públicas, estas fazem verdadeiros milagres. Pense-se apenas na diferença existente entre a população do S. João de Brito e as das escolas torrejanas.

7. Com excepção das escolas de Santarém, os melhores resultados do distrito concentram-se todos no Ribatejo Norte. Mas se olharmos atentamente para os resultados, descobrimos que são muito semelhantes. Entre o CEF (54,9%) e a Manuel Fernandes (50,6%) há apenas uma diferença de 4,3%.

8. A análise dos resultados do distrito de Santarém mostra o equívoco por onde se estão a lançar várias escolas, país fora. Há um conjunto de dirigentes escolares convencidos de que os resultados escolares estão ligados à gestão das escolas. Baseados neste pressuposto estão a lançar campanhas de burocratização da docência até à exaustão. O que os resultados mostram é outra coisa: o grau menor ou maior de urbanização da população escolar é fundamental para os resultados que se obtêm. Vejam-se os resultados de Santarém em que todas as escolas das zonas mais agrícolas do distrito obtêm médias abaixo de 10 valores.

9. Comentário final: As escolas que estão a intensificar os processos burocráticos, em nome de uma gestão eficiente, estão a roubar os professores aos alunos. O que os alunos das escolas precisam é de experiências culturais e simbólicas intensas e uma transmissão do currículo com seriedade e exigência. Para isso é preciso que os professores se concentrem no seu trabalho: ensinar. A tragédia que se está a desenhar começa a tornar-se clara. Os professores estão a ser desviados do seu trabalho efectivo para tarefas absolutamente irrelevantes para as aprendizagens dos alunos. Temos já escolas com um nível de organização burocrática excepcional, mas que ensinam pouco. Não há tempo. Há um caminho perigoso para os alunos que muitos professores estão a trilhar embalados pelo delírio do eduquês, do sociologês e do economês. As escolas estão a agir e a preocupar-se com o irrelevante.

HEWAVEKAOSINTHEGARDEN

As primeiras referências que vi ao blogue de hoje estavam no Flash de José Luís Ferreira. Demorei algum tempo até chegar ao HEWAVEKAOSINTHEGARDEN. Esta demora é uma questão idiossincrática. Sou lento a perceber, mas deveria ter sido um pouco mais rápido, os «cromos» deste blogue são sempre excelentes, com um humor verrumante que ao perfurar ilumina a natureza das coisas.
O melhor, porém, é ver o que o autor diz do seu próprio blogue: «Se há quem chore de alegria porque não haveremos de rir de tristeza. Todas as imagens deste blog são montagens fotográficas e os textos não procuram retratar a verdade, mas sim a visão do autor sobre o que se passa neste jardim à beira mar plantado neste mundo, por todos, tão mal tratado. A pastar desde 01 Jan 2006 ao abrigo da Liberdade de Expressão.»
Sendo assim, e para que conste e se confirme, o melhor mesmo, se ainda não foi até , é ir agora clicando aqui.
Como professor, sinto-me confortado na visão que este blogue tem de quem governa a educação.

Rankings escolares e a boa política ministerial

O ministério da Educação está de parabéns. Saíram os primeiros rankings dos exames nacionais. Em Português B, os colégios privados ocupam 8 das 10 primeiras posições. Se a ideia é evitar que a escola pública faça frente ao ensino privado de Lisboa, Porto e Coimbra, a coisa está no bom caminho.

Indecisão

Vem tão indeciso o dia, que a noite hesita em partir. Bom dia.

Luz da Normandia - XXVIII




22/10/07

Friedrich Holderlin - Ao Génio Dela

Manda-lhe flores e frutos de abundância inesgotável,
Manda-lhe, amigo Espírito, eterna juventude!
Oculta-a em tuas delícias e não a deixes ver o tempo
Em que ela, a Ateniense, vive solitária e estranha,
Até que um dia, no país dos venturosos, abrace as alegres
Irmãs que imperaram e amaram no tempo de Fídias.

