Avaliações e sociologias nacionais
Por causa deste post do Zé Ricardo, lembrei-me de uma coisa bem interessante. A revolta dos professores portugueses contra o modelo chileno de avaliação importado pelo governo, o longo conflito com o ministério da Educação, as manifestações que mobilizaram grande parte da classe, por vezes a rondar a unanimidade, tudo isso ainda não encontrou uma palavra séria que se ouvisse dos sociólogos, desses arautos dos movimentos sociais, desses estudiosos das mudanças e das resistências no social. Se há coisa que deve valer a pena estudar, ao nível da sociedade portuguesa, é a resistência que os professores portugueses têm oposto à barbárie educacional trazida pelo governo. Parece, porém, que os nossos sociólogos só se interessam por estas coisas quando se passam no estrangeiro. Ou então não querem olhar para o trabalho político da sua colega. Em Portugal até a ciência se faz segundo os conhecimentos. Ou será que estão todos comprometidos, mesmo que seja apenas pelo silêncio, em promover a mudança social por decreto-lei e ameaça disciplinar? Uma classe inteira na rua parece fenómeno sem importância aos nossos estudiosos do social.
3 comentários:
Há muito que faltava neste blog o visco da sanha anti-sociologia, sempre bem nutrida, como todas as sanhas, verdade seja dita, num sabor a desespero de que pouco se percebe a origem, nem tal parece importante, desde que fel se destile, uma óbvia atitude filosófica. Não vou cair na indelicadeza de citar a JCM estudos e textos de opiniões que, segundo parece o fariam feliz, mas olhe que os há, talvez ande um pouco distraído.
Já agora, nada me leva a defender os sociológos, para lá do que nos leva, com alguma decência, a olhar para qualquer lapidação a que se condene alguém pelo simples facto de existir.
Já agora, parte II, nada tenho contra os professores, muito pelo contrário, que, muitas vezes, têm sido heróicos no seu labor e na sua contestação. Porém, não posso deixar de, se tal me for permitido, acrescentar um ponto nessa análise desejada: para lá de tudo o que se possa realçar na visibilidade da luta dos professores, não seria de estudar a espantosa diferença entre as esmagadoras centenas de milhar de participantes em manifestações e greves e as escassas dezenas de milhar que assumiram até ao fim o seu propósito de contestar a política ministerial, arriscando a não entrega de objectivos.
Claro que muito mais milhares vociferaram, radicalizaram, extremaram as suas posições. Mas na hora de concretizar a revolta, todas as razões servem para, com subtis guinadas, agulhar outros sendeiros: ou porque a luta esmoreceu e já não conduzirá a nada, ou porque todos os outros também se manifestarm e depois entregaram os objectivos e eu..., ou porque...
Na verdade, um bom acrescento à tão pretendida análise sociológica.
E fim a este humilde contributo, sem sanha alguma pela filosofia, desde que os seus intérpretes se não percam nas suas.
JB Lemos
Caro JB Lemos,
Costumo dizer aos meus alunos que, contrariamente ao que Platão defendia - e eu de certa maneira sou um platónico - os filósofos não se devem imiscuir, enquanto actores, na política. Os filósofos pensam, os políticos agem e governam. Esta é a natureza das coisas. O que tem isto a ver com o seu comentário. Tem muito.
Eu não tenho nenhum preconceito contra a Sociologia. Ela tem autores estimados e estimáveis, que leio com prazer. Eu sei que uso propositadamente um discurso hiperbólico e que houve sociólogos que, em Portugal, não alinharam, nem de longe nem de perto, com as posições de Lurdes Rodrigues.
Mas veja a coisa de outro ponto de vista. Eu já levei em cima, enquanto professor - e pode crer que levo a minha profissão muito a sério e não brinco nas aulas - com Santos Silva, Ana Benavente, David Justino, Lurdes Rodrigues, Jorge Pedreira (isto, para não falar do famoso estudo do prestigiado sociólogo João Freire sobre a carreira docente). São aqueles que me lembro assim do pé para a mão. Todos sociólogos, todos com ideias mirabolantes sobre a educação. Começa a ser demasiada coincidência, não acha?
Os meus comentários hiperbólicos sobre a sociologia começaram, tanto quanto me lembro, com uma intervenção da ministra Lurdes Rodrigues num congresso de sociologia, o último, julgo, onde ela falava da relação útil entre a sociologia e o poder.
Ora o que me aborrece é que a sociologia tem estatuto de ciência, e que há sociólogos que o usam para legitimar opções meramente ideológicas, opções filosóficas, digamos assim. O caro leitor tem alguma razão, mas julgo que não está a compreender o essencial da minha posição: a crítica à utilização ideológica de algo que tem estatuto e prestígio de ciência. Já não quero discutir se, de facto, a sociologia é ciência ou mera ideologia travestida de ciência. É outro assunto.
