30/06/07

Bocage 05 - À lamentável catástrofe de D. Inês de Castro

Da triste, bela Inês, inda os clamores
Andas, Eco chorosa, repetindo:
Inda aos piedosos Céus andas pedindo
Justiça contra os ímpios matadores.

Ouvem-se inda na Fonte dos Amores,
De quando em quando as náiades carpindo;
E o Mondego, no caso reflectindo,
Rompe irado a barreira, alaga as flores.

Inda altos hinos o Universo entoa
A Pedro, que da morta formosura
Convosco, Amores, ao sepulcro voa.

Milagre da beleza e da ternura!
Abre, desce, olha, geme, abraça e c’roa
A malfadada Inês na sepultura.

Um leve equívoco do Dr. Soares

O Dr. Mário Soares diz que o Governo deveria ter evitado a polémica no caso do Centro de Saúde de Vieira do Minho. Certo, completamente certo. O que não está certo é a justificação que dá. Não é por isso ser prejudicial ao governo que não deve ser feito. É por ser prejudicial aos portugueses, à liberdade e à decência. Era bom que o Dr. Soares se lembrasse dos bons velhos tempos em que foi o arauto da liberdade em Portugal e dissesse claramente que é inaceitável o comportamento do seu partido, naquilo que toca à liberdade de opinião e de expressão. Talvez fosse bom explicar a Sócrates e a outros o que significa moralmente a delação e o que são bufos. Nada de equívocos.

Joan Baez - Sweet Sir Galahad



Então, voltemos à música às quartas e concluamos as ilustrações das artistas apresentadas. Falta a Joan Baez, de quem se apresentou o álbum Gracias a la Vida. Ora o vídeo não diz respeito a esse álbum, mas à actuação de Baez no Woodstock, em 1969. Pode imaginar o que por lá se passava. Enquanto a pobre Baez cantava, andava aquele maralhal todo a rebolar-se na lama, nus, claro, e a drogar-se, que aquilo era uma verdadeira concentração de gente da pesada, junkies, julgo que era assim que a literatura da época, literatura de divulgação, entenda-se, lhe chamavam. O interessante de tudo isto é fazer conexões. Por exemplo, imaginar o cruzamento desta gente e do pessoal do Maio de 68. Depois, traçar-lhe o percurso, percurso esse anti-autoritário, claro, e ver como tendo chegado ao poder, o mundo que fizeram.

Metamorfose VI

29/06/07

Bocage 04 - Aspirações do Liberalismo, excitadas pela Revolução Francesa...

Liberdade, onde estás? Quem te demora?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia?
Porque (triste de mim!) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora?

Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh! Venha… Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora!

Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade,
E em fingir, por temor, empenha estudo.

Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, ó Liberdade!

Tito Schipa - Una Furtiva Lagrima (1929)



Uma pessoa tem de fazer qualquer coisa pela reputação. Depois daquele deslize do Gianni Morandi, tenho agora de salvar a imagem com um vídeo de um grande tenor. Mas atenção, só haverá redenção se estiver muito para além daquela pirosice dos 3 tenores. Não chegaria remeter para Kraus, o Alfredo, catalão, nem tão pouco para o argentino Mario Lanza. Se Morandi é italiano, então que venha de lá um tenor italiano. Oiça-se assim o grande Tito Schipa. Penso que actuou várias vezes no S. Carlos. E assim vamos de "Non so degno di te" para "Una Furtiva Lagrima", do L'Elisir d'Amore, de Donizetti.

Música para o fim-de-semana: Emmanuel Nunes – Quodlibet

Mantenhamo-nos na área da música erudita contemporânea. Depois de Luigi Nono, o português Emmanuel Nunes. O compositor nasceu em Lisboa em 1941, onde estudou harmonia e contraponto. Mudou-se para Paris em 1964. Frequentou o Darmstädter Ferienkurse für Neue Musik (1963-1965) e estudou na Reinische Musikschule de Colónia (1965 – 1967). Estudou composição com Henri Posseur e Karlheinz Stockhausen, música electrónica com Jaap Seek e fonética com Georg Heike.

O CD resulta da gravação de uma encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian, para os Encontros de Música Contemporânea, entretanto extintos.

Quodlibet para seis percussionistas, vinte e oito instrumentos e orquestra é uma obra dividida em 12 partes. Foi escrita entre 1990 e 1991. É interpretada pela Orquestra Gulbenkian, dirigida por Emílio Pomárico, e pelo Ensemble Modern, dirigido por Kasper Roo.

Monty Python - International Philosophy (Spanish sub)



Eis a natureza da Filosofia. O próprio Marx aparece travestido de filósofo, pouco interessado na praxis. Não percebo é o que está a fazer Beckenbauer no meio de um jogo de futebol. Talvez seja apenas o sintoma de uma corrupção. Corrupção que se afirma com a presença, no lado dos gregos, de Arquimedes. Não fosse ele ter dado aquele triste «eureka!» e nada se teria passado no jogo. Foi assim que ele corrompeu Sócrates e deu inicío à acção, atraiçoando a sua natureza filosófica e contemplativa, isto é, de praticante do ócio. Vídeo recomendado para início das aulas de Filosofia, no 10.º ano, como motivação das crianças, claro.

João Gonçalves - Não Vai Acabar Bem

Correia de Campos é o último protagonista - com efeitos retroactivos - de mais uma demonstração do absolutismo democrático da "esquerda moderna". As gentes da liberdade que ainda restam no PS deviam pronunciar-se acerca deste trauliteirismo sistemático e institucional. No meu jargão, quem não tem sentido de humor, possui um défice intelectual. Já ontem, Correia de Campos tinha dado mostras de algum por causa da utilização a dar a medicamentos excedentários. "Dê-os aos pobrezinhos", disse Campos como se estivesse na Coreia do Norte. E são eles que vão presidir à União Europeia a partir de domingo. O ambiente está cada vez mais pesado. Isto não vai acabar bem.
Publicado por João Gonçalves, ontem, no portugal dos pequeninos.

Jornal Torrejano, 29 de Junho de 2007

Os espólios de Keil do Amaral e de António Lobo Antunes parece que vêm para Torres Novas. Boas notícias para os torrejanos. Menos boa é a da dívida da autarquia, que é uma das maiores do país, mas, valha a verdade, existe muita obra para mostrar, quer se goste, quer não (já sei que haverá por aí alguém a pensar que isto é opinião de um apoiante do Presidente da Câmara, o que é verdade (acho que o presidente é um bom presidente), mas os factos não deixam de ser factos e eu como apoiante também não sou lá grande coisa). Tudo isto e muito mais pode ser lido aqui. Mas se o que quer mesmo é ler a opinião, então vá directamente até . Esta semana, temos o cartoon a cores de Hélder Dias e as crónicas de José Ricardo Costa, Jorge Salgado Simões, Ivone Mendes e deste humílimo blogger, que, para além da crónica habitual, viu, com o seu assentimento dado a priori (isso mesmo, como os juízos sintéticos do Kant), transformado um post do blogue em crónica. Coisa dos tempos modernos. Fica aqui a gratidão pela gentileza da direcção do JT.

