Matemáticas e auto-conhecimento
Mimético, apesar dele, eis Molloy, visto sob determinada perspectiva. E durante o Inverno envolvia-me, por debaixo do meu casaco, com faixas de papel de jornal, e só me desembaraçava delas no despertar da terra, o verdadeiro, em Abril. O suplemento literário do Times era excelente para este efeito, de uma solidez e não-porosidade a todos os níveis. Os peidos não o rasgavam. Que querem, o gás sai-me do cu por tudo e por nada, sou assim obrigado a fazer-lhe alusão volta não volta, apesar da repugnância que isso me inspira. Certo dia contei-os. Trezentos e quinze peidos em dezanove horas, o que dá uma média de mais de dezasseis peidos por hora. No fim de contas não é muito. Quatro peidos de quinze em quinze minutos. Não é nada. Nem chega a um peido a cada quatro minutos. Não é verosímil. Vamos, vamos, não sou mais do que um pequeno peidorreiro, fiz mal em falar nisso. É extraordinário como as matemáticas nos ajudam a conhecer-nos. [Samuel Beckett, Molloy. Trad. Dóris Graça Dias. Relógio d’Água]
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