[Tradução do Professor Paulo Quintela]

O BCP e os valores de Antígona

Consta que Jardim Gonçalves terá pago, na integralidade, a dívida do filho ao BCP. Consta também que se terá demitido de todos os cargos no Banco. A história do BCP, nos últimos tempos, é exemplar daquilo que é a cultura dominante em Portugal. Deixe-se de lado pormenores como os da luta para controlo da administração do Banco, deixe-se de lado inclusive o timing da descoberta de créditos aparentemente em desacordo com a lei. O que é importante nesta história não é a questão legal, nem a questão do poder dentro do banco, o que é importante é a cultura subjacente ao que se está a passar.

Para além da cultura de neutralidade, objectividade e racionalidade dos actos de gestão imposta pela lei e propagandeada pelo credo liberal, existe um conjunto de valores que se inscreve no tecido social e que poderíamos denominar como os valores de Antígona. Antígona, na tragédia de Sófocles, estava perante um dilema: obedecer à força da lei política, que a impedia de dar sepultura ao irmão caído no ataque à própria cidade, ou obedecer à lei do coração e do sangue e cumprir os rituais fúnebres e dar descanso à alma daquele que era sangue do seu sangue. Triunfou, em Antígona, a lei do sangue. Ora esta história é uma história do mediterrâneo, é um elemento fundamental das nossas culturas do sul: a proximidade do sangue ou do interesse daqueles que são nossos amigos acaba por se sobrepor à abstracção da lei.

O que se passa no BCP é mais uma manifestação de um velho conflito entre o sentimento quente e familiar e a razão fria e abstracta. Quando o discurso liberal, quando os políticos de serviço, vêm verberar, na Europa do Sul e no mundo mediterrânico em geral, o peso do Estado e os malefícios e inoperâncias desse mesmo Estado e, ao mesmo tempo, incensam a iniciativa privada, estão a falar de cor e mostram a sua profunda ignorância da realidade: a cultura determinante dos comportamentos é anterior, para espanto dessa gente atarantada, à clara diferenciação moderna entre o público e o privado, entre o estatismo e o liberalismo. Se queremos ser honestos, deveremos dizer claramente que o que se passa no Estado, central e local, não é substancialmente diferente do que se passa nas empresas privadas. Tanto num lado como no outro, triunfam os valores de Antígona. É este o drama português: não há racionalidade nem nas empresas nem no Estado. Para onde quer que nos voltemos, lá se encontra Antígona ajoelhada perante o traidor, que era seu irmão.

O pobre Sócrates não teria feito muito do que tem feito, se tivesse um mínimo de leituras e de reflexão pessoal, se tudo aquilo que tem na cabeça não derivasse da moda do dia e do ouvir dizer. Em sociedades dominadas, como a nossa, pelos valores de Antígona, o Estado tem, por vezes, a estranha capacidade de, aqui e ali, promover alguns comportamentos racionais e abstractos de igualdade entre cidadãos. Curiosamente, são esses mecanismos que Sócrates tem vindo a destruir e a devolver a capacidade de decisão àqueles que se regem pelos valores de Antígona: os valores em que quem está em primeiro lugar não são os melhores em abstracto, mas os melhores são aqueles que estão próximos de quem toma as decisões. A destruição do Estado proposta pelos dois grandes partidos portugueses só tem uma consequência: fazer com que os valores de Antígona sejam completamente vitoriosos em qualquer lugar da sociedade. Numa sociedade pateticamente meritocrática como se pretende a nossa, quem são os melhores? Os melhores são os nossos familiares e os nossos amigos, políticos ou outros. E há muitas formas de estabelecer amizades... Como já aqui disse este é um caso digno da Antropologia Cultural.

1° trittico le reveil profond G.Scelsi/Mosino

As fadigas da semana

Um céu tracejado por nuvens indecisas, restos de névoa da madrugada, um sol a anunciar a violência do calor, assim começam as fadigas da semana. Bom dia.

Luz da Normandia - XXVII

21/10/07

Friedrich Holderlin - As Parcas

CONCEDEI-ME UM SÓ VERÃO, PODEROSAS!
E UM OUTONO AO MEU CANTO MADURO,
QUE O MEU CORAÇÃO MAIS PRONTO, DO DOCE
JOGO FARTO, ENTÃO MORRA!

