29/05/08

As palavras que correm

Um carro amarelo atravessa de súbito a praça, fende a luz branca que envolve o chão e ilumina quem, com tanta pressa, vai; pára com um rugir de travões. Os prédios são uma amálgama de cores e vidros, um jogo de sombras, anúncios que à noite iluminarão o abandono que de tudo tomará conta. No passeio, duas mulheres conversam, ciciam como se partilhassem um segredo, um mistério que aos transeuntes fosse vedado. As palavras correm melífluas e, na seda com que se vestem, cobrem de trevas tudo em redor. Dentro do carro, um homem especado olha atónito para as mulheres que falam. Quem passa recolhe-se na escuridão que sai daquelas bocas e, numa janela, um gato espreguiça-se antes de desaparecer. Quando os faróis do carro se acendem, vê-se um enorme deserto de pedra e cal, uma estátua a um herói da grande guerra e um ramo de flores secas esquecido num banco verde de madeira. O silêncio era um enorme pássaro branco poisado no chão escuro da praça vazia.

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