A teia sombria
Já não pega no tricô como dantes, apenas se senta no enorme terraço e alisa as escamas do gato que salta para o seu colo, mal a vê de olhos semicerrados na cadeira de verga. Às vezes boceja, abre a boca, mas a mão logo a tapa, como se o gesto fosse o resultado de um longo condicionamento herdado daqueles que vieram antes dela; da sua estirpe, ouvia-a, por acaso, dizer. Se o vento desce da serra um pouco mais frio, põe um xaile pelas costas e esfrega os braços com um vigor inusitado. Não lê, apenas olha em frente, procura na paisagem um sinal, o breve sintoma de uma doença, o símbolo do porvir. Olha, olha todas as tardes, olha na sonolência que o dia traz. Depois levanta-se, dá um pequeno passeio, espreita com desalento a rua e recolhe-se na teia sombria a que chamamos casa.
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