A ALMA, QUE EM VIDA O DIVINO DIREITO
NÃO ALCANÇOU, TAMBÉM NÃO REPOUSA LÁ BAIXO NO ORCO;
MAS SE UMA VEZ O SAGRADO, AQUILO
QUE AO PEITO ME É CARO, O POEMA, ATINGIR,

BEM-VINDO ENTÃO, SILÊNCIO DO REINO DAS SOMBRAS!
CONTENTE ESTAREI, AINDA QUE A LIRA
ME NÃO ACOMPANHE; UMA VEZ
TEREI, COMO OS DEUSES, VIVIDO, E MAIS NÃO PRECISO.

[Tradução do Professor Paulo Quintela]

Bento XVI - A razão grega e a razão crística

Aqui gera-se um dilema, na compreensão de Deus e consequentemente na realização concreta da religião, que nos desafia hoje de maneira muito directa: a convicção de que o agir contra a razão estaria em contradição com a natureza de Deus, faz parte apenas do pensamento grego ou é válida sempre e por si mesma? Penso que, neste ponto, se manifesta a profunda concordância entre o que é grego na sua parte melhor e o que é a fé em Deus baseada na Bíblia. Modificando o primeiro versículo do livro do Génesis, o primeiro versículo de toda a Sagrada Escritura, João iniciou o prólogo do seu Evangelho com estas palavras: «No princípio era o λόγος». Ora, é precisamente esta a palavra que usa o imperador: Deus age «σuν λόγω», com logos. Logos significa conjuntamente razão e palavra – uma razão que é criadora e capaz de se comunicar, mas precisamente enquanto razão. Com este termo, João ofereceu-nos a palavra conclusiva para o conceito bíblico de Deus, uma palavra na qual todos os caminhos, muitas vezes cansativos e sinuosos, da fé bíblica alcançam a sua meta, encontram a sua síntese. No princípio era o logos, e o logos é Deus: diz-nos o evangelista. Este encontro entre a mensagem bíblica e o pensamento grego não era simples coincidência. A visão de São Paulo – quando diante dele se estavam fechando os caminhos da Ásia e, em sonho, viu um macedónio que lhe suplicava: «Passa à Macedónia e vem ajudar-nos!» (cf. Act 16, 6-10) – esta visão pode ser interpretada como a «condensação» da necessidade intrínseca de aproximação entre a fé bíblica e a indagação grega. Ler todo o texto aqui.
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Nada do que é dito neste excerto de Bento XVI é novo. No entanto, o discurso proferido no encontro com os representantes das ciências, na Aula Magna da Universidade de Regensburg [sim, esse mesmo que provocou a polémica com o mundo islâmico], é uma peça fundamental para perceber qual o papel que Bento XVI se atribui a si no xadrez complexo da vida mundial. O que está a ser sublinhado é o importante papel da razão na religião, mas por extensão na vida das comunidades.

Ratzinger representa talvez a última oportunidade para uma Europa em busca de si. Eu sei que muita gente anda preocupada com a moral conservadora da igreja, com a manutenção das conquistas «progressistas» do Vaticano II, com a possibilidade de voltar a missa em Latim, com a ameça que parece vir do Vaticano ratzingeriano contra a proliferação do Kitsch na liturgia e mesmo da cultura pimba, que há muito se apoderou das celebrações religiosas, pelo menos em Portugal. Mas tudo isso é irrelevante.

Bento XVI pensa como chefe da cristandade católica, mas pensa não apenas do ponto de vista religioso, fá-lo também do ponto de vista político. Não que vise uma reinstauração anacrónica de qualquer império. Pensa antes do ponto de vista da necessidade de uma comunidade política, social e económica regida pelos princípios da razão grega. Se João Paulo II foi uma resposta ao marxismo do leste, Bento XVI surge claramente como uma resposta ao niilismo ocidental, à destruição da razão. O que é interessante é que esta resposta de Ratzinger é fundamentalmente o reavivar das grandes conquistas da filosofia de Platão e de Aristóteles e é nestas filosofias da razão que uma parte substancial do cristianismo deverá encontrar a sua estrutura.

