20/06/09

Autoeuropa e um conflito político surdo

Havia qualquer coisa que não estava clara na minha cabeça. Ao ouvir que os trabalhadores da Autoeuropa tinham recusado o acordo negociado entre a Comissão de Trabalhadores, liderada pelo bloquista António Chora, e a Administração da empresa, a ideia que me passou logo foi a da influência do PCP nesta decisão. Mas no que li, que foi pouco, e na lógica das coisas, isso não era claro. Um decisão de ruptura deste género é mais a marca dos antigos partidos (UDP e PSR) que compõem o núcleo central Bloco de Esquerda do que do PCP, sempre mais responsável, negociador, menos dado a aventuras. A última página do Expresso de hoje mostra-me, porém, que a minha intuição estava certa. O peso dos sindicalistas da CGTP foi decisivo no chumbo do acordo

Em torno deste pré-acordo e da sua rejeição parece travar-se, ainda que por interposta motivação (a da defesa dos trabalhadores e dos seus direitos), um duro conflito entre o BE e o PCP. A posição de António Chora representa a típica atitude da esquerda social-democrata, que reinou durante muito tempo na Alemanha Federal. Uma atitude ponderada e equilibrada, uma atitude onde já não se inscreve a destruição do capitalismo, mas da instauração de um regime de intercomunicação entre partes que, tendo interesses divergentes, não são compreendidas como mortalmente opostas. A manobra da CGTP, escorada na necessidade de defender conquistas adquiridas, visa mostrar o carácter não revolucionário dos homens ou do homem do BE. Define de forma clara e transparente, ao escolher o conflito em lugar da negociação, perante a classe operária quem é o partido revolucionário e quem são os reformistas.

Mas a parada tornou-se demasiado alta. Se a Administração despedir mesmo os 250 trabalhadores contratados? Quem será responsável pela sua transformação em vítimas sacrificiais e subsequente imolação aos interesses da estratégia revolucionária? Os partidos comunistas, por norma, têm uma longa tradição de luta sabem até onde podem levar os conflitos sem que sejam conduzidos a um desastre, mas também têm uma longa tradição de sacrificar gente à sua estratégia política.

Em tudo isto, porém, há qualquer coisa anacrónica. Conflitos como este, entre sectores da esquerda, foram muitos nos anos quentes do pós 25 de Abril, embora o PCP tivesse uma posição mais social-democratizante e os pré-BE mais radicalizada. O problema é que as condições geopolíticas são completamente diferentes. De facto, neste momento, não há dois mundos possíveis, o capitalismo e o socialismo. Este morreu por incompetência. Há apenas o capitalismo, cuja crise parece servir apenas para mostrar a sua força. Nestas circunstâncias, o caminho reformista fundado na comunicação e diálogo talvez seja o mais sensato. Veremos o que nos vai ensinar o futro da Autoeuropa em Portugal. Veremos se não vamos jogar no lixo uma empresa fundamental à economia do país.

1 comentário:

zemanel disse...

Caro JCM, os meus cumprimentos,
Permita-me elogiar seu post sobre a AUTOEUROPA e a rescisão do préacordo entre trabalhadores e administração.
Mas deixe-me desde já elogiá~lo pela dificuldade que o seu post coloca a quem de forma livre e intelectualmente honesta tenta, comou eu agora tento, fazer um comentário.
O seu post, escrito em três ou quatro parágrafos, abre uma imensidão de portas que por sua vza abrem outra imensidão de portas que a realização de um comentário se torna imprescíndivel mas de grande dificuldade de elaboração.
Não sei se o uso dessa técnica escritta terá sido volunário. Mas que resultoi, resultou...
Tentemos pegar nalgumas pontas:
1- Um facto: a defesa dos trabalhadores (organizados sindicalmente, em comissões de trabalhadores, ou sem organização) é constantemente feita por gente associada ao PCP ou ao BE. Curiosamente, não há em regra em Portugal trabalhadores militantes no partido que reresenta o ideal social democrata ( o PS)que se assumam na liderança de questões laborais pelo lado d "MUNDO DO TRABALHO" - situação que mais se destaca nos sectores operários e industriais. Esta é uma situação perfeitamente anómala mesmo na UE e que talvez explique a descrença crescente no centrão e no crescimento elitoral do PCP_BE que formam uma verdadeira e autêntica força de esquerda.Para onde caminhará o PS?
2- A votação dos trabalhadores: alguém me pode explicar porque é que os mesmo trabalhadores que apoiavam a CT liderada pelo dirigente do BE eram ponderados e passaram a ser a partir deste fim de semana perigosos radicais de esquerda?
3 - a votação do pré acordo foi feita de forma secreta pelos trabalhadores da Autoeuropa.
4 - em tese: os trabalhadores portugueses da Auto Europa têm que aceitar TODAS as cedências da administração com o aval do governo em defesa do "emprego" e esquecendo os direitos?
5- Porque é que o ónus da manutenção da autoeuropa em Portugal está sempre colocado sobre os trabalhadores? Não estaremos perante uma chantagem persistente praticada pelos VW com o aval de Sócrates, Pinho e Basílio Horta?

Caro JCM, aqui deixo algumas questões.
Obrigado pelo espaço dispendido.