18/05/08

Maio de 68 - 02 Aceleração e informalismo

Se se olhar para a cronologia que Le Magazine Littéraire (Hors-série nº 13) publica, a propósito dos acontecimentos do denominado Maio de 68, cronologia que vai desde a constituição da chamada Quinta República, com De Gaulle na Presidência, até a 1976, quando Michel Foucault publica o primeiro volume da sua Histoire de la Sexualité, descobrimos dois “pequenos” acontecimentos que irão ter um enorme peso na contestação que irá surgir na Primavera de 68.

O primeiro acontecimento dá-se em 20 de Março de 1967. Os alunos de Nanterres introduzem-se na residência universitária reservada às alunas e são expulsos pelas forças da ordem. Note-se que o conflito emerge em torno daquilo a que Pedro Mexia chama o direito de visita. Vale a pena olhar para este acontecimento, não por ele ter detonado os acontecimentos que tiveram o seu esplendor no ano seguinte, mas pelo facto de representar um daqueles instantes em que a fronteira entre dois mundos aparece de uma forma nítida.

A moral burguesa que enviou as forças da ordem e a moral não menos burguesa que reivindicava o direito de visita e, presume-se, o direito a ser visitada entraram naquele instante em colisão. Aquilo que comandava as forças da ordem era um mundo moral que estava moribundo e assentava num conjunto regras que iriam desabar em muito pouco tempo.

O interessante neste caso de afrontamento entre dois mundos morais é, porém, o facto de o próprio poder político estar absolutamente dividido. Não me refiro aqui a hipotéticas divisões no seio governamental, mas a uma divisão que perpassa no seio das opções políticas referentes a assuntos que tenham incidência moral. A repressão dos estudantes que querem visitar as suas colegas, por um lado, e a publicação, meses mais tarde, a 28 de Dezembro de 1967, da lei Neuwirth, a qual autoriza a venda de medicamentos contraceptivos. Se a lei é publicada no final de 1967 é porque o debate sobre ela já é bastante mais antigo.

A reivindicação do direito de visita só se torna possível num mundo onde se prevê a «emancipação» da sexualidade relativamente à reprodução. Neste mundo, a divisão protectora dos sexos deixa de fazer sentido, pois deixa de haver o que proteger. Aquilo que para as novas gerações de então era claro tinha sido preparado pelo próprio poder e no seio do próprio poder. O que a contestação estudantil fez foi apenas acelerar um processo que decorria de uma forma mais lenta e formal. Aquilo que se revela na conjugação destes dados está muito longe de mostrar o Maio de 68 como um movimento de transformação das relações sociais de produção, mas mostra-o como uma continuação de uma metamorfose moral que estava a ocorrer já na esfera burguesa do poder. O que o Maio de 68 então traz pode ser definido por dois conceitos: aceleração e informalização. As transformações na moralidade, nomeadamente na moral sexual, tornam-se então cada vez mais rápidas e mais informais.

1 comentário:

maria correia disse...

E fizeram eles muitíssimo bem em acelerar o processo! Não concordo é que com a afirmação de esse processo já germinar no seio do poder. Porque o «poder» nunca é revolucionário, é sempre a face de uma estagnação, mesmo que tenha tido origem numa revolução seja esta de que tipo for. Logo, dentro do seio do poder não germina nada de contestação a si próprio, gerado por si mesmo. O que se passava é que esse poder já estava a ser minado por fortes pressões externas que acabaram por eclodir no Maio de 68, essa maravilha de capacidade de intervenção pública a que um amigo meu francês, que o viveu, chamou: «La follie!», sorrindo, deslumbrado, como o que AQUILO realmente foi.