07/06/09

Desespero eleitoral (2)

Está consumado. Já cumpri o meu dever cívico. Doeu muito? Ó se doeu! Depois de uma noite de vigília, noite onde me entreguei à mais profunda meditação transcendental, noite de calvário onde orei e calculei, onde me ajoelhei para que o Senhor abrisse uma excepção sobre a sua recusa em meter-se em política (ele, pouco misericordioso, vinha sempre com aquela história: dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César. Por fim, disse-me: não Me aborreças, vai votar e cala-te), onde fiz cálculo de probabilidades e tracei mapas de geometria política, depois de tudo isso, veio a manhã e, quase ao meio-dia, lá fui depositar na urna o meu singelo voto. Enfim, votei num bando de idiotas e já estou à espera de ver o chefe do bando a pavonear-se com o resultado eleitoral, como se nós, portugueses, votássemos a favor de alguém. Esse tipo que fique a saber: eu ao votar no seu bando não votei nele, mas votei contra os outros bandos. Sempre achei a proposta de um amigo meu muito decente. Todos nós deveríamos ter direito a um voto, mas este podia ser negativo ou positivo. O eleitor teria de escolher entre dizer que estes, sim senhor, merecem o voto, ou mostrar que nenhum merece o voto, mas aquele merece mesmo um voto negativo. No fim, subtraíam-se os votos negativos dos positivos e o partido que somasse mais votos positivos ganhava. Caso nenhum partido obtivesse votos positivos, dissolviam-se os partidos todos e pedia-se aos cidadãos que fizessem novos , como aconteceu a seguir ao 25 de Abril. Era uma limpeza. Pelo menos a vida política seria efervescente e os portugueses poderiam das largas à sua imaginação.

4 comentários:

maria correia disse...

De repente pensei que o Jorge Carreira Maia ia ser armado cavaleiro!Recolhimento, oração, reflexão... Mais valia! Enfim, nunca se sabe o futuro, pode ser que Deus o tenha iluminado na escolha certa e que as coisas mudem. Mudem mesmo, não que mudem para ficar na mesma. Mas disso, duvido muito. Tenho sincera admiração por quem ainda acredita no voto do cidadão. É grego, belo, humanista. Eu há muito que deixei de acreditar. Essa ideia do voto negativo fascinou-me...

José Trincão Marques disse...

O chefe, ou a chefe?

Anónimo disse...

É sempre bela esta vontade e tudo denegrir, quase uma marinettiana queima de aldeias, connosco no cima da colina a observar, é óbvio.
Destrua-se, destrua-se, que nós, do cimo da nossa superioridade moral, ungimos tão pios sentimentos. Só não nos envolvemos, não é. Pudicícias à parte, já Eça dizia que luvas de pelica havia em barda, agora calçar as luvas de borracha e metermo-nos ao trabalho é que...
JB Lemos

maria correia disse...

Existem mil e uma formas de calçar luvas de borracha e de intervir na mudança da sociedade: a escrita, a arte, a manifestação de rua, a intervenção civil,a crítica construtiva, o próprio modo de educar os filhos, os livros e filmes que se recomendam aos outros que leiam ou vejam. Existiram e existem muitos regimes autoritários em que o voto do cidadão apenas confere ao poder instituído os valores que este mesmo já advoga. Existe muita gente, felizmente, no mundo, que faz mais pela mudança da sociedade pelo simples facto de escrever um artigo ou um livro do que os milhares de cidadãos anónimos que se limitam, em análise sumária, ou, na maioria das vezes, sem análise alguma,a colocar numa urna um papelinho com uma cruz. A grande maioria dos eleitores não conhece sequer o programa dos partidos, nao conhece a sua ligação com os partidos europeus, não sabe exactamente o que é a esquerda e o que é a direita ou o centro. A grande maioria dos eleitores nestas eleições para o Parlamento Europeu esteve-se nas tintas para o que significa o Parlamento Europeu. Limitou-se a colocar na urna um voto vingativo contra o partido no poder em muitos dos países europeus. Aliás, o espectáculo a que se assistiu em todos os canais televisivos portugueses sobre a cobertura desta eleições foi paradigmático: limitaram-se a análises sumárias sobre quem venceu quem e quem perdeu contra quem. Para perceber realmente o que se estava a passar, tive de assitir à´cobertura que a Euronews fez sobre estas eleições. E foi triste ver o chefe do grupo parlamentar socialista europeu dizer que era uma noite trágica para a Europa devido à ascensão da direita. Embora saiba que a linha limite entre os partidos socialistas europeus e os partidos de direita se esbateu ao longo dos últimos vinte anos, na Europa, sendo as suas políticas basicamente as mesmas, e viu-se bem ao que essas políticas levaram na Europa com a aceitação e carta branca dada ao capitalismo desregulado, à globalização selvagem, à perda de direitos dos trabalhadores europeus, e tudo isto com o voto do cidadão comum (voto, aliás, perfeitamente influenciado e condicionado devido à fantástica máquina de propaganda dos principais grupos paralamentares europeus na qual se inscrevem o PS e o PSD portugueses, continuo a pensar que uma Europa de esquerda será sempre melhor do que uma Europa governada pela direita. Contudo, e apesar da ligeira ascensão dos partidos de esquerda em Portugal, continuo a pensar que é melhor e mais produtivo calçar as luvas de borracha noutras secções da intervenção. Porque acredito que o sistema eleitoral que temos hoje em dia não passa de uma farsa que confere, com o «voto» do cidadão, sempre o mesmo poder às mesmas pessoas. E agora vou calçar as luvas de borracha porque estou a traduzir mais um livro sobre o pensamento de esquerda, de uma nova esquerda, livro esse que aceitei traduzir não tanto pelo dinheiro que me pagam por ele (poderia traduzir outros, dos milhares que livros banais que pululam nas livrarias), mas porque creio profundamente que a leitura de tais livros fará bem a quem os ler. Pelo menos, fará alguém pensar.