Metamorfose V

28/06/07

Bocage 03 - Recordação de Fílis

A loira Fílis, na estação das flores,
Comigo passeou por este prado
Mil vezes; por sinal, trazia ao lado
As Graças, os Prazeres e os Amores.

Quantos mimos então, quantos favores,
Que inocente afeição, que puro agrado
Me não viram gozar (oh doce estado!)
Mordendo-se de inveja, os mais pastores!

Porém, segundo o feminil costume,
Já Fílis se esqueceu do amor mais terno,
E com Jónio se ri de meu queixume.

Ah! se nos corações fosses eterno,
Tormento abrasador, negro Ciúme,
Serias tão cruel como os do Inferno!

Gianni Morandi - Non Son Degno Di Te (Legendado)


A promessa vai sendo cumprida. Parece que o tal Abimael é uma fonte inesgotável de tesouros. Há uma diferença entre o Kitsch e o Pimba. Não sei o que mais gosto neste vídeo. Será da fabulosa letra, que as raparigas do meu tempo sabiam de cor? Será do estilo assertivo do cantador? Enfim, o passado é um tempo de trevas. E é assim que um pobre blogger de cariz intelectual da cabo da sua já paupérrima reputação. "Ai daquele que não se ri de si mesmo..." Continuaremos.

Moderação de comentários em A Ver o Mundo

O blogue «A Ver o Mundo» activou a moderação dos comentários, até hoje inteiramente livres. Não é que os parcos leitores e os ainda mais parcos comentadores alguma vez se tenham excedido. Pelo contrário, foram sempre de inexcedível correcção. Os tempos, porém, estão perigosos. Há gente entusiasta e há gente maldosa. Num tempo em que a delação cresce e a perseguição por delito de opinião parece tornar-se a norma, há que ter algumas cautelas.

Favoráveis ou desfavoráveis, críticos ou não, todos os comentários serão publicados, desde que não contenham ofensas pessoais a quem quer que seja. Digamos, é uma precaução recomendável.

Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay.

Agora uma médica

Público on-line: «Directora de centro de saúde demitida por não retirar cartaz “jocoso” sobre Correia de Campos.» Esta demissão é feita por despacho do próprio Correia de Campos. Eis a nova política dos socialistas perante a liberdade de opinião. O caso Charrua não foi um acaso ou acidente, foi uma revelação do desprezo que os socialistas no governo têm pela liberdade de expressão. Estamos perante a sacralização dos governantes. Uma crítica ou uma permissão de crítica e, se houver poder para isso, a pessoa é perseguida. Mas não foi isto que o mundo islâmico fez aos autores dos cartoons sobre o profeta? Eis o esplendor do socratistão.

Metamorfose IV


27/06/07

Bocage 02 - Sonho

De suspirar em vão já fatigado,
Dando trégua a meus males, eu dormia;
Eis que junto de mim sonhei que via
Da Morte o gesto lívido e mirrado.

Curva fouce no punho descamado
Sustentava a cruel, e me dizia:
- «Eu venho terminar tua agonia;
Morre, não penes mais, oh desgraçado!»

Quis ferir-me, e de Amor foi atalhada,
Que armado de cruentos passadores
Aparece e lhe diz com voz irada:

- «Emprega noutro objecto os teus rigores,
Que esta vida infeliz está guardada
Para vitima só de meus furores.»

O princípio de escravatura

Está de novo em cima da mesa a revisão da legislação laboral. O que se poderá esperar desta nova revisão? Em primeira lugar, a retórica sobre a sua inelutável necessidade. Sem ela, dir-se-á, as empresas não empreenderão e os trabalhadores, coitados, ficarão prejudicados. Foi isso que ocorreu há 4 anos. Os resultados estão à vista. Em segundo lugar, as condições de trabalho por conta de outrem piorarão e facilitarão a arbitrariedade de uma das partes. O processo de revisão da legislação laboral só terminará quando for decretada a escravatura. Até lá, não haverá descanso. E depois, também não.

Música às quartas - 6 Ute Lemper, But One Day...

Para hoje uma cantora de cabaret. Bom, não é bem de cabaret, mas de alguém que gosta de interpretar música de cabaret. Ute Lemper surge como uma espécie de sombra contemporânea de Marlene Dietrich. A sua carreira tem sido um tributo a Dietrich, mas também a kurt Weil, Edith Piaf, Jacques Brel.

O álbum de hoje é “But One Day”, de 2002, editado pela Decca. Tem múltiplos motivos de interesse. Encontramos canções da própria cantora (música e letra), mas também música de Astor Piazzolla, Kurt Weil, Jacques Brel, Werner Heynmann, Hans Eisler. Nos textos, há entre outros Bertold Brecht.

Quatro sugestões: Buenos Aires (Piazzolla/Ferrer); Spetember Song (Weil/Anderson) Speak Low (Weil/Nash); Amsterdan (Brel. Versão inglesa).

Mais abaixo uma ilustração de Ute Lemper, numa canção que não faz parte deste álbum, “Lili Marleen”.

Ute Lemper - Lili Marleen

Hannah Arendt e a crise no ensino

«A segunda ideia-base a tomar em consideração na pre­sente crise tem a ver com o ensino. Sob influência da psi­cologia moderna e das doutrinas pragmáticas, a pedagogia tornou-se uma ciência do ensino em geral ao ponto de se desligar completamente da matéria a ensinar. O professor — assim nos é explicado — é aquele que é capaz de ensi­nar qualquer coisa. A formação que recebe é em ensino e não no domínio de um assunto particular. Como veremos adiante, esta atitude está, naturalmente, ligada a uma con­cepção elementar do que é aprender. Para além disso, esta atitude tem como consequência o facto de, no decurso dos últimos decénios, a formação dos professores na sua pró­pria disciplina ter sido grandemente negligenciada, sobre­tudo nas escolas secundárias. Porque o professor não tem necessidade de conhecer a sua própria disciplina, acontece frequentemente que ele sabe pouco mais do que os seus alunos. O que daqui decorre é que, não somente os alunos são abandonados aos seus próprios meios, como ao pro­fessor é retirada a fonte mais legítima da sua autoridade enquanto professor. Pense-se o que se pensar, o professor é ainda aquele que sabe mais e que é mais competente. Em consequência, o professor não autoritário, aquele que, con­tando com a autoridade que a sua competência lhe poderia conferir, quereria abster-se de todo o autoritarismo, deixa de poder existir.»

