Combustões - Nada na vida é a brincar
É por isso que os homens são desiguais: há os que investem no trabalho, no estudo e na obra e há os que vivem na procura insaciável de divertimentos. Ouvi ontem um desses pedagogos do facilitismo e do "ludismo" falar sobre experiências pedagógicas revolucionárias, em escolas onde se aprende a brincar e brinca aprendendo e onde até os professores se transformam, eles também, em alunos dos seus alunos. Claro está, o pedagogo-demagogo era homem dos seus 60 anos, da geração do Não à Guerra, do Make Love not War e do cannabis. Nasceu no boom económico do pós-guerra, teve o Estado algibeiras-sem-fundo a alimentar-lhe as lutas e pedradas no campus universitário, as férias pagas, o primeiro emprego aos trinta anos, os anos perdidos na universidade paga pelos contribuintes, o "rendimento mínimo", as bolsas, hospital de graça, subsídio de desemprego ou mesada. Aquilo foram trinta anos de forrobodó. Agora, o Ocidente está pobre, mas eles não aprenderam a lição; pior, transformaram-se em líderes e dominam o Estado, o ensino, a saúde, a assistência social e a comunicação social, são amigos dos banqueiros, influenciam os governantes e vão, alegremente e a brincar, hipotecando o nosso futuro.
Quando cheguei à Ásia, inscrevi-me numa escola de línguas asiáticas adepta de tais brincadeiras. Claro, a instituição é americana e os senhores que dela vivem são naúfragos da geração de ouro. O lema inscrito no portal, flamejante como uma mentira, rezava: aqui não há testes nem avaliação; aqui brinca-se e é a diversão que ensina. Ao fim de três meses dei comigo a questionar-me sobre os resultados de tal pilhéria. Não havia aprendido nada e só me martelava a cabeça o dinheiro gasto e as horas diárias ali enterradas. Mudei. Em dois meses passei a falar com desembaraço uma língua asiática, não pelo método faz-de-conta, mas à custa de noitadas de vigília, gramática, exercícios de escrita e pronúncia, testes e exame final. O curioso de tudo isto é que sinto uma alegria incontida, uma curiosidade crescente pela língua desta terra na descoberta da sua inteligência, das suas subtilezas e até equívocos intencionais. O estudo - como qualquer empresa - custa, mas só deste sacrifício retiramos proveito pessoal que a sociedade retribui com o reconhecimento pelas canseiras. Moral da história: nada é a brincar, nem o jogo do Monopólio, que é cruel batalha pela posse do tabuleiro. Jogamo-lo com os amigos, com gargalhadas e um copo na mão, mas não deixa de ser uma frenética luta pelo sucesso ! [Combustões, 13 de Maio]
-------Quando cheguei à Ásia, inscrevi-me numa escola de línguas asiáticas adepta de tais brincadeiras. Claro, a instituição é americana e os senhores que dela vivem são naúfragos da geração de ouro. O lema inscrito no portal, flamejante como uma mentira, rezava: aqui não há testes nem avaliação; aqui brinca-se e é a diversão que ensina. Ao fim de três meses dei comigo a questionar-me sobre os resultados de tal pilhéria. Não havia aprendido nada e só me martelava a cabeça o dinheiro gasto e as horas diárias ali enterradas. Mudei. Em dois meses passei a falar com desembaraço uma língua asiática, não pelo método faz-de-conta, mas à custa de noitadas de vigília, gramática, exercícios de escrita e pronúncia, testes e exame final. O curioso de tudo isto é que sinto uma alegria incontida, uma curiosidade crescente pela língua desta terra na descoberta da sua inteligência, das suas subtilezas e até equívocos intencionais. O estudo - como qualquer empresa - custa, mas só deste sacrifício retiramos proveito pessoal que a sociedade retribui com o reconhecimento pelas canseiras. Moral da história: nada é a brincar, nem o jogo do Monopólio, que é cruel batalha pela posse do tabuleiro. Jogamo-lo com os amigos, com gargalhadas e um copo na mão, mas não deixa de ser uma frenética luta pelo sucesso ! [Combustões, 13 de Maio]
Este excerto longo de um post do blogue combustões é uma belíssima e serena análise da realidade. Um dia destes falarei aqui, no A Ver o Mundo, de um dos blogues mais interessantes dablogosfera nacional.
1 comentário:
Quando oiço frases como "aprender a brincar", sinto um autêntico arrepio na espinha! Parece que se quer prolongar o infantário pela vida fora. Tenho muito respeito pelo trabalho que se faz junto das crianças em idade pré-escolar, mas há que evoluir. Não podemos (nem devemos!) ignorar os vários estádios de desenvolvimento das crianças e jovens.
O estudo dá trabalho, exige suor e sacrifício, compensados, porém, pela alegria da aprendizagem, da luz que nos vai iluminando a mente e nos permite uma maior compreensão do mundo e de nós próprios.
Recordo-me como há uns anos tive o atrevimento de dizer algo muito semelhante numa conferência dada por uma doutoríssima e eminente figura das Ciências da Educação. A senhora defendia que toda a aprendizagem tinha de "dar muito gozo" (assim mesmo) e que ela própria só fazia o que lhe dava "muito gozo".
Basicamente, defendi que no trabalho, como no estudo, nem tudo era diversão; que, independentemente do gosto por essa actividade, havia sempre tarefas menos apelativas e que quer os adultos, quer os jovens deveriam estar preparados para enfrentar essas exigências e dificuldades. Enfim, a filosofia do esforço, do dever, etc. Nada que qualquer pessoa com o mínimo de bom senso não defenda. Dei o exemplo do dicionário, defendendo que não tinha de ser divertido consultá-lo. Apenas útil. Pois bem, ia sendo trucidada! Do alto da sua sapiência, essa senhora que da vida só conhecia "imenso gozo" mandou-me descobrir como era divertido consultar o dicionário.
"Estranho conceito de gozo", pensei eu, mas enfim, cada um tem os prazeres que merece... O pior são os estragos que essas doutas pessoas, capazes de delirar de "gozo" na consulta de um dicionário, têm irresponsavlemente causado nas escolas.
Alice N.
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