13/05/07

Aprender a calar-se e a escutar...

Estes [os admitidos ao noviciado na escola pitagórica] a princípio chamavam-se, no período em que deviam calar-se e escutar, acústicos [ou acusmáticos, i. é, aqueles que ouvem]. Mas, quando aprenderam as coisas mais difíceis entre todas, isto é, a calar-se e escutar, e começaram a adquirir erudição no silêncio, o que era chamado “echemuthia”, adquiriam então a faculdade de falar e fazer perguntas e escrever o que haviam sentido e exprimir o que pensavam. Em tal período chamavam-se matemáticos, derivando esse nome daquelas artes que começaram a aprender e meditar: pois os antigos gregos chamavam “mathémata” [ciências] à Geometria, à Gnomónica, à Música e às outras disciplinas mais elevadas. Depois, adornados com tais estudos de Ciência, começavam a considerar a obra do mundo e os princípios da natureza e, então, eram finalmente chamados “físicos”. [Tauro, citado por A. Géllio, Noites Áticas, I, 9]

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Estamos perante os ecos da primeira escola ocidental. Ainda antes do ensino dos sofistas, de Sócrates, de Platão e de Aristóteles, foi a chamada escola pitagórica, envolvida na névoa do tempo, o primeiro grande modelo da escola ocidental e saíu dela o impulso que conduziu ao desenvolvimento do saber de todo o Ocidente.

Sempre me fascinou uma passagem de Jean Brun, na sua obra “Os Pré-Socráticos”, que diz “A primeira iniciação durava de dois a cinco anos e compreendia várias provas. O noviço era submetido à prova do silêncio, limitando-se a escutar as lições do mestre, sem pedir qualquer explicação. Provém daí o nome de acusmáticos atribuído aos principiantes. Durante esta primeira iniciação, os alunos não viam o mestre, do qual estavam separados por uma cortina. (…) Em seguida, os neófitos passavam à categoria de matemáticos e, libertos do silêncio, deviam ensinar. Vinham, por último, os físicos, que estudavam os fenómenos da natureza. [Jean Brun, Os Pré-Socráticos]

Há neste resto do que foi o ensino pitagórico uma sensatez inultrapassável. Quem não sabe deve aprender a escutar e só depois tem direito à palavra. A citação de Tauro refere mesmo que o mais difícil é aprender a calar-se e a escutar.

Foi esta «pedagogia» que durante 25 séculos conseguiu fazer do Ocidente a principal potência cultural e científica do planeta. Mas foi também esta pedagogia, de aprender a escutar antes de falar, que os modernos pedagogos, os «especialistas» em ciências da educação, os burocratas dos ministérios da educação e os políticos se entretiveram, nos séculos XX e XXI, a destruir.

Hoje, o panorama é substancialmente diferente. A criança/adolescente ignorantes são concebidos como tendo “conhecimento” válido e instigados a tomar a palavra por tudo e por nada. O resultado destes métodos activos é a pura cacofonia nas salas de aula. A humildade do aprendiz, que radica no dever de aprender, é substituída pela arrogância daquele que tem um saber a transmitir, o qual se funda no direito à palavra. Por que motivo deverão os alunos estudar, se a doutrina oficial da educação já os concebe como detentores de saber? Na primeira aula da sua vida, a criança já poderá ensinar o seu pobre mestre…

Aquilo que foi a tradição ocidental, aquilo que fez a força de uma cultura, foi destruído em meia dúzia de décadas e substituído por um vazio de saber e um palrar insignificante. É a isto que chamam escola moderna, aquela que substituiu o ensino magistral. Aprender a estar em silêncio? Aprender a escutar? De facto, é o mais difícil, mas as nossas crianças não precisam de o fazer. São todas, mal nascem, uns génios e dotadas da mais pura erudição.

1 comentário:

Unknown disse...

A desresponsabilização colectiva assenta em permissas que contribuem para a desestruturação de um sistema e talvez até de uma civilização.
É aparentemente mais fácil, no plano imediato, preencher tempo e espaço da aprendizagem com balbuciantes remoinhos de faladores incapazes de escutar, no plano imediato que o longo prazo não nos diz respeito...
Impôr o silêncio como convite à reflexão, à criação da do espaço mental para a produção de imagens, permitindo um conhecimento para além da repetição.
Este tem sido um trabalho nosso, com meninos do pré-escolar, o mundo constrói-se de experiências e reflexões, propostas e pensamentos.
Acreditamos nestes principios.
Uma civilização pssa por momentos de auto-destruição, teremos talvez que os reconhecer para criarmos anti-corpos!
Rita Tormenta Clara