Um rasto
Chove!, exclamou ele três vezes e sentou-se na cadeira giratória. A janela aberta deixava entrar a noite pelo escritório, uma noite húmida, de carros lentos a tracejar de luz a negrura que caía vinda não se sabe bem de onde. Pegou no balão de conhaque e ficou a olhar o líquido a tremeluzir, enquanto oscilava movido pela cadência lenta da mão. Ali havia um mistério, um sentido por explicar. Levou o copo à boca e sorveu devagar o conteúdo. Sentiu um leve ardor, mas logo o sabor se metamorfoseou. Era agora uma madeira leve e suave que flutuava na convulsão do palato. Por fim, pousou a bebida e olhou a noite que continuava a entrar pela janela. Sentiu um formigueiro pelo corpo, depois viu a pele escurecer sem cessar até se confundir com a noite. Quando a aurora chegou não havia, no escritório, um rasto da sua presença. Num balão frio cintilava, à luz dos primeiros raios, um resto dourado de conhaque.
Sem comentários:
Enviar um comentário