Hannah Arendt, "A Crise na Educação". Tradução de Olga Pombo, in Olga Pombo (org.), Quatro Textos Excêntricos. Relógio d’Água (2000).

Isto foi escrito há 50 anos. Arendt referia-se à crise do ensino norte-americano. Nos anos 80, quando todo o descalabro provocado pela pedagogia, pela psicologia e pelas ciências da educação era coisa velha nos EUA, Portugal enviou um generoso grupo de professores para Boston, onde fizeram uma espécie de mestrado, que permitiu a esse grupo de pessoas, a pouco e pouco, assenhorear-se, ideológica, política e praticamente, da educação em Portugal. Foi assim que importámos todo o lixo que gerou a confusão enorme que é o sistema educativo português. Lixo, porque nos anos 50 já toda essa ideologia era vista como responsável pela crise do ensino americano. E essa gente é tão poderosa, os seus interesses são tão fortes, que só podemos esperar, a cada ano que passa, que tudo piore.

Metamorfose III

26/06/07

Bocage 01 - Retrato Próprio

Magro, de olhos azuis, carão moreno.
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

De Rerum Natura

Um blogue sobre a natureza das coisas. É uma presunção. Quem disse que as ciências e os cientistas falam da natureza das coisas? Melhor, quem disse que as coisas têm uma natureza? Ainda melhor, quem disse que existem coisas e naturezas? Tudo presunções. Mas, presunção ou não, o blogue De Rerum Natura (nome herdado do livro do velho Lucrécio, Tito Lucrécio Caro, séc. I a. C.) é do que há de melhor na nossa blogosfera. Quem são os naturais da coisa? Carlos Fiolhais (físico), Desidério Murcho (filósofo), Helena Damião (pedagoga, seja isso o que for – este aparte era escusado), Jorge Buescu (matemático), Palmira Silva (química), Paulo Gama Mota e Sofia Araújo (biólogos).

Muita divulgação científica, umas vezes séria, outras divertida, mas também alguns aspectos idiossincráticos muito marcados. Por exemplo, o combate ao criacionismo – uma doença americana que quer substituir o darwinismo pelo criacionismo bíblico, travestido de design inteligente. A intervenção filosófica vem nos modos da filosofia insular, isto é, de inspiração anglo-saxónica, com as suas austeras virtudes e os seus amplos defeitos. Depois, há a crítica ao eduquês, que é como quem diz ao desvario que tomou conta da educação no mundo ocidental, Portugal aí inscrito e altamente militante.

Quem gostar de intervenções inteligentes, então faça o favor, passe por lá, quero dizer, por aqui.

Janis Joplin - Mercedes Benz



Para ilustrar o post, de há semanas, sobre Janis Joplin, aqui fica um vídeo. É um dos êxitos de Joplin. Enfim, continua actual, embora ainda não haja tantos Porsches quanto isso. Quanto a Mercedes, estamos conversados. É coisa que não falta por aí. Pena é que já não sejam Benz. Uma coisa é Mercedes, outra é Mercedes-Benz. Benzamo-nos, então, e oremos: Oh lord, wont you buy me a mercedes benz ? / My friends all drive porsches, I must make amends./ Worked hard all my lifetime, no help from my friends, / So lord, wont you buy me a mercedes benz ?

João César das Neves - A REALIDADE VIRTUAL DO MUNDO EDUCATIVO

“Esta auto-suficiência conceptual da educação é a principal chave para as causas da derrocada. O ensino constitui um mundo isolado, com regras próprias, onde se pode funcionar longamente sem contacto ou relação com a realidade concreta. Qualquer parvoíce pode surgir como "método pedagógico" e, se abstrusa, até ganha excelência, pois as teorias educacionais já justificaram tudo e o seu contrário.O Ministério da Educação português é um bom exemplo de como um sistema autodeterminado pode disparar em sentidos impenetráveis e incoerentes. A sucessão de repetidas reformas, mesmo que justificadas individualmente, criou um conjunto inconsistente e delirante, que hoje até gasta fortunas em testes a fingir, que avaliam aos bochechos.A coisa só não é pior devido à única inelutável realidade que se impõe na sala de aula: a cara do aluno. Muitos profissionais competentes, sentindo-se responsáveis perante a turma que enfrentam, esforçam-se por ensinar alguma coisa às pobres cobaias das reformas, muitas vezes contra as mesmas reformas. Se não fosse isso, a catástrofe seria definitiva. Mas o Ministério da Educação tem de ser incluído entre os maiores inimigos do desenvolvimento nacional. Uma potência estrangeira que quisesse sabotar o nosso progresso dificilmente faria pior.”

Para ler o artigo completo, no Diário de Notícias, clicar aqui.

Metamorfose II


25/06/07

Naufrágios - 6. Claro

Claro,
luminoso e sério;

abria a vida pela porta do tédio.

[Micropoemas, "Naufrágios"]

Naufrágios & Bocage

Com “Claro” termina a publicação do ciclo «Naufrágios», de Micropoemas. Amanhã iniciar-se-á uma viagem pelos sonetos de Elmano Sadino, que é como quem diz Manuel Maria Barbosa du Bocage, o irrequieto vate setubalense, a outra face da moeda, o lado negro da claridade camoniana.

Francisco José - Olhos Castanhos



Continuamos na senda do kitsch? Paciência. Mas não será a memória uma manifestação desse kitsch? Quem não o sentiu já ao olhar as imagens do passado que uma fotografia nos devolve? Ora este vídeo, criação de um tal Abimael, combina o som da rádio, som que eu tantas vezes escutei na minha infância, com uma montagem de fotografias de Ava Gardner, elas sim, nada kitsch. A série e o kitsch, por certo, continuarão…

Discurso do filósofo Luc Ferry, no Porto

Uma intervenção interessante de Luc Ferry sobre o zeitgeist, o espírito do tempo. Mesmo que não se acompanhe as conclusões, explícitas ou implícitas, do autor, a síntese que faz do nosso tempo merece ser escutada e pensada. O papel do medo, por exemplo, nas nossas sociedades e na vida política é lido como contraponto da impotência política. Mas é esta impotência política que mereceria discussão. É provável que a forma como Ferry vê essa impotência não seja a mesma que outros vêem. Mas oiça-se a conferência, repartida em 4 vídeos.

Discurso do filósofo Luc Ferry no Porto (1)

Discurso do filósofo Luc Ferry no Porto (2)

Discurso do filósofo Luc Ferry no Porto(3)

Discurso do filósofo Luc Ferry no Porto (4)

Metamorfose I

24/06/07

Naufrágios - 5. Coração

Coração
sôfrego e inútil;

do corpo, a alma dúctil.

[Micropoemas, "Naufrágios"]

Meredith Monk - Doll's Head in Water

O post de 30 de Maio "Música às quartas - 2. Meredith Monk, Volcano Songs" não tinha ilustração sonora. A que se apresenta não pertence ao álbum "Volcano Songs", mas é uma boa entrada na música de Meredith Monk.

Tempos de chumbo para a liberdade

Leia-se António Barreto, na crónica de hoje, no Público, sobre o problema da liberdade. Depois de elencar leis, medidas e gestos deste governo, afirma: «É uma intenção, é uma estratégia, é um plano minuciosamente preparado e meticulosamente posto em prática. Passo a passo. Com ordem de prioridades. (…) E toda a vida pública será abrangida. Não serão apenas a liberdade individual, os direitos e garantias dos cidadãos ou a liberdade de expressão que são atingidos. Serão também as políticas de toda a espécie, as financeiras e as de investimento, como as da saúde, da educação, administrativas e todas as outras.» Tempos de chumbo para a liberdade.

Veludo, sedas e musgos

23/06/07

Naufrágios - 4. Som

Som,
terra fugidia;

pela noite, ergue-se já o meio-dia.

[Micropoemas, "Naufrágios"]

A vingança social contra os professores

As políticas educativas, em muitos países ocidentais, destinam-se a tentar resolver a contradição assinalada num post de ontem (ver, Uma contradição no mundo do consumo) e que corrói as sociedades modernas. Na generalidade desses países, existem dois sistemas de educação. Um sistema público, onde os níveis de exigência científica, impostos politicamente, são baixos e onde as regras comportamentais são lassas, permissivas, onde as emoções e o desejo prevalecem sobre a razão. Este sistema é para aqueles que não têm dinheiro ou não estão nos «sítios correctos». Ao mesmo tempo, há colégios particulares, legitimados pela liberdade de ensinar, onde as elites políticas, sociais e culturais, colocam os seus filhos.

As mesmas elites que se batem politicamente por uma escola permissiva, que não admitem o rigor e a exigência, que fomentam a pedagogice piegas e «compreensiva», na escola pública, querem para os seus filhos escolas rigorosas, exigentes, pouco dadas às «inovações» pedagógicas, escolas com valores tradicionais, onde os alunos vão vestidos de forma conservadora, não há «beijinhos» e «marmelada» em público ou em privado, nem lugar para a compreensão e aceitação de comportamentos indisciplinados.

Porque será? Fundamentalmente, para tentar preparar as novas gerações dirigentes, sem que estas passem pela educação para consumir que é imposta aos filhos da maioria, ou pelo menos para a atenuar. É neste âmbito que se deverá ler, hoje em dia, a preocupação de certas instituições religiosas que ministram o ensino.

Aquilo que se está a passar em Portugal, há já muitos anos e agora com mais vigor, é uma das formas de discriminação suave e doce (toda a gente tem acesso ao bem da educação) mais abjectas. As elites com acesso ao poder não recuam um milímetro na construção de um edifício escolar baseado numa «espécie» de aprendizagem, onde a vida escolar é uma «espécie» de magazine. Que isto não se tenha tornado claro muito mais cedo, deve-se aos professores, casta conservadora, que têm evitado o pior e, apesar das difíceis condições em que têm trabalhado, têm conseguido manter viva a chama da igualdade de oportunidades dentro do sistema educativo e da sociedade democrática.

É neste âmbito que deve ser lida a investida das elites portuguesas, através do Ministério da Educação, contra os professores da escola pública. Não se lhes perdoa que tenham ensinado, não se lhes perdoa que tenham enviado alunos das camadas mais baixas para as melhores universidades. Isso paga-se. É isso que está a acontecer. Através do governo do Partido Socialista assiste-se a um acto de vingança social contra os professores portugueses. É evidente que esta vingança social não aparece como é. Pelo contrário, surge embrulhada numa ideologia delicodoce de defesa da escola pública, de igualdade de oportunidades, enfim como um grande embuste ideológico (ver aqui ideologia à maneira marxiana, como consciência invertida). É esta tarefa moralmente degradante e politicamente injusta que coube aos actuais governantes.

Luís Piçarra - Ser do Benfica

Apesar do "slideshow" já pouco me dizer - tenho dificuldade em reconhecer o meu Benfica naqueles jogadores - este êxito de Luís Piçarra é eterno e glorioso como o Benfica. Um pouco Kitsch, dirá o leitor mais erudito ou dado às sportinguices. É um facto, mas na alma benfiquista há também lugar para o kitsch. Não somos um clube de possidónios. Somos lampiões. Mas quem foi o mais aristocrático dos presidentes de clube em Portugal? António Borges Coutinho, do Benfica, claro. Em sua memória, oiçamos de novo o Luís Piçarra.

O novo estatuto dos jornalistas

A limitação do sigilo profissional e os poderes atribuídos pelo Governo à Comissão da Carteira Profissional para sancionar os jornalistas são duas medidas legislativas cujo fim é diminuir efectivamente a liberdade de informar. Este problema não diz respeito apenas aos jornalistas. Diz respeito a todos os cidadãos e o novo estatuto dos jornalistas é, como outros novos estatutos promovidos por este governo, um atentado à liberdade. Não compreendo como os velhos socialistas, aqueles que se bateram pela liberdade, assistem calados à construção de um estado policial e duma democracia com restrições cada vez maiores à liberdade de expressão.

Novas oportunidades para o hóquei

Há coisas que não podem acontecer. Então, não é que a nossa selecção nacional de Hóquei em Patins conseguiu ficar em sexto lugar, leu bem, no Mundial da modalidade. Já não faltava a economia não arrancar, a contestação ao aeroporto da Ota, a inspiração do Eng.º Lino, agora até o hóquei é o que é. Ficar em sexto e perder com a França, equipa que por tradição mal sabe patinar, é que não lembra ao diabo. Começo a ter pena do Eng.º Sócrates, ele tão moderno, tão armani, e nada a ajudá-lo. Tenho uma ideia: receba a equipa e, no âmbito das novas oportunidades, reconheça-lhe as competências e atribua-lhe o título de campeã mundial.

Pedras, luz e sombra


22/06/07

Naufrágios - 3. Morte

Morte,
sombra de marfim;

no corpo, silêncio sem fim.

