09/05/08

Descobrir um coração

Brilha inquieto o sol da tarde, a chuva parou, as nuvens, negras nuvens de tempestade, abrem brechas e as gentes correm avenida fora à procura do fim-de-semana. Respiro o ar morno e deixo a paisagem entrar pelos olhos e anichar-se em mim, como se eu fosse o último território onde, no desvario dos tempos, ela pudesse salvar-se. Talvez a salvação não seja mais do que isso: descobrir um coração onde se possa permanecer como se estivéssemos em casa. A casa de cada um, a moradia de cada coisa, está apenas naquele lugar a que, à falta de melhor, se dá o nome de coração. Lá repousamos – eu, tu, a folha que cai ou a pedra que rola – na esperança de que haverá no mundo, quando dele nos despedirmos, uma memória que retenha um pouco da pouca luz que se desprendeu da nossa tão súbita e inócua passagem.

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