23/05/08

Educação e pobreza

Numa entrevista a Alfredo Bruto da Costa, coordenador do estudo “Um Olhar Sobre a Pobreza”, o Público pergunta: “O estudo fala no ciclo vicioso da pobreza: o pobre tem baixas qualificações e não as melhora porque é pobre. Como romper?” A resposta de Bruto da Costa é a que se poderia esperar: “Uma das respostas é que o sistema educativo tem que ter condições de acesso e sucesso das crianças provenientes dos meios pobres. O sistema educativo está desenhado à imagem da família média e média alta: métodos pedagógicos, conteúdos, o apoio que a criança pode ter em casa...”

Esta é a visão politicamente correcta da situação. A causa está ou nos métodos, ou nos conteúdos, ou no design do sistema educativo, ou na falta de apoio doméstico. Há aqui coisas que são verdade, como, por exemplo, os métodos pedagógicos, mas o resto produz um nevoeiro tal que não deixa ver a realidade. Andamos há 40 anos a redesenhar o currículo, os métodos, o sistema educativo, até se redesenha, a partir do Ministério da Educação, o apoio familiar, senão a própria família. Que o insucesso escolar continue, que a pobreza se multiplique, isso é irrelevante e não impede os decisores (que palavra horrível!) de tomarem as mesmas decisões para combaterem os mesmos males.

Onde está o problema? É aqui que ninguém quer tocar. O problema está na atitude do aluno perante a escola, o trabalho e o esforço. Dito numa linguagem aparentemente ultrapassada: o problema do aluno reside na sua vontade. Não há um problema colectivo de insucesso escolar. Há milhares de problemas individuais de insucesso escolar que conduzem a vidas cheias de insucesso. A forma como os especialistas, educativos ou outros, tratam o problema tem sempre o condão de o ocultar. Há múltiplos indivíduos cuja vontade não é educada e que essa deseducação conduz ao insucesso de cada um deles.

Se os métodos são desadequados, são-no porque não têm em consideração este pormenor. A escola e os professores não estão preparados para lidar com ele e esgotam-se num conflito sem sentido com a retórica e a legislação proveniente do Ministério da Educação. Não se trata de mais trabalho por parte dos professores, como pretendem, de forma demagógica, os dirigentes políticos da Educação. Também não se trata de modificar continuamente os currículos até eles se tornarem incompreensíveis.

Trata-se de preparar os professores para lidar com um problema que não é essencialmente cognitivo, mas volitivo. Trata-se de trabalhar de outra maneira. O aluno precisa de ser treinado a querer, a superar-se, a encontrar na dificuldade e no obstáculo um prazer, encontrar satisfação na realização do dever e do bem. É um trabalho que deve visar o grupo, mas que se faz sempre com indivíduos concretos.

Basta visitar uma qualquer escola, para se compreender que tudo se passa ao contrário. Não é que não haja excelentes práticas, mas aquilo que é fundamental para roubar cada indivíduo a um destino de reprodução da miséria passa por esta educação da razão prática de cada um: fortalecer a vontade, orientar a faculdade de desejar, para desenvolver o entendimento e a imaginação. Mas toda esta linguagem é completamente desconhecida a quem toma decisões na educação, a quem aconselha, a quem estuda o fenómeno. Portanto, as soluções irão continuar a mudar e o problema a manter-se. E os lugares-comuns como os que são proferidos por Bruto da Costa passarão por moeda boa e digna de crédito. Não é.

1 comentário:

Leocadia, Patrícia Lima, Fernanda, Bruna, Letícia, Franciele, Maurício, Dhiullian, Nilvane, Julie disse...

concordo plenamente, embora seja professora e não consiga ter muito sucesso com novos métodos. O trabalho deve ser coletivo, eu acho. Muito bom seu blog. Parabéns