20/05/08

Vagarosas silhuetas

Há um sol baço a correr entre nuvens, um rasto de luz que se quebra nos fios de água; do céu caem. Aqui e ali, manchas azuis, um sobejo de primavera, a nespereira carregada de frutos, as rosas desfolhadas pela chuva. As casas são agora vultos cansados, dobrados à garra afiada do tempo, casas sonolentas, pardas de esquecimento. Das janelas entreabertas assomam vagarosas silhuetas, olham aquilo que passa, olham da sua eternidade e abanam levemente a cabeça. Assim julgam, naquela sabedoria infinita que o cansaço traz, o bulício que corre sob a inclemência do tempo. Depois recolhem-se no vácuo negro onde habitam. No horizonte, há um vazio inominável e feroz. Alguém grita. E eu oiço, aqui tão perto, um eco mudo vindo sabe-se lá de onde. A tarde desvanece-se na vagarosa silhueta que em mim de súbito se recolhe.

Sem comentários: