Santana Castilho - O sistema
Para quem se interroga sobre o verdadeiro conceito de "eduquês", aqui está [no Acção Socialista] um belo paradigma. Os acontecimentos da Carolina Michaëlis foram analisados sob os mais diversos ângulos. Ouvi os disparates do costume, teses controversas e complexas arrancadas às entranhas das ortodoxias pedagógicas, psicológicas e sociológicas, de que discordo, e opiniões alicerçadas no simples bom senso dos que procuram civilizar (entenda-se civilizar como preparar para a vida civil, imbuir os mais novos de civismo).
Assente o pó, a lógica de Lampedusa (é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma) continuará a sua marcha. Porque o problema da Escola é, como no futebol, o sistema. O sistema que impera há décadas e que tem excluído os professores da sala de aula (expressão feliz de Mithá Ribeiro) das decisões congeminadas por elites de teóricos que não sabem o que é uma escola. E porque desta feita o mote foi o telemóvel, transcrevo uma pérola ilustrativa, extraída de um artigo de Carlos Zorrinho, coordenador nacional da Estratégia de Lisboa e do Plano Tecnológico. Vem no Acção Socialista de 18 de Março e doutrina assim:
"... A vida é hoje cada vez mais multifuncional. Ao mesmo tempo vemos televisão, lemos, escrevemos, jogamos e falamos! É isso que os jovens estudantes fazem quando estudam com a música alta, o computador ligado e o telemóvel pronto a trocar mensagens. É assim que aprendem e é nesse ambiente que vão criar valor.E a escola? A escola é cada vez mais isso nos intervalos, nas actividades lúdicas e complementares, mas não tem ainda condições para ser isso nos períodos formais de aulas..."
Ouviram bem? À vez, vemos televisão, lemos, escrevemos, jogamos e falamos. E esta balbúrdia, depreendo eu do que li, é o modelo desejado para a escola pelo professor universitário que coordena a Estratégia de Lisboa e o Plano Tecnológico. Para quem se interroga sobre o verdadeiro conceito de "eduquês", aqui está um belo paradigma. O "eduquês" é a linguagem do sistema, entendido este como um pacto entre elites dominantes de académicos que abominam ensinar, de políticos incompetentes e burocratas de serviço.
Os acontecimentos da Carolina Michaëlis, a dar fé à imprensa, chocaram também Cavaco Silva, que resolveu convocar o procurador-geral da República. Foi a última iniciativa de uma série que "judicializou" um acontecimento lamentável (a vários títulos, que não só o do comportamento da aluna e colegas), mas que é de natureza estritamente disciplinar e escolar. Pena foi que o Presidente da República não se tenha chocado mais cedo com tantas iniciativas que, por acção ou omissão, promoveu e ajudaram a robustecer o sistema. Por todas, e como mero exemplo, lembro esse monumento ao "eduquês" (Lei nº23/2006, de 23 de Junho), que promulgou sem pestanejar. Segundo tal diploma legal, e cito o que na altura aqui escrevi, um grupo de jovens de seis anos de idade, seis, pode constituir-se em associação de estudantes. Se o fizer, tem direito a apoio financeiro, técnico, formativo e logístico por parte do Estado. Tem direito a tempo de antena no serviço público de rádio e de televisão. O Estado deverá remeter a esse grupo de jovens todos os projectos de actos legislativos que se refiram à definição, planeamento e financiamento do sistema educativo, à gestão das escolas, ao acesso ao ensino superior, à acção social escolar e aos planos de estudos, reestruturação e criação de novos agrupamentos e áreas curriculares ou disciplinas, para que eles emitam sobre o mesmo o seu parecer. Para além da audição obrigatória por parte do Estado, como referido, estes jovens de seis anos ainda têm o direito de ser consultados pelos órgãos de gestão das escolas que frequentem, quanto às seguintes matérias: projecto educativo da escola; regulamentos internos; planos de actividades e orçamento; projectos de combate ao insucesso escolar; avaliação; acção social escolar; organização de actividades de complemento curricular e do desporto escolar.
Querem melhor para voltar à Carolina Michaëlis? Para desviar os holofotes do que estava em marcha, isto é, a primeira contestação dos professores capaz de fazer mossa ao sistema? [Público, 2 de Abril de 2008]
Assente o pó, a lógica de Lampedusa (é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma) continuará a sua marcha. Porque o problema da Escola é, como no futebol, o sistema. O sistema que impera há décadas e que tem excluído os professores da sala de aula (expressão feliz de Mithá Ribeiro) das decisões congeminadas por elites de teóricos que não sabem o que é uma escola. E porque desta feita o mote foi o telemóvel, transcrevo uma pérola ilustrativa, extraída de um artigo de Carlos Zorrinho, coordenador nacional da Estratégia de Lisboa e do Plano Tecnológico. Vem no Acção Socialista de 18 de Março e doutrina assim:
"... A vida é hoje cada vez mais multifuncional. Ao mesmo tempo vemos televisão, lemos, escrevemos, jogamos e falamos! É isso que os jovens estudantes fazem quando estudam com a música alta, o computador ligado e o telemóvel pronto a trocar mensagens. É assim que aprendem e é nesse ambiente que vão criar valor.E a escola? A escola é cada vez mais isso nos intervalos, nas actividades lúdicas e complementares, mas não tem ainda condições para ser isso nos períodos formais de aulas..."
Ouviram bem? À vez, vemos televisão, lemos, escrevemos, jogamos e falamos. E esta balbúrdia, depreendo eu do que li, é o modelo desejado para a escola pelo professor universitário que coordena a Estratégia de Lisboa e o Plano Tecnológico. Para quem se interroga sobre o verdadeiro conceito de "eduquês", aqui está um belo paradigma. O "eduquês" é a linguagem do sistema, entendido este como um pacto entre elites dominantes de académicos que abominam ensinar, de políticos incompetentes e burocratas de serviço.
Os acontecimentos da Carolina Michaëlis, a dar fé à imprensa, chocaram também Cavaco Silva, que resolveu convocar o procurador-geral da República. Foi a última iniciativa de uma série que "judicializou" um acontecimento lamentável (a vários títulos, que não só o do comportamento da aluna e colegas), mas que é de natureza estritamente disciplinar e escolar. Pena foi que o Presidente da República não se tenha chocado mais cedo com tantas iniciativas que, por acção ou omissão, promoveu e ajudaram a robustecer o sistema. Por todas, e como mero exemplo, lembro esse monumento ao "eduquês" (Lei nº23/2006, de 23 de Junho), que promulgou sem pestanejar. Segundo tal diploma legal, e cito o que na altura aqui escrevi, um grupo de jovens de seis anos de idade, seis, pode constituir-se em associação de estudantes. Se o fizer, tem direito a apoio financeiro, técnico, formativo e logístico por parte do Estado. Tem direito a tempo de antena no serviço público de rádio e de televisão. O Estado deverá remeter a esse grupo de jovens todos os projectos de actos legislativos que se refiram à definição, planeamento e financiamento do sistema educativo, à gestão das escolas, ao acesso ao ensino superior, à acção social escolar e aos planos de estudos, reestruturação e criação de novos agrupamentos e áreas curriculares ou disciplinas, para que eles emitam sobre o mesmo o seu parecer. Para além da audição obrigatória por parte do Estado, como referido, estes jovens de seis anos ainda têm o direito de ser consultados pelos órgãos de gestão das escolas que frequentem, quanto às seguintes matérias: projecto educativo da escola; regulamentos internos; planos de actividades e orçamento; projectos de combate ao insucesso escolar; avaliação; acção social escolar; organização de actividades de complemento curricular e do desporto escolar.
Querem melhor para voltar à Carolina Michaëlis? Para desviar os holofotes do que estava em marcha, isto é, a primeira contestação dos professores capaz de fazer mossa ao sistema? [Público, 2 de Abril de 2008]
1 comentário:
Inacreditável...então a ideia é que as aulas passem a ser uma espécie de laboratório multi-qualquer-coisa, em que se aprenda teclando sms's, navegando no Youtube e no Hi5, acedendo à Wikipédia, comunicando via MSN, assistindo aos Morangos com Açúcar, de hetefones nos ouvidos e micrifone no computador, e..de vez em quando, ouvindo o que o «parvo» ou «parva» têm para dizer, sendo esses «parvos» as pessoas a que, em tempos pré-históricos se chamavam professores...
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