15/05/08

Suicídio e agonia

Segundo o INE, a população portuguesa entrou em crescimento natural negativo. No ano passado, houve mais óbitos do que nascimentos (Público). Desde 1900, é a primeira vez que isso acontece. Mário Leston Bandeira, presidente da Associação Portuguesa de Demografia, afirma que é “mais um passo no declínio”. Importa sublinhar, porém, que a novidade desta inversão da tendência não se deve a causas naturais, a grandes quebras espontâneas da natalidade ou ao efeito de epidemias. Deve-se pura e simplesmente a causas culturais e à decisão de os indivíduos deixarem de se reproduzir. É como se uma comunidade, tendo os meios para isso, decidisse suicidar-se lentamente e em prolongada agonia.

3 comentários:

Alice N. disse...

Esta situação é realmente preocupante. É certo que há aqui questões culturais a ter em conta para explicar o fenómeno: as pessoas têm uma postura mais egocêntrica, querem mais tempo para si, fazem muitas vezes da realização profissional uma prioridade obsessiva, têm menos espírito de sacrifício, permanecem mais tempo em casa dos pais, etc.

Não negando essas razões culturais, tenho, no entanto, dúvidas que estas sejam a causa principal da quebra democráfica a que estamos a assistir - pelo menos, no nosso país. Digo isto porque conheço diversos casais que dizem ter optado por ter apenas um filho devido a limitações financeiras e/ou por falta de tempo para dedicar à família. Esses casais lamentam, muitas vezes, a impossibilidade de terem mais filhos.

Tão preocupante quanto a quebra de natalidade e diminuição da taxa natural de crescimento, é verificar o pouco que se tem feito para inverter esta situação. Julgo até que, em certos aspectos, só se tem vindo a piorar as condições de vida dos jovens e das famílias. De facto, a sociedade está organizada de modo a que a constituição ou aumento de uma família estejam, cada vez mais, em segundo plano - e essas características, em vez de serem corrigidas, só se têm agudizado: horários laborais impossíveis, sobrecarga de trabalho, escolas-albergues para "libertar" os pais (como se a escola alguma vez os pudesse substituir), pressão das entidades patronais para o não usufruto de direitos associados à paternidade (quando não há represálias), etc.

Poderíamos enumerar imensos entraves à maternidade/paternidade e, como está à vista, muitos nem se prendem com questões financeiras. Assim, se não repensarmos o modelo de sociedade em que vivemos, caminharemos, de facto, para um lento e irremediável suicídio.
Alice N.

maria correia disse...

Dizia muitas o meu antigo editor que «preocupar-se» nada mais é do que «ocupar-se» antecipadamente com algo que ainda não ocorreu, que «talvez» venha a ocorrer...Os «franceses» tiveram de repente medo de «desaparecer» e o Estado dá-lhes actualmente subsídios chorudos para terem filhos...resultado, quase não há casalinho francês hoje em dia que não tenha menos de três rebentos, a mamã fica em casa,(muitas vezes frustrada) a cuidar dos meninos, ganha por isso e o papá trabalha...Estavam com medo da «mistura» racial. Cá, o Estado também começa a ficar «preocupado» com a baixa natalidade...E os portugueses classe média, que também se «preocupam» com a situação, dão a desculpa que não têm mais filhos porque não podem...mas, depois, podem ir para as Canárias e para a Tailãndia passar férias...E fazem muitíssimo bem em ir para a Tailãndia ou para as Canárias ou seja lá para onde for...vivem a vida e divertem-se e têm todo o direito a isso. Na verdade, são precisamente aqueles que menos posses têm que continuam a ter bebés e a sacrificar-se. Em nome da sobrevivência da espécie chamada «português»...Salazar também fez esse apelo: «toca a ter filhos por que «Pátria» precisa deles. Muitos acabaram por morrer na guerra colonial ou formaram a multidão de mutilados de guerra que foi deixada ao abandono por esse mesmo Estado que se «preocupava» com a sobrevivência da «espécie». Nós, europeus e portugueses somos uma mistura de raças e povos que tem dado ao mundo seres lindíssimos, forjados nesse cadinho maravilhoso da «mistura». Mas afinal, que «preocupação é essa com o «sangue puro» português, francês ou seja lá o que for? É egocentrismo não querer ter filhos? E ter filhos, não o será também? Não será uma espécie de «egocentrismo de Estado? Tenho amigos sem filhos que são pessoas muito mais pródigas e despojadas do que outros que têm filhos. Uma das figuras-pilar da civilização europeia, Alexandre, o Grande, era a favor da «mistura» de raças e hoje em dia há muito sangue macedónio misturado com Citas, persas, babilónios. No pólo oposto, o grande apologista do «sangue puro», Hitler, provocou uma das maiores carnificinas da história, matando milhões de «impuros». Por mim, não estou minimamente «preocupada» com o «pseudo» suícidio do chamado «português». Por mim e pelo sangue dos meus dois filhos corre sangue árabe, celta, visigodo, romano, grego, fenício, francês da Provence, se calhar algum sangue banta ou maconde...ah, e o meu avô viveu com índios guarani...on ne sait jamais. E estamos bem de saúde e somos todos bonitos, graças aos deuses todos dessa gente toda. O mundo pulará sempre e avançará. Com sangue «português» «puro» ou não...salut!

Alice N. disse...

Concordo inteiramente com as considerações feitas por Maria Correia relativamente à questão racial, pois também não associo a identidade de um povo à ideia hitleriana de cidadãos de “sangue puro”. Mas o que aqui está em causa no problema demográfico do país é o dado objectivo de estarmos com um índice de crescimento natural negativo. Assim, nascem cada vez menos crianças (sejam elas o resultado do cruzamento de diferentes raças ou não) e o número de nascimentos é inferior ao dos óbitos. Se a tendência se mantiver, qual será a sustentabilidade da nossa sociedade?

Evidentemente que uma das soluções poderá passar pela imigração (mas é preciso que o nosso país tenha algo para oferecer aos imigrantes). Também não quero um país de "raça pura" (eu própria nasci, cresci e estudei numa sociedade multicultural, pois sou filha da emigração e considero que essa experiência de vida só me enriquece). O sentimento de pertença a um país ou a um povo não está para mim associado ao sangue ou à raça. Pelo contrário, essa ligação afectiva assenta nas vivências, na partilha de uma história, cultura e mentalidade comuns, numa identificação com um certo sentir colectivo... E, nessa medida, independentemente do passaporte que possuímos podemos ser tão portugueses como franceses, ingleses... ou ser isso tudo ao mesmo tempo.

Também não critico as opções de vida de cada um. Não julgo (nem tenho o direito de julgar) as pessoas em função de terem ou não vocação para serem pais; de terem ou não espírito de sacrifício. Entendo que é tão legítimo querer ter uma família numerosa como querer apenas um filho ou, até, nenhum. De facto, ninguém tem o direito de censurar as opções de âmbito pessoal, pois cada um realiza-se e procura ser feliz de acordo com os seus padrões. Nesse aspecto, defendo o primado absoluto do Indivíduo.

O que me preocupa é viver numa sociedade onde quem quer ter filhos não os pode ter por essa sociedade lhe criar obstáculos difíceis de ultrapassar. Aqui é que entra, julgo eu, a responsabilidade política. Tudo o que ultrapasse essa questão, não nos diz respeito.

Alice N.