25/05/08

O bom inimigo

Eduardo Lourenço, em entrevista à TSF e ao DN, considerou que a Europa «está sem dinamismo interno», porque «não tem inimigo, ou seja, deixou de ter uma motivação forte» e lembrou que a Europa nasceu «numa resposta a uma ameaça da União Soviética».

O comunismo, que acabou por se saldar numa imensa tragédia para os povos que viveram sob o seu jugo, teve para nós, europeus ocidentais, um efeito benéfico: ao assustar as elites económicas e políticas, o comunismo de leste permitiu que se construísse uma sociedade equilibrada e mais justa. Foi a isso que se chamou pacto social-democrata.

A queda do Muro de Berlim, no final dos anos 80, não significou apenas o fim das ilusões nascidas em Outubro de 1917, na Rússia. Representou uma reconfiguração das representações, económicas, sociais e políticas da Europa ocidental. A partir desse momento, começou a assistir-se a uma dramática destruição dos direitos sociais conquistados na vigência das sociedades industriais.

Para a Europa ocidental o comunismo foi o bom inimigo. O medo que dele havia levou a que as elites refreassem o seu despudor e vontade de rapina sobre o esforço daqueles que precisavam de vender o seu trabalho para sobreviver. Nunca na história, como nesses anos que vão desde a fundação da CEE até aos anos 90, se construiu uma sociedade tão justa e tão equilibrada, a realização mais perfeita do ideal ético aristotélico da “mesótēs”, do meio-termo ou da justa medida.

1 comentário:

Alice N. disse...

Análise muito pertinente esta que aqui nos é apresentada.

Não há dúvida que a sociedade assente nos ideais da social-democracia parece estar pouco a pouco a desmoronar-se. É com perplexidade que assisto a despudorados atentados contra elementares direitos laborais, ao agravamento das condições de trabalho e ao tendencial desaparecimento do estado-previdência. É difícil compreender como é possível que aquilo que tanto custou a construir esteja a ser impiedosamente destruído sob a batuta de governos que se dizem da área da social-democracia. O ideal de uma justa redistribuição da riqueza com vista a uma sociedade mais solidária, em que quem mais tem mais contribui para o bem comun, parece irremediavelmente condenado.

Podemos alegar múltiplas dificuldades que justifiquem acertos nos direitos sociais. Compreendo-os e aceito-os (alguns). O que não compreendo nem aceito é assistir à degradação das condições de vida dos portugueses, ao mesmo tempo que os ricos e poderosos vêem crescer as suas fortunas (a recente notícia de que Portugal é o país da União Europeia com maiores desigualdades sociais não deixa dúvidas quanto a essa degradação). Só mesmo um governo autista e arrogante como o nosso é que não quer admitir o problema.

O comunismo traduziu-se, de facto, "numa imensa tragédia para os povos que viveram sob o seu jugo", mas um regime que não se paute pela justiça social, o uso correcto dos escassos recursos e o respeito pelos eleitores; um governo que esqueça os mais desprotegidos, ataque e empobreça a classe média, ao mesmo tempo que protege os vorazes interesses de uma elite económica pouco preocupada com o bem comum, um regime desses também não tem grande futuro.

O comunismo mostrou ser uma utopia impossível, tão impossível que se impôs com os mesmos métodos que tanto combateu na clandestinidade. Em vez da felicidade prometida, aprisionou os homens, privou-os de direitos, rodeou-os de repressão e, até, terror (o Muro de Berlim é, sem dúvida, o maior símbolo desse terror). A social-democracia, que defende soluções mais equilibradas ("no meio está a virtude"), será também uma impossibilidade? A injustiça e exploração do homem pelo homem serão uma inevitabilidade?

Agora que desapareceu o medo do papão comunista, as elites económicas e políticas dão livre trânsito aos seus mais obscenos interesses, desprezando as massas. Mas essa forma de governar não abrirá a porta a perigosas reacções colectivas? As forças políticas e económicas parecem não estar muito preocupadas com tal possibilidade.
E, entretanto, em Portugal e noutras partes do mundo, vai reinando o lema "salve-se quem puder". Que mundo triste!

Alice N.