Quando Sócrates começou o seu programa de "reformas" seduziu e comoveu a direita. Com Ferraz da Costa (o antigo presidente da CIP) à cabeça, toda a gente veio gabar o homem que chegava e muita gente disse logo que, se ele perseverasse em tão bom caminho, votaria PS em 2009. Com o tempo, o entusiasmo esfriou, mas nunca a direita deixou de considerar o primeiro-ministro como coisa sua ou, pelo menos, parcialmente coisa sua. Alguns "notáveis" até passaram para o outro lado, em nome da imparável decadência do PSD e da velha necessidade de salvar a Pátria. O Partido Socialista não andou (e, de certa maneira, ainda não anda) longe de ser adoptado pelo capitalismo: se não como partido único, como único partido. Nem Portas, nem Marques Mendes, nem Menezes se comparavam ao discreto e autoritário Sócrates, que parecia nascido numa tradição de boa memória. Ao princípio este amor expansivo da direita não trouxe a Sócrates qualquer problema. Pelo contrário, tornou difícil a oposição do CDS e do PSD. Só que pouco a pouco esse mesmo amor fortaleceu a esquerda. Dentro do PS, Manuel Alegre e um bando inconformado com a ortodoxia financeira do Governo. Fora do PS, o Bloco e o PC e, por exemplo, uma "classe" como os professores. Pior: as grandes manifestações de rua (e houve várias) mostraram que o descontentamento não era um fenómeno momentâneo e ameaçava cristalizar numa rejeição militante e durável. Anteontem, com o anúncio de uma moção de censura, o PC (seguido pelo Bloco), declarou guerra ao primeiro-ministro em termos de uma rara violência. Para Jerónimo de Sousa, Sócrates é um traidor, sem "um neurónio social-democrata".
Tacticamente, isto põe Sócrates numa posição embaraçosa. Numa época de vacas magras - muito mais magras do que ele esperava - precisa de recuperar o voto da esquerda, sem perder o voto da direita. Ora, para recuperar o voto da esquerda não basta a retórica do costume e as pequenas concessões que ultimamente vem fazendo (um recuo geral está por natureza excluído). E, para não perder o presuntivo voto da direita, precisa que no PSD a presente balbúrdia não acabe. Mas se em 2009 o PSD se conseguir apresentar com o mínimo de decoro e um "chefe" que o país leve a sério, o seu fiel eleitorado talvez não o abandone à sua sorte. Se, por acaso, isso acontecer, Sócrates cairá pelo buraco, que ele abriu, entre a hostilidade da esquerda e a natural preferência da direita pela própria "família". [Público, 2 de Maior de 2008]
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