16/05/08

Cáspite, José Ricardo Costa

Estava eu entretido a ler o excelente, como sempre, artigo do Zé Ricardo no JT (obrigatório ler aqui), quando me deparo, depois de uma périplo pela metamorfose do Kafka, com esta frase: “Caramba, ainda que eu acordasse de manhã com um corpo de insecto seria o mesmo benfiquista de sempre.” Mas o que tem a frase assim de tão espantoso? Será acordar de manhã transformado em insecto? Não, pois já o sou desde que o PS ganhou as eleições com o meu voto. Não tenho o corpo, julgo, mas fui reduzido à essência do insecto. Então será a continuidade do benfiquismo? Também não, se ele resistiu já a tanta coisa, também resistirá à minha metamorfose insectívora. O que me siderou foi a interjeição caramba. Caramba!

Nós temos boas interjeições, mesmo pondo de lado aqueles palavrões ordinários que podem servir de interjeição. Apre!, Bolas!, são interjeições dignas de interjeitar seja o que for. São preferíveis ao uso de uma interjeição dicionarizada como porra, de feição mais vulgar. Caramba, porém, é mais sonora, prolonga-se no tempo, tem outra ductilidade. Mas aquela de que mais gosto e que me levou a este escrito, nunca a tinha ouvido até ontem, embora já a tivesse lido múltiplas vezes. Ontem, ao passar pela televisão, estava no ar uma telenovela brasileira, onde brasileiros falavam num português italianizado a fingir que eram italianos a tornarem-se brasileiros. No momento exacto da minha passagem, ouvi, em italiano, a minha interjeição : caspita, disse o ítalo-brasileiro. Foi uma revelação: lá está a minha velha amiga cáspite, da literatura do século XIX. Nimbado há mais de 24 horas pela luz do cáspite!, não pude deixar de constatar o que aquela frase, que tão bem descreve o estado daqueles que além de serem benfiquistas, votaram no PS e são professores, teria ganho se tivesse substituído a bamboleante interjeição «caramba», de dúbia origem castelhana, pela ríspida, mas cosmopolita, cáspite. Cáspite, que sou um insecto e continuo benfiquista. Cáspite, que votei no José Sócrates e ajudei-o a dar a mão à Maria de Lurdes. Cáspite, que o Valter Lemos é quem manda na educação. Cáspite, que não há pachorra para o Mário Lino. Cáspite, que o Alberto João não se candidatou à presidência do PSD. Cáspite, Zé, o teu artigo só não te leva já a professor titular porque trocaste cáspite por caramba. Cáspite, reavivemos esta digna herança italiana. Sempre que interjeitarmos, interjeitemos com cáspite! [Não há problema sobre aquilo que eu disse relativamente aos diversos membros do governo. Cáspite, para eles, é um champô para a caspa.]

1 comentário:

Alice N. disse...

Adorei esta reflexão bem-humorada sobre as nossas queridas interjeições.
Tirando a parte do benfiquismo (só ligo ao futebol quando joga a Selecção), tenho razões semelhantes às suas para dizer:
- Cáspite! Cáspite! Cáspite! Grrr!

Alice N.