28/05/07

Macbeth em Torres Novas

O Teatro Virgínia foi palco da apresentação, no sábado passado, da peça Macbeth, de William Shakespeare, numa encenação de Bruno Bravo e com João Lagarto como protagonista.

O teatro não é um dos meus interesses fundamentais. Não tenho grande experiência deste tipo de arte e sobre ela nunca reflecti. Dito isto, percebe-se a relatividade do que segue, para não dizer a nulidade.

Entre a força do texto shakespeariano e a força da representação que me foi dada a ver parece haver uma enorme distância. Não sei se será da qualidade dos actores, da encenação ou de ambos. No entanto, há uma coisa que me parece evidente: aquele texto – a versão da peça para português – não se colava a quem estava no palco. Havia palavras, frases, discurso a mais e actores, fôlego e inspiração a menos. Estava a ver a peça e só me vinha ao pensamento a ideia de que talvez não fosse possível representá-la na nossa língua. O ritmo e a respiração da linguagem não se adaptavam à língua dos actores e tudo assim se tornava estranho, por vezes monocórdico e artificioso. Não que seja adepto de um certo naturalismo representacional. O teatro é artifício, mas não “artificiosidade”. Não que tenha saído do Virgínia em estado de desconsolo, mas não senti aquele Shakespeare como meu, apesar de João Lagarto ter tentado, com esforço, salvar um barco meio à deriva. Por exemplo, será conjugável a dimensão cénica, baseada num puro exercício luminotécnico, e forma declamada de muitas das falas?

Do ponto de vista do texto, há nele uma curiosidade. Se olharmos de forma demasiado apressada, julgamos encontrar ali uma espécie de reconstrução da tragédia grega. Há quem veja, por exemplo, em Lady Macbeth uma reencarnação de Medeia ou Clitemnestra. No entanto, o núcleo central da peça tem pouco de grego e pouco de trágico. A esfera de sentido fundamental provém dos mitos judaico-cristãos e funde dois: a sedução de Adão por Eva e o assassinato de Abel por Caim. É Lady Macbeth (Eva) que leva o marido (Adão) a matar (agora como Caim) o seu primo, o rei Duncan (Abel). É na estrutura mítica do judaísmo que Shakespeare encontra a força do drama, travestindo-o com a violência encontrada na crónica da Escócia de H. Boécio, chegada a ele através de Hollinshed, e na qual surge a personagem semilendária de Macbeth.

Nesse centro, o que se encontra é a noção de culpa na origem do crime e o respectivo castigo. Por exemplo, no Édipo Tirano, de Sófocles, Édipo é inocente e tudo o que o destino lhe traz, toda a sua tragédia, não se alicerça no livre-arbítrio. Não é este o caso de Macbeth. Na origem do crime macbethiano, estão a avidez e a concupiscência, dependentes do livre-arbítrio, e não o cruel destino a que a terrível necessidade não deixa fuga. Tudo isto é envolvido num fundo medieval sangrento e supersticioso.

Quando Macbeth é morto e a ordem moral do mundo é restabelecida, a mensagem judaico-cristã fica completa. Mas na tragédia grega não há uma ordem moral do mundo a restabelecer, pois a moral não faz parte do mundo e a ordem é apenas uma ilusão com que a vida, no seu turbilhão caótico, se transfigura e se torna aceitável aos homens.

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