Vou dar-lhe um exemplo. Talvez se lembre ainda, quando o conflito entre a ministra da educação e os professores começou, de um texto de E. Prado Coelho. Ele dizia que confiava na ministra pois ela era socióloga e estaria muito atenta a certas dimensões simbólicas do social, etc. Veja como um homem inteligente fez um juízo desses apenas fundado no prestígio científico da disciplina.
Voltemos aos filósofos fora da política e do poder. A filosofia é claramente ideologia, uma ideologia requintada e sofisticada, fundada em processos retóricos diversificados e subtis. Ela ajuda-nos a pensar a existência, mas apesar das pretensões dos filósofos, não nos dá a verdade, dá-nos que pensar e pensar criticamente, mas não mais do que isso. Quando a filosofia se mistura com o poder, temos uma desgraça certa.
Esse afastamento da política, que preconizo para os filósofos, é aquilo que eu acho que deveria acontecer com os sociólogos de profissão. Deveriam estar fora da política. Estudam a sociedade e como tal devem olhar para ela sem tentações de a corrigir. Os actores sociais, expressão horrível, que ajam, enquanto eles estudam o desenrolar do processo social. A perversão está na tentação de muito sociólogos em "melhorar" a sociedade ou em produzir o social por decreto, legitimando as suas pretensões com o conhecimento "científico" que possuem.
Sobre a luta dos professores, acho que merece ser estudada, embora se possa descobrir que existem várias coisas lá dentro. Por exemplo, eu não me preocupo em ser avaliado nas minhas aulas, embora acho ridículo o processo encontrado. Mas, por exemplo, aborrece-me, até mais não, ter de constar na minha avaliação a "relação com a comunidade". Eu posso ser um excelente professor e ter uma péssima relação com a comunidade. E depois? Mas este é um ponto que os sindicatos aceitam, aliás de que gostam muito, mesmo e a que muitos professores não se opõem. Isso é uma coisa que me deixa imediatamente indisposto. Tudo isso mereceria estudo de alguém que olhasse de forma independente, para que se compreendesse o que está em questão.
Cumprimentos,
JCM
Gostei de ler a sua resposta, mas permita-me o gosto de a contradizer, não muito, só um pouco:
- Acredito que julgue acreditar não ter preconceito algum contra a Sociologia e que essa sua postura apenas se deve aos desvarios de Maria Lurdes Rodrigues. Mas logo de seguida alinha, qual fila de identificação criminal, meia dúzia de nomes, efectivamente ligados à Sociologia. Esquece, porém, com assinalável facilidade, que apenas três foram (são) ministros e com a mesma facilidade olvida a chusma de engenheiros, físicos, químicos, advogados e economistas que pulularam pela pasta educativa. Já para não falar dos formados em Filosofia ou Histórico-Filosóficas. Selectividade mnemónica, é sempre bom ter à mão…
Penitencio-me de não saber a origem dos seus comentários hiperbólicos sobre a Sociologia, tomando por boa a sua indicação, embora me pareça, e perdoe-me a presunção, que tem laivos de recalcamento bem mais antigo. Não é, no entanto, o destino de um qualquer representante (ou meia dúzia que seja) de uma ciência ou pseudociência ou outra actividade humana que seja, que me leva a confundir, como diz, brejeiramente mas com muito tino Mário de Carvalho, o Manuel Germano com o género humano. Não é pelos transtornos ou delírios de meia dúzia de filósofos que vou pôr em causa o papel de charneira que a filosofia tem na formação do ser humano.
O que o aborrece é o facto de sociológos haver que desmerecem o estatuto da sua disciplina. Também aborrece, verdade seja dita, o uso do nome de um intelectual honesto como Eduardo Prado Coelho para corroborar a sua opinião, esquecendo posições posteriores do mesmo, já não tão ingénuas, quanto à envergadura intelectual da ministra. O que está em causa não é a disciplina mas a sua intérprete.
Enfim, e para o não maçar mais, se posso, em tese, concordar com o afastamento de filósofos e sociológos (e quantos mais?...) do poder, que não da política, é bom encará-los, quando lá estão, apenas como agente do poder, sob pena de criar anátemas apenas justificadores de fins que não olham a meios.
E já agora, na mesma linha, um breve aguilhão: creio profundamente que leva a sua profissão muito a sério e que não brinca nas aulas. Está a um pequeno passo de dizer que põe essa sua linha de actuação acima de tudo. E é isso que me assusta, as pessoas que põem qualquer coisa acima de tudo, a postura profissional, a religião, o partido, o clube, o jogo ou qualquer devaneio. Por mim, sinto-me mais seguro com quem não tem essa necessidade de afirmação, pois posso confiar um pouco mais (por pouco que seja) que, chegado um qualquer momento de intensidade dramática, não serei traído de forma tão pronta e alacre.
Bem haja
JB Lemos
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