Ted Hughes - O poema é um ser vivo
"Será melhor chamar-lhe (ao poema), então, reunião de várias componentes vivas, movidas por um espírito único. As componentes vivas são as palavras, as imagens, os ritmos. O espírito é a vida que as habita quando tudo converge para a mesma finalidade. E impossível dizer o que acontece primeiro, se são as diferentes partes a surgir ou se é o espírito que as comanda. Mas se qualquer uma delas estiver morta... se, no acto de ler, algumas das palavras, das imagens, dos ritmos, não contiverem vida em si... então o novo ser fica mutilado e o espírito doente. É por isso que, enquanto poeta, cada um deve certificar-se de que todas as componentes sobre as quais se pode exercer controlo, as palavras, as imagens, os ritmos, existem como coisas vivas." [Ted Hughes, O Fazer da Poesia]
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Hughes olha para o poema a partir da metáfora biológica. O poema é um ser vivo, um ser orgânico dotado de unidade e de um logos (espírito) interno que lhe dá vida. As palavras, as imagens, os ritmos são as partes desse todo, partes que entretêm entre si uma unidade sistemática. O poema deve ser vivo e cada uma das suas partes deve estar viva.
Mas esta definição de poema, por mais atraente que ela seja, por maior pregnância que possua, por mais acordo que gere entre leitores e críticos de poesia, deixa-me perplexo sobre dois pontos de vista.
Em primeiro lugar, pela ocultação da morte. É um facto que, ao olharmos um ser vivo na plenitude da sua vida, não vemos a morte que nele se insinua, que está presente e que avança sorrateira. Não deverá, considerando a metáfora biológica, o poema conter já em si a sua morte? Não deverá a morte - não a morte abstracta, mas a morte real e sensível do poema - insinuar-se nas palavras, nas imagens e nos ritmos? E uma estranha investigação poética se abre assim ao poeta: onde e como a morte do poema se insinua nesse ser vivo que ele é? Nas partes, num ritmo falhado, numa palavra abstracta, numa imagem que não dá a ver? Ou no todo, na incapacidade de dar organicidade às partes que o compõem? A definição do poema por uma metáfora biológica arrasta ainda consigo uma concepção de arte como produção do belo, belo que é harmonia, a harmonia que é unidade orgânica. Esta concepção está assente na ocultação da morte, como fonte do não-vivo, do não-harmónico, do não-belo.
A segunda perplexidade nasce, de certa maneira, da primeira. A visão do poema como ser vivo, unidade orgânica, não será apenas uma visão possível e meramente particular do que é um poema? Uma visão historicamente determinada pela dimensão apolínea da poesia homérica, dimensão que se constituiu como ideal regulador da poiesis? Não poderá haver poemas inorgânicos? Não poderá haver poemas onde a tensão entre o orgânico e o inorgânico seja o essencial? Imagino muitas vezes que a poesia do nosso tempo só pode ser uma poesia inorgânica, talvez uma poesia de tensão entre o inorgânico e o orgânico. Outras vezes, julgo que o poema deve ser supra-orgânico, estar para além da vida e da morte, retirado da dimensão da sensorialidade para que seja puro espírito, mas não logicismo abstracto e vazio. É por tudo isto que acho limitada a visão de Hughes sobre o poema e o trabalho poético. Este não pode apenas produzir seres vivos, pequenos ou grandes animais. O trabalho poético deve produzir todo o tipo de seres. Com isto não quero dizer que ele "fale" sobre seres inorgânicos, sobre seres vivos, sobre seres que estão para além da vida, mas que o trabalho poético faça ser todos esses seres, que os constitua na linguagem, que os crie. Aqui, ao chegarmos à criação, é melhor fazer silêncio, não venha Teologia interpor-se.
1 comentário:
Retenho o «para além da vida e da morte». Talvez Hughes tenha escrito tudo isso depois da morte de Sylvia Plath, da qual se considerou culpado, pelo menos, em parte, e tenha querido colocar de lado a questão do inorgânico. A própria poesia de Plath é isso mesmo: um rasgo entre o inorgânico e o orgânico. Sublime.
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