03/05/08

Pedro Mexia - Caroline de Bendern

Toda a gente já viu esta "Marianne", símbolo vivo da "revolução" (com aspas) de Maio, herdeira da outra Marianne, símbolo decrépito da revolução (sem aspas) de Julho. A agitação de rua não chega: é preciso o combate do imaginário. Os revolucionários de 1789 congeminaram uma beldade de maminhas soltas e barrete frígio, que se fez virtude em estátua e propaganda universal. Os revoltados de 1968, mais uma vez encabeçados por homens, também precisavam do seu rosto feminino. E nenhum outro ficou na memória como o de Caroline de Bendern. Ela foi capa de revista em todo o mundo, e ainda hoje é o mais belo poster da revolta parisiense.

Curiosamente, Caroline não passava de uma figurante naquela comédia. Não era francesa, nem estudante, nem trabalhadora, nem especialmente politizada. E (não se choquem) fez pose. Em Maio de 1968, Caroline tinha 27 anos. Inglesa, era neta do Conde de Bendern, e uma neta problemática. Andou por várias escolas internas inglesas, de onde foi sendo expulsa, depois mandaram-na para Viena, onde se meteu na boémia, e acabaram por lhe cortar a mesada. Então foi para Paris e Nova Iorque, e trabalhou como modelo. Caroline era uma rapariga do seu tempo, e dizia aquelas coisas vagas contra "a sociedade" e a favor da "mudança". À Normandie Magazine confessou em 1997: "Estava-me nas tintas para a política francesa, porque estava preocupada com a humanidade inteira." Nada mais inócuo do que estar preocupado com toda a humanidade.

Como é que esta jovem mulher se torna a Joana d"Arc do Maio vermelho? Ela ia no meio da multidão que marchava em direcção à Bastilha (os símbolos, os símbolos) e já lhe doíam os pés (é o que ela conta). Então alguém lhe pede que salte para os ombros de um rapaz e segure uma bandeira. A boleia era bem vinda. A questão da bandeira parecia mais complicada: "Não queria nem a bandeira vermelha - por causa dos comunistas que sabotavam o movimento - nem a bandeira negra, porque não sabia nada dos anarquistas. Mas a bandeira vietnamita convinha-me como símbolo de uma guerra que toda a juventude denunciava. De repente, sinto várias objectivas fixadas em mim." Nada a que uma modelo não esteja habituada: "Então tive como que um reflexo profissional. Instintivamente, endireitei-me, o meu rosto torna-se mais grave, os meus gestos mais solenes. Quis a todo o custo ser bela e dar uma representação daquele movimento à altura do momento."

Se os namorados de Doisneau, naquele famoso Baiser de l"Hôtel de ville também estavam ensaiados, como é que uma modelo ia fazer diferente? Ela admite: "No fundo, fiz pose. E fui armadilhada por essa pose. Porque de repente emocionei-me: esta multidão que se junta, justa, ardente, luminosa, com todas aquelas bandeiras, e este símbolo tão pesado na minha mão. Torno-me exactamente o que tento parecer. Já não represento nenhum papel, estou mergulhada no movimento e no instante, e consciente, eu que sou uma aristocrata inglesa, de uma responsabilidade." O avô conde, como é próprio dos avós condes, não se comoveu nada com as multidões ardentes: rasgou o testamento e disse à neta que não lhe aparecesse mais à frente. Caroline trocou a aristocracia do título pela aristocracia da celebridade, e convenhamos que há "armadilhas" mais graves. Hoje, diz que nunca se arrependeu do Maio. Quando muito, digo eu, está arrependida de não ter pedido royalties. [Público, 3 de Maio de 2005]

2 comentários:

Haddammann Verão disse...

Utilizando uma cancha deixada no Post sobre o Trabalho neste mesmo Blog, e, colocando um pensamento sobre como fazer uma Revolução com Reflexão, convido os seres humanos a sonhar e realizar ...

Pensando refletidamente sobre a questão do Trabalho na vida humana encontramos o cerne do porquê ao nos tornarmos r i c o s passamos (ou tendemos) a aceitar cegados as mazelas do mundo, ou melhor, tendemos a ser coniventes com a ufanação incabida provinda da maior aquisição de posses, e, endossamos o desprezo e o descaso com determinadas atividades (e, claro, pressentido pelas pessoas que as exercem), levando-nos a fatiar miseravelmente a remuneração do labor olhado com discriminação, gerando assim os "desfavorecidos".
Acontece que uma mácula no conceito de Trabalho e no Princípio Servir Para Servir, e uma total ignorância sobre o Princípio da Não-Usurpação, vem há muito adoçando o "formato educativo" da vida civil alentando a tendência à vagabundice e à indolência; conturbando a serenidade e o ânimo e o prazer de exercer o Trabalho por vocação, por satisfação, por colaboração civil, que precisa ser inapelavelmente categorizado sim por talentos e competências, compensando-se conseguinte a estes, dignamente, não dando azo de maneira nenhuma ao afrontamento da soberba da maior posse, e à subserviência humilhante do comedido na sua simplicidade, nem à desculpa do préstimo mal-feito, e do bônus mal-outorgado, por tais pressentimentos (e vigência de normas de costumes de que “a vida é assim”) que experimentamos todos na vida civil – para que vivamos não irritando-nos, nem menosprezando-nos uns aos outros como cidadão, persona civil, para que nos invistamos com postura serena a responsabilidade na função gozada, por cada um de nós. Esse é o moto do orgulho pelo T R A B A L H O que prevalecerá na Meritocracia; configurando-se então que não haverá lugar para “apascentadores” supérfluos, inúteis, simbólicos, desprovidos de qualquer serventia. Ficando a cargo do Sociólogo, do Cientista Político, do Ambientalista, do Humanista, e do Antropólogo, a responsabilidade de coligir as aspirações efluentes e surgentes na Sociedade para conceber em tempo útil o modo de satisfazer os indivíduos conscientizados em um autêntico bem-estar –a prioridade social.



Parte 3

Muito bem. Revendo o primeiro parágrafo da primeira parte deste texto-comentário claramente depreendemos que o que se lê acerca daquele pensador, é que foi veemente contra religião, até com gestos e ações contundentes, e hoje mais do que nunca estaria injustiçado o que teria dito, exatamente como todos os outros que deflagaram ruptura com a mentira (em que nos enfiamos e nos atolamos até à ponta do fio de cabelo – reveja A Canalhice Começou Assim – referência no contexto) e a falácia que sustentava e sustenta vagabundos parasitas que drenam a seiva e o vigor civil em todos os povos.

Portanto, há que defendermos que uma valiosa contribuição duma mentalidade conquistada pelo povo judeu reverteu num tremendo engano, servindo não para prover liberdade e consenso civil, mas para suster um conluio imenso de parasitas. Disso se dá a conclusão necessária para extinguir a religião do seio da Sociedade Humana, dado que visivelmente é essa instituição a principal fomentadora da preguiça psico-biológica para se conseguir socialmente o indivíduo com propensão à característica de escravo, dado à hipocrisia, à condescendência consigo mesmo, ao escárnio ao estudo, à anulação de si mesmo, para que se possa através disso obtermos um molde retrógrado de uma cocheira, ou senzalas (brancas, negras, de todos os matizes), num coacervado civil descabeçado, exaurindo com o sustento inconcebível de um imenso número de religiosos-parasitas-“mandantes e seus capatazes”, os riquíssimos recursos das nações e da Terra (num equivocado “desenvolvimento sustentado”), enquanto somos mantidos com olhos perdidos em coisas vãs, sem sentido, pernósticas, que só têm o fito de assegurar o regalo dos parasitas.



Não se brinca com as leis da vida. Portanto, temos sim, que mudar por Reflexão, não por guerra, e submissão, como os pulhas insistem (para uma mudança ao modo deles), e não com apatia silente como a que transformou povos lindos em flagelos superpopulosos em miséria.



De tudo que vimos aqui, podemos atinar que até escarnecemos de quem trabalha, mas esse dano psicológico que nos empurram como conduta cultural leviana faz aí nossas mãos caírem e nossos prédios ficarem carcomidos, feios, enquanto ao invés de estarmos vivos e cuidando-nos, ficamos sentadinhos escutando o encanto de promessas de riquezas, fazendo-nos tirar do nosso bolso o que seria pra o nosso proveito em nossas casas, em nossas cidades, em nossas idéias de construir, que nos estimula com nossos amigos.



Conclusão: Ao invés de termos higiene ambiental, bem-estar, e beleza, temos é esgoto insuportável em rios, sérias complicações físicas; ao invés de vermos o que de fato somos, seres belos, que têm por obrigação viver em cidades belíssimas em honra à vida e ao nosso Planeta.

Haddammann Veron Sinn-Klyss.

Haddammann Verão disse...

Trecho da Parte 1 do Comentário sobre a postagem: Hannah Arendt-Sobre o Labor e o Trabalho (neste mesmo Blog); que originou esta entrada.
Extremissimamente difícil seria pra qualquer um entender como poderíamos “aceitar” a pobreza, como o que “sempre teríamos” (suposta e incoerente fala de um provável ser humano nomeado Jesus). Seria um endosso à irresponsabilidade civil para o cidadão classificado como r i c o. Outro endosso à displicência civil para o ser consciente que tem suporte, acesso, e grau, no Conhecimento Humano é a postura psicológica de Aristóteles referente a t r a b a l h o. Ambos os endossos efetivam o disparate de o ser humano com tão evoluído acervo de informações conviver com um destrambelhamento soberbo em referência às condições sociais de vida. (Leia mais indo lá).