[Micropoemas, "Naufrágios"]

Uma contradição no mundo do consumo

Luc Ferry faz notar uma clivagem que atravessa certos sectores da direita liberal. Por um lado, protestam contra a desordem que atingiu a vida moral e social, nomeadamente as novas gerações. A deseducação, o desconhecimento das regras sociais, mas também das regras gramaticais e sintácticas. No mundo de hoje, os valores entraram em colapso. Mas Ferry chama atenção que todo esse colapso foi necessário para que as novas gerações se tornassem gerações de consumo. A ética anterior, onde esses liberais foram educados, era profundamente anticonsumista e reprovadora dos comportamentos que, hoje em dia, são instigados pelos dirigentes das empresas.

A elite empresarial, nomeadamente a casta dos gestores, vive dilacerada entre a nostalgia dos «velhos» valores conservadores, e o seu papel de revolucionários permanentes, cuja função é destruir e desestruturar, através da «inovação», a vida social, para que as pessoas se sintam coagidas (aplico a palavra no seu efectivo sentido) a consumir cada vez mais, os lucros das empresas cresçam e os seus honorários subam.

Mas a contradição efectiva não se encontra na subjectividade dilacerada da casta dos gestores. Não é o antagonismo afectivo entre o olhar nostálgico para o passado e a acção presente. A contradição está noutro lado: foram os velhos valores conservadores e burgueses que permitiram a essa elite ascender aos lugares que ocupa. Mas quem os poderá substituir se já desapareceram os velhos valores e os novos valores são puramente valores de dissipação? O mundo empresarial exige que os consumidores sejam continuamente dissipadores, mas como nesse caldo cultural se poderá formar uma elite que dirija o mundo empresarial sem dissipação? Os valores dominantes contêm em si um princípio suicidário, uma auto-contradição da qual não se vislumbra como solução senão a pura destruição.

Jornal Torrejano, 22 de Junho de 2007

Já está disponível a edição semanal do Jornal Torrejano. Para aceder, clicar no símbolo do jornal. Mas se quer ir direito à opinião, então clique aqui. Esta semana, José Ricardo Costa, Jorge Salgado Simões, Miguel Sentieiro, Carlos Nuno (transferência de O Almonda), Pinto Correia, para além, do inevitável cartoon de Hélder Dias e a crónica deste pobre blogger.

Música para o fim-de-semana: Luigi Nono – Como una ola de fuerza y luz

Para este fim-de-semana a proposta é um CD de Luigi Nono. Este álbum é composto por três peças editadas ainda em LP nos anos de 1970, 1974 e 1979. A primeira, «Como una o ola de fuerza y luz», foi composta nos anos de 1971-1972. É uma peça para soprano (Slavka Taskova), piano (Maurizio Polllini), orquestra e banda magnética. A Symphnie-Orchester des Bayerischen Rundfunks é dirigida por Cláudio Abbado.

A segunda peça «... sofferte onde serene…» é de 1976.É uma peça para piano (Maurizio Pollini) e banda magnética.

A peça final, «Contrappunto dialettico alla mente», é de 1968. É umaobra para banda magnética. Liliana Poli (soprano), Cadigia Bove, Marisa Mazzoni, Elena Vicini, Umberto Troni (vozes). Coro de camera della Rai, Roma, dirigido por Nino Antonellini.

A música de Luigi Nono, uma das mais importantes da vanguarda europeia do século XX, não é um puro facto musical. É também um acto de intervenção política, fortemente marcado. Não se pense, porém, que aí se encontra alguma facilidade. Pelo contrário, a música de Nono se é fortemente democrática pelo conteúdo ideológico antifascista e antinazi dos textos que mobiliza, é fortemente aristocrática pela expressão musical. Por outro lado, apesar da sua natureza vanguardista, a música de Nono não deixa de ser um diálogo com a tradição erudita, nomeadamente a italiana.

O CD é da Deutsche Grammaphon, da colecção “20th Century Classics”, edição não datada.
Mais abaixo, estão colados dois vídeos com a interpretação de «... sofferte onde serene…», não a de Pollini, mas a de Markus Hinterhauser, em 1991, no Stadkino de Salzburgo. Enfim, era o que estava disponível.

Luigi Nono ... sofferte onde serene ... (1/2)

Luigi Nono ...sofferte onde serene... (2/2)

Alguns dedos

21/06/07

Naufrágios - 2. Ser

Ser
e sentido;

da luz , o negro desmedido.

[Micropoemas, "Naufrágios"]

Exames e pessimismo antropológico

Agora que estamos em tempos de exame, pensemos um pouco sobre eles. Qual o fundamento social para a existência de exames? Não é testar os conhecimentos ou avaliar os alunos. Observe-se o que acontece num exame. O dado essencial de um exame não é a prova, nem a sua resolução, nem os seus resultados, mas a vigilância. Um conjunto de alunos é submetido a uma prova vigiada por dois professores. Porquê? Porque é necessário vigiar as aprendizagens.

A sociedade não confia no ensino dos professores e na sua avaliação e precisa de a vigiar através de exames nacionais. Por outro lado, também não confia nos alunos. Por isso, estes, em exame, são vigiados por dois professores, que não apenas vigiam os alunos, mas que se vigiam entre si, não vá algum tergiversar. A coisa não fica por aqui. Os professores na vigilância são vigiados por funcionários, não deite um deles a correr escola fora. Há também a presença vigilante de outros professores que coordenam o processo e a própria direcção das escolas encontra-se em estado vígil. A inspecção, vigilante, inspecciona as vigilâncias.

Por fim, o Ministério da Educação, benévolo, está vigilante relativamente ao processo das vigilâncias. Nas traseiras de todo este processo de vigilância, encontra-se a ameaça de punição (vigiar e punir, Foucault dixit). Numa democracia, supõe-se que os eleitores vigiarão e estarão vigilantes relativamente ao poder político, incluindo aí o Ministério da Educação.

O fundamento social para a existência dos exames é a desconfiança no próximo. Os exames existem, como outros mecanismos sociais, porque a confiança entre os indivíduos que fazem parte de uma comunidade é muito frágil. A fragilidade da confiança, isto é, da fé (fiança) conjunta, leva à criação de mecanismos que evitem a suspeita e certifiquem os resultados, mostrando que eles são dignos de fé. Os exames são uma forma de aumentar a confiança social no trabalho dos professores e das escolas.

Abolir os exames – como se fez e alguns pretendem consumar esse facto, acabando com todos os exames – seria fazer fé no próximo. A causa é nobre, mas sofre de um optimismo antropológico não confirmado pela realidade. Os exames públicos são, pelo contrário, a expressão de um pessimismo antropológico. O homem não é um ser fiável e do qual os outros se possam fiar. Se isto estiver claro na nossa cabeça, percebemos a realidade dos exames e porque são necessários e porque deverão ser alargados a todos os ciclos.