O problema que me interessa não é o religioso, mas o político. É aqui que, julgo, joga Ratzinger: a necessidade do Ocidente para permanecer fiel aquilo que é não abandonar de vez o cristianismo. Mas o que significa não abandonar o cristianismo? Significa não apenas o culto da visão crística do homem, mas a necessidade de devolver às comunidades ocidentais uma estrutura racional herdada da velha filosofia política grega.


Teses subjacentes ao que se disse no comentário: não há comunidade política sem religião, não há cidade (polis) sem os seus deuses. Se perdermos os nossos outros virão. Vale mais uma divindade que se manifesta como logos, do que uma divindade que se manifesta na pura arbitrariedade.

Uma noite de Verão

Cintilam ao longe as lâmpadas da noite, iluminam caminhos e terras que nem sei, deixam traços fugidios nas trevas exteriores. O manto negro que vela a terra reina despótico por onde quer que se estenda o olhar, esconde os segredos que o dia revelará, abriga, em seu seio, o ódio dos amantes desavindos. Um calor estival a tudo aquece, fustiga com o seu chicote de aço os corpos cansados, ávidos do frio que virá. Uma noite de Verão cai assim, louca e destemperada, sobre os dias que o Outono deveria dizer estes são os meus dias.

As confissões do Procurador

Há um mistério na vida pública portuguesa. Alguém consegue explicar por que motivo pessoas racionais e comedidas quando chegam ao cargo de Procurador-Geral da República desatam a dizer o que não devem. O actual senhor Procurador acha que há demasiadas escutas em Portugal. É uma opinião, aliás respeitável. Mas confessar que também ele pode ter estado sob escuta só serve para lançar confusão na opinião pública. Será este o fado inerente ao cargo?

Luz da Normandia - XXVI

19/10/07

A Origem da Luz - Cinco

Como posso voltar a esta casa e não ver o fogo?
Sou eu as cinzas, este olhar tão completo.
Todas as ciências me interditaram o puro ver,
montanhas a erguer-se em meus olhos doridos,
cansados, esquecidos na noite dos inúteis ofícios.

Casa branca e fugaz
onde puras e ferozes mãos ecoam,
jogam o destino que em mim se joga. Esqueci-me
das silenciosas perguntas, das faúlhas a ranger
nesta terra azul, na pedra fatigada presa ao céu.

Os mortos jamais me enlouquecerão pela ausência.
Na primavera, brancos cabelos traziam o pólen e o sol
e na água dos tanques nascia uma imagem. Imaginando
era o meu corpo que crescia e a imagem
um espelho de onde fujo para a noite a sangrar.

Jorge Carreira Maia, A Origem da Luz (1981)

Um tratado discreto

Quando olho para a imprensa europeia sinto um certo arrepio. Por que motivo é tão discreta relativamente ao que foi assinado em Lisboa? Será que o que se passa em Lisboa não diz respeito à Europa? Mas uma reacção tão discreta não será o sintoma de que algo está ser escondido, ou toda a gente julgará que se está perante mais uma burocracia irrelevante que nada tem a ver com a nossa vida? Ou será que já só se olha para a Europa como um cadáver adiado?

PINA BAUSCH - LE SACRE DU PRINTEMPS - STRAVINSKI


PINA BAUSCH - LE SACRE
Colocado por birdy66

Jornal Torrejano, 19 de Outubro de 2007

Voltou o Jornal Torrejano, como acontece todas as 6.ªs feiras. Na primeira página, a história do canil intermunicipal quase cheio no dia da inauguração. Destaque ainda para a divisão de opiniões (é o pluralismo) sobre a Feira dos Frutos Secos.
Na opinião, o sempre benvindo cartoon de Hélder Dias, Arqueologia do silêncio, por José Ricardo Costa, A falta de hábitos de trabalho, por Santana-Maia Leonardo, Flexi...deslizando, por Miguel Sentieiro, Desenvolvimento rural, por José Trincão Marques, Sucessão, por Carlos Henriques e A formação do animal, por este blogger de triste figura.
Prontos, como se diz, a coisa está feita e há que ir à vidinha, que é como quem diz... Aqui não se usa lugares comuns, frases feitas e clichés.

A luz da madrugada

O Sol ainda não chegou, mas a luz da madrugada anuncia-o vitorioso. As potências da noite retornam à sua morada eterna. Bom dia.