23/04/08

Indisciplina escolar e negação ministerial

Uma criança de 11 anos, numa escola do Barreiro, decidiu dar um pontapé numa professora. Diz a senhora ministra da educação: “Evidentemente que são casos dramáticos, mas temos de ter consciência de que são casos isolados e não representam a generalidade do comportamento dos nossos alunos.” Vejamos como funciona a linguagem da senhora ministra. Começa por adjectivar de forma hiperbólica o acontecimento. É evidente, porém, que não estamos perante um caso dramático, mas apenas de uma cena de indisciplina. Mas a hiperbolização do caso só serve, na estratégia da senhora ministra, para ocultar aquilo que a senhora não quer ver nem quer que os portugueses vejam: a indisciplina de uma parte significativa dos alunos.

Apesar de se darem muitos pontapés aos professores (embora a maior parte venha do Ministério da Educação), os alunos não andam, todos eles, ao pontapé ao professor. Há, no entanto, uma elevada taxa de agressões e uma atitude disciplinar dos alunos inaceitável e que impede o trabalho escolar. A senhora ministra quer dizer aos portugueses que a indisciplina é residual. Porquê? Para não pôr em causa a sua tese de que os maus resultados dos alunos são devidos aos professores. Se as pessoas admitem a existência, nas escolas, de um clima de indisciplina que impede o trabalho, se esse clima de indisciplina está assente numa cultura pouco voltada para o trabalho escolar, lá vão por água abaixo as estapafúrdias teses ministeriais sobre o insucesso escolar e os chumbos. A senhora ministra não quer ver a realidade, pura e simplesmente porque ela desmente a sua visão da escola e dos professores. A única coisa a fazer, para manter uma fábula sem qualquer ligação ao que se passa na escola, é negar a realidade.

A relação da senhora ministra com a vida escolar está a atingir foros apenas compreensíveis no âmbito da teoria analítica de Freud. A negação, em psicanálise, é a tentativa de não aceitar na consciência qualquer coisa que perturba o ego. Esta negação sistemática da realidade, esta negação que combina a hiperbolização do facto com a sua negação, revela uma perturbação das convicções ministeriais. É como se todo o edifício arquitectado por aquela pessoa pudesse ruir com a admissão da realidade. Isso percebe-se até pela formação sociológica da senhora ministra. Ela sabe claramente que o insucesso escolar tem causas sociais que os professores não podem dominar nem são responsáveis por elas. É esse saber que tem de ser recalcado e o recalcamento