Um estado de direito funciona segundo a lei e presume que todos são inocentes até prova em contrário. Contudo, esta confiança está assente num fundamento negativo: o da desconfiança geral entre os homens. A expressão «presunção de inocência» é o mais poderoso revelador desse fundamento negativo e, como os exames, uma forma de pessimismo antropológico.

Se este pessimismo antropológico tivesse sido dominante nos últimos trinta anos, ter-se-iam evitado muitos disparates e a educação dos portugueses teria outras colorações e apresentaria outro aspecto.

Amália Rodrigues - Foi Deus

Agora que já sei colar este tipo de vídeos, vou completar as «Música às quartas» com exemplos das artistas que referi. Para começar, a voz de Amália e uma bela letra de Alberto Janes, julgo. Aquela voz? Quem quiser uma prova da existência de Deus, escute a Amália. Escusa o pessoal da Filosofia andar à volta das provas cosmológicas, ontológicas, teleológicas e outros desvarios.

Manuel António Pina

De segunda a sexta, no Jornal de Notícias, Manuel António Pina, jornalista e poeta, tem uma coluna de opinião que vale a pena espreitar. É na última página e tem por título por outras palavras.

Jardins secretos

20/06/07

Naufrágios - 1. Memória

Memória
branca como lábios;

a vida, som, morte e naufrágios.

[Micropoemas, "Naufrágios"]

O fim da luta de classes

Segundo a OCDE, os trabalhadores portugueses do sector privado serão os que terão, em 2008, o aumento de salário mais pequeno, no espaço da organização, qualquer coisa como 0,3%. Se a isto acrescentarmos a diminuição real dos salários no sector público, o panorama torna-se particularmente interessante e revelador do mundo em que vivemos. A OCDE afirma mesmo, no economês corrente, que o risco dos trabalhadores verem os seus salários diminuídos ou mesmo de perderem o emprego é cada vez maior. A destruição acelerada do pacto social-democrata, que permitiu a paz social na Europa, vai levar a onde? Desengane-se quem pense que a luta de classes acabou.

Déshabillez-moi - Juliette Gréco

Música às quartas - 5 Juliette Gréco, 1970 - 1977

A minha geração é a geração do rock, mas eu sempre fui um pouco excêntrico e, em relação à música, de uma excentricidade completa. Se houve música que me marcou, na longínqua juventude, foi a francesa. Nessa altura, porém, já a música francesa, aliás como a cultura francesa, tinha perdido a sua auréola e começava a ser completamente abafada pelos movimentos provenientes do mundo anglo-saxónico. Os Beatles, os Rolling Stones e os Pink Floyd terão tido um papel crucial nesse fenómeno.

Retomemos esses prazeres antigos com Juliette Gréco. Se há um movimento de ideias que me marcou profundamente nessa juventude não foi o marxismo, mas o existencialismo. Sartre e Camus foram para mim heróis. Ora Gréco é uma espécie de musa existencialista, uma mulher que representa a vanguarda intelectual burguesa de Paris. O nome de Gréco é associado a outros grandes cantores como Boris Vian, Georges Brassens, Léo Ferre, Serge Gainsburg, etc.

O CD de hoje é uma colectânea que vai de 1970 a 1977, isto é, que vai dos meus 14 aos 21 anos. Como sempre, a música e a voz de Gréco animam belos textos poéticos. Três destaques: La Chanson de Vieux Amants, de Jacques Brel; J’Arrive, também de Jacques Brel; Le Mal du Temps, com letra da própria cantora.

O CD é uma edição da phonogram (grupo Philips), de 1990. Com uma dedicatória especial a um amigo morto aos vinte poucos anos, num estúpido acidente de comboio, e com o qual compartilhava o culto pela cultura francesa, para além da paixão pelo Benfica: o João Bispo.

Universos paralelos

19/06/07

Carlos de Oliveira, Musgo

Dir-se-á mais tarde;
por trémulos sinais de luz
no ocaso mais obscuro;
se os templos contemplando
estes currais sem gado
ruíram de pobreza.

Dir-se-á depois
por púlpitos postos em silêncio;
peso também a decompor-se
no mesmo pouco som;
se desaba o desenho
da nave antes de fermentar
a cor da sua pedra,
como fermentam leite e lã
de ovelhas mais salinas.

Dir-se-á por fim
que nenhum tempo se demora
na rosácea intacta;
e talvez
que só o musgo dá;
em seu discurso esquivo
de água e indiferença;
alguma ideia disto.

Carlos de Oliveira, Pastoral

Poesia de Carlos de Oliveira

Com a publicação de Musgo termina um ciclo dedicado ao poeta português Carlos de Oliveira (Belém do Pará, Brasil, 1921 – Lisboa, 1980). Poeta influenciado pelo neo-realismo, conjuga em toda a sua obra uma preocupação de carácter social e político com uma reflexão estética sobre a linguagem. A poesia juntamente com o romance Finisterra são o apogeu do seu trabalho sobre a linguagem. A voragem do tempo, a multiplicação do lixo em forma de livro e a incultura reinante nos meios «cultos» estão a levar lentamente para o esquecimento a obra de um dos autores fundamentais do século XX português.

Os poemas apresentados foram todos eles extraídos da velha edição da “Sá da Costa” do Trabalho Poético, apresentado em 2 volumes. Penso que hoje já não se encontra no mercado. Há uma edição das obras do escritor, semelhante à da “Sá da Costa” na “Assírio & Alvim” e na “Caminho” há a obra completa em um volume.

Amanhã, iniciar-se-á a publicação do 2.º ciclo de micropoemas, um ciclo de 6 textos intitulado Naufrágios.

Novas oportunidades

O Ministério da Educação e o Primeiro-ministro vieram a Torres Novas anunciar a abertura de cerca de 5000 cursos profissionalizantes e dizer que até 2010 querem 50% dos alunos na via profissionalizante. Aplaudo. Esqueceram-se, porém, foi de explicar como é que os indígenas vão escolher esses cursos. Como é que se vai explicar aos paizinhos que os seus dilectos filhos não são uns génios na matemática e na literatura, mas que têm tudo a ganhar ao frequentar um curso de jardinagem? A selecção através de exames seria uma óptima via, mas isso poderia transformar as escolas num lugar sério. E quem quererá uma coisa dessas?

4 blogues políticos

Aqui vão os meus 4 blogues políticos preferidos, visita diária obrigatória. A ordem é alfabética, nada de conclusões precipitadas:

Abrupto: http://www.abrupto.blogspot.com/

Pacheco Pereira, militante e ex-dirigente do PSD e estudioso do comunismo, anima há vários anos este blogue. Grande preocupação com as questões comunicacionais. Publica diariamente poesia, mas sempre em língua estrangeira.

Arrastão: http://arrastao.weblog.com.pt/

Daniel Oliveira, militante e ex-dirigente do BE e cronista do Expresso. Um blogue essencialmente político, com um amplo diálogo com outras correntes políticas, nomeadamente com os liberais que infestam a blogosfera.

Bicho Carpinteiro: http://www.bichos-carpinteiros.blogspot.com/

Medeiros Ferreira, militante (?) e ex-dirigente (?) do PS e professor universitário, anima com outros este blogue. Comentários curtos, incisivos, de qualidade e grande probidade intelectual.

O tempo das cerejas: http://tempodascerejas.blogspot.com/

Vítor Dias, militante e dirigente do PCP, anima um blogue político e cultural muito interessante. Combina análise política com divulgação cultural.


Não apresento nenhum blogue ligado a personalidades do CDS porque não conheço. Se alguém souber diga, farei a justiça devida. O que gosto nestes blogues? Fundamentalmente, a ausência de fanatismo político, apesar dos seus autores não abdicarem da defesa das suas convicções. E também a inteligência. Num mundo cheio de coisas estúpidas, a inteligência é uma pequena bênção.

Terras de semeadura

18/06/07

Carlos de Oliveira, Cristal em Sória II

Fogo, fulgor
das veias fatigadas
subindo à pedra; à luz;
à neve
por cair;
estrutura imóvel refractando
que chama interior?
petrificando que mineral humano
apenas esboçado?
nenhuma eternidade
se concebe melhor;
nenhuma estrela;
nenhum fulgor perseverante
como o deste cristal.

Carlos de Oliveira, Entre Duas Memórias

Sócrates e a Polónia

Há pessoas a quem o poder faz mal, sobe-lhe à cabeça e afecta o raciocínio. No telejornal, aparece o nosso dilecto primeiro-ministro a falar de dedo esticado e a dar uns puxões de orelhas ao homólogo polaco. Sócrates, que começa a sofrer de uma doença política de diagnóstico reservado, julgava que estava a falar com os professores portugueses, a quem pode tratar como rodilhas para lavar chão. Enganou-se. O polaco não esteve pelos ajustes e disse-lhe que não tinha pachorra para aquele tipo de retórica. Isto é, mandou-o dar uma curva. Sócrates saberá quantos habitantes tem a Polónia?

Democracia em França

Há dias, na televisão, um jovem francês dizia-se contente e, ao mesmo tempo, preocupado. Contente, com a vitória eleitoral de Sarkozy, de quem se disse partidário. Mas preocupado com a dimensão que, na altura, essa vitória parecia ir ter. Dizia ele que era preciso uma oposição forte. Este tipo de consciência mostra a essência da democracia: a necessidade de haver oposições fortes que sirvam de contrapeso ao poder. Foi assim que pensaram os franceses. Deram ao Presidente uma vitória suficiente para governar, mas relativizaram-na, ontem, o mais que puderam. Nova derrota para os antifrancófonos.

Uma triste comédia de costumes

O caso do novo aeroporto já atingiu a dimensão da comédia. O governo afiançou que a escolha da Ota era séria. Depois de meses e meses de contestação, um estudo a pedido do senhor Van Zeller veio suspender a decisão e abrir o leque de escolhas ao campo de tiro de Alcochete. Agora é o próprio Mário Lino que diz admitir analisar a opção Portela+1, defendida pela Associação Comercial do Porto. A CAP, a CCP, a CGTP, a UGT não terão também umas ideias sobre o assunto? Alguém acredita na seriedade de tudo isto? Lembram-se do governo de Santana Lopes? Uma triste comédia de costumes.

Desolação

17/06/07

Carlos de Oliveira, Líquenes II

o lento trabalho
da metamorfose
entre a alga
e a campânula
venenosa
do míscaro
[protosponja
que se embebe
nas grutas,
na sombra ácida],
o sono
criptogâmico
incapaz de sonhar
a forma duma flor

Carlos de Oliveira, Micropaisagem

Malditos tribunais

Não são só os professores que não gostam da senhora ministra da educação e dos acólitos. Os juízes parece que nutrem pouca estima pelas decisões que a senhora vai tomando. Agora até o Tribunal Constitucional teve a desfaçatez de dizer que a repetição dos exames de Química, no ano passado, é inconstitucional. Coisa que todos suspeitavam, menos aquela gente doutíssima que governa a educação em Portugal. A simples ideia da igualdade de oportunidades e de respeito pela lei, fundamental em educação, não lhe merece qualquer consideração. Este desprezo espelha toda uma política educativa.

Política e Religião

A maldade que deixa o seu esconderijo é impudente e destrói directamente o mundo comum; a bondade que sai do seu esconderijo e assume pa­pel público deixa de ser boa: torna-se corrupta em seus próprios termos e levará essa corrupção para onde quer que vá. Assim, para Maquiavel, o motivo pelo qual a Igreja era uma influência corrup­tora na política italiana é que participava de assuntos seculares, e não a corrupção individual de bispos e prelados. Para ele, a alter­nativa apresentada pelo problema do domínio religioso da esfera pública era inevitavelmente esta: ou a esfera pública corrompia o clero e, consequentemente, se corrompia a si mesma, ou o clero permanecia incorrupto e destruía completamente a esfera pública. Uma igreja reformada constituía, portanto, um perigo ainda maior aos olhos de Maquiavel, que viu com grande respeito, mas com apreensão ainda maior, o reflorescimento religioso do seu tempo, as «novas ordens» que, «evitando que a religião fosse destruída pela licenciosidade dos prelados e dos chefes da Igreja», ensinam as pessoas a serem boas e a não «resistir ao mal» —, em decorrên­cia do que «os governantes perversos podem fazer todo o mal que quiserem».
Hannah Arendt, A Condição Humana

Contra o TGV, marchar, marchar...

Durante anos, em governos de cor diversa, falou-se em construir um aeroporto na Ota. A decisão aproxima-se. Aqui d’El-Rei. Meio mundo tornou-se especialista em tráfego aéreo, ordenamento do território e actividades afins. Veio o patrão da CIP com um estudo sobre Alcochete e o governo que já tinha estudado tudo, afinal vai fazer revisões para exame. Marques Mendes embalado, depois do seu partido enquanto governo andar a comprometer-se com o TGV, vai reunir uma comissão de sábios para derrotar o TGV. Não faço ideia se o TGV é preciso ou não, mas uma coisa sei: se em Portugal não houvesse alguma loucura na hora da decisão, ainda hoje não haveria comboios, nem aeroportos, nem…, nem…

Destinos

15/06/07

Carlos de Oliveira, Lavoisier

Na poesia,
natureza variável
das palavras,
nada se perde
ou cria,
tudo se transforma:
cada poema,
no seu perfil
incerto
e caligráfico,
já sonha
outra forma.

Carlos de Oliveira, Sobre o Lado Esquerdo

Uma Física política

Abandonou uma carreira no mundo dos negócios para ensinar Física, a ciência em que se tinha formado, e fazia-o com paixão. Mas há sempre uma reforma do ensino. A Física deixara de ser Física. A ciência exacta que ensinara passou a ser um conjunto de irrelevâncias, que ele caracteriza como coisa vaga, estúpida, de carácter político e não científico. Numa carta ao Ministério da Educação, diz «há falta de professores neste país, mas se um físico que queira tornar-se professor me pedir conselho, direi não, a não ser que queiras ver desmantelar aquilo de que tu gostas.» Passa-se em Inglaterra. Ler tudo aqui.

Música para o fim-de-semana: Prometheus - The Myth In Music

Para este fim-de-semana uma viagem musical pelo mito de Prometeu. Há duas versões fundamentais do mito. Uma de Hesíodo, na Teogonia, com complementos posteriores de Esquilo; outra, de Platão, no diálogo Protágoras. Apesar das diferenças, há de comum a ideia de a civilização ter sido transmitida ao homem pela desobediência de um imortal. O arrancar do homem à sua animalidade (o roubo do fogo e a sua doação à humanidade) é visto, no mito prometaico, como algo de absolutamente negativo. Os homens eram semelhantes aos deuses, faltava-lhes o fogo para que pudessem rivalizar com estes. Prometeu deu-lho. Como castigo, Zeus mandou aprisioná-lo a um rochedo no Cáucaso, onde uma águia, durante o dia, lhe devorava o fígado, que se reconstituía à noite. Assim eternamente, não fora Herácles matar o maldito pássaro.

Numa época prometaica como a nossa, onde brincamos aos pequenos deuses, vale a pena escutar um conjunto de variações musicais sobre o mito. É um CD editado pela Sony Classical, 1994, no qual Claudio Abbado dirige a Filarmónica de Berlim, numa gravação ao vivo.

São interpretadas obras de Ludwig van Beethoven (Die Geschöpfe des Prometheus – as Criaturas de Prometeu –, op. 43), de Franz Lizt (Prometheus, Symphonic Poem n.º 5), de Alexander Scriabin (Prométhée – Le Poème du Feu) e de Luigi Nono (Prometeo, Suite 1992 – excertos).

Na obra de Nono, a Filarmónica de Berlim é acompanhada por Marta Agerich (piano), Ingrid Ade-Jesemann e Monika Bair-Ivenz (Sopranos), Susanne Otto (Alto), Peter Hall (Tenor), Ulrike Krumbiegel e Mathias Schadock (narradores) e, ainda, pela Berliner Singakademie e pelo Solistenchor Freiburg.

Desocultação

14/06/07

Carlos de Oliveira, Bolor

Os versos
que te digam
a pobreza que somos
o bolor nas paredes
deste quarto deserto
os rostos a apagar-se
no frémito
do espelho
e o leito desmanchado
o peito aberto
a que chamaste
amor.

Calos de Oliveira, Cantata

Uma charruada educativa

Um funcionário da DREN faz um comentário, parece que com palavrões, sobre a natureza do povo que somos e do chefe que temos, a um amigo. Alguém delata a irreverência à Directora, esta comunica ao Ministério Público e instaura processo disciplinar, com suspensão de funções e fim da requisição. Veio um inspector inspeccionar, ouviu o mal-educado e propõe uma suspensão como pena. Isto é um país? O silêncio da ministra indica a natureza das coisas: é educativo delatar, perseguir pessoas e malbaratar os dinheiros públicos. Num ápice, a política educativa iluminou-se e mostrou a sua natureza. Um esplendor.

Água e pedra e limos ao amanhecer


13/06/07

Carlos de Oliveira, Elegia de Coimbra

Gela a lua de março nos telhados
e à luz adormecida
choram as casas e os homens
nas colinas da vida.

Correm as lágrimas ao rio,
a esse vale das dores passadas,
mas choram as paredes e as almas
outras dores que não foram perdoadas.

Aos que virão depois de mim
caiba em sorte outra herança:
o oiro depositado
nas margens da lembrança.

Carlos de Oliveira, Mãe Pobre

Música às quartas - 4 Joan Baez, Gracias a la Vida

Esta semana uma proposta vinda também dos anos 60, mas não da área da rock. A cantora Joan Baez tem repartido a sua vida artística entre o folk, o pop e a canção de intervenção. Faz parte do imaginário dos anos 60 e a sua figura emerge sempre que se fala da contestação à participação americana na guerra do Vietname.

O CD proposto foi editado, como álbum de vinil, em 1974, parece que vinha mesmo a calhar, e é relativamente excêntrico na discografia de Baez, pois é cantado em castelhano. É um conjunto composto por 14 canções populares e inscreve-se claramente nesse lugar onde o folk e a canção de intervenção se juntam e casam, como se poderá ver pelos títulos das faixas.

Faixas: Gracias a la Vida; Llego con Tres Heridas; La Llorona; El Preso Numero Nueve; Guantanamera; Te Recuerdo Amanda; Dida; Cucurrucucu Paloma; Paso Rio; El Rossinyol; De Colores; Las Madres Cansadas; No Nos Moveran; Esquinazo del Guerrillero.

O CD, bem como o álbum em vinil, foi uma edição da «A&M Records».

Este é um dos álbuns que amei no meu tenebroso passado. Mas haverá algum passado livre de trevas? Note-se, ainda gosto de o ouvir, o que aliás estou a fazer enquanto escrevo isto. É assim o coração, fraco e indulgente, ou não fosse um coração português envolto na penumbra da saudade…

De cócoras?

É interessante ver as reacções que correm sempre que alguma das grandes figuras da esquerda portuguesa fala. A entrevista de Mário Soares à Única, revista do Expresso de sábado passado, levantou um coro de gente indignada, a qual correu a pontapé a proverbial estupidez do ex-presidente. Hoje mesmo pode ler-se, no Público on-line, as reacções às declarações de José Saramago numa conferência em Santilhana del Mar, no norte de Espanha. Há uma pulsão totalitária nos nossos liberais, um desejo infinito de atingir as pessoas e de proclamar que só há um caminho para o mundo: o da servidão aos detentores do dinheiro.

Contudo, talvez valha a pena ouvir Soares e Saramago, mesmo que não se concorde com eles, ou não se concorde com tudo o que dizem e o que fazem, ou que fizeram. Uma coisa é defender a liberdade de empresa, outra é achar que a maioria da humanidade deve rastejar perante meia dúzia de personagens. Como pode alguém que acredita na liberdade (é isso ser liberal) e achar a posição de cócoras a mais adaptada ao Homem?