Um risco de penumbra
Um risco de penumbra desenha a noite sobre a copa verdescura das árvores. Trilhos de luz soltam-se dos faróis em desvario. Por vezes, passam casais de namorados e olham o horizonte à procura de uma lua que abençoe o destino, as mãos dadas o encerram. Sentado diante da janela, ouço o canto das coisas que acontecem e deixo-me acontecer com elas. Voo com os pássaros, ronco com os motores, tremo se as árvores tremem, enamoro-me se avisto o jogo de cupido, endureço se olho as pedras brancas do calcário dos passeios. Ainda não chegaram as estrelas; aspiro a tarde que se vai e entardeço com ela.
1 comentário:
Este belíssimo texto trouxe-me à memória o magnífico Mestre Caeiro:
"Os meus pensamentos resumem-se a sensações,
Penso com as mãos e com os pés,
E com o nariz e a boca,
E com os olhos e os ouvidos.
O Mundo não se criou para o pensarmos,
Mas sim para ser observado.
E sei vê-lo, pois vejo-o sem pensar,
E sem pensar consigo sentir
Consigo sentir-me parte dele."
(Há dias em que apetece, de facto, banir o pensamento, tantas vezes fonte de dor. Há dias em que apetece viver só com os sentidos. O drama é que, sem pensamento, não teríamos a doce felicidade de tomarmos consciência da nossa própria felicidade. E, sem pensamento, não teríamos o doce prazer da partilha. O pensamento é uma dádiva que tem tanto de trágico como de divino.)
Alice N.
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