07/05/08

Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt - Quarenta e três

[Viena, Secession]

43 - Gustav Klimt - Beethovenfries - Die Sehnsucht nach dem Glück (Detail), 1902 [O Friso Beethoven – A nostalgia da felicidade]

Quarenta e três

É tão incompreensível o gesto abandonado
em que cruzas os dedos e com as mãos
assim ordenadas esperas, o corpo nu
e o seio desvelado, que os tempos, aqueles
em que te rias diante dos olhos que te amavam,
voltem resplandecentes de luz e glória,
a fina glória que os corpos ainda jovens
apresentam ao olhar ávido daquele
que os espreita, a carne brilhante e firme,
a pele não enrugada pelo pouco uso
que a vida ainda dela fez.

Se te olho é porque já não sei a palavra
com que te chamava, nos dias em que uma
chama me queimava os intestinos e no ardor
que me acometia era o teu nome que me
saltava da boca e me fazia rastejar
pelo chão do quarto, perdido na penumbra
da tarde onde nascia, sem saber de onde,
um perfume a flores secas que me faziam
lembrar aquele chapéu de palha;
então o punhas e desfilavas perante mim
e com o ar marcial que arvoravas
deixavas os seios desenharem-se breves
nessa camisa que julguei ser o uniforme
onde te fechavas e do mundo te esquecias.

Eram tempos de fortuna, as flores cresciam
pelos bordos da estrada, faziam tufos de cor,
deixavam um odor a mundo que começa
pelos sítios onde caminhavas e coleccionavas,
num herbário pardacento, pétalas que o tempo
secara, como se anunciassem as rugas que a tua
pele haveria de ter, mesmo longe do calor
dos meus braços. Desses dias, resta a nostalgia
que te faz cruzar as mãos e te deixa
um traço tão amargo que o olhar
se inclina, sob o peso da solidão,
para o sítio mais negro onde não há lugar
para uma sombra, uma nuvem ou um riso,
feroz riso que, sob a estridência dos dias,
esconde a vergonha verde de uma súplica.

Jorge Carreira Maia, Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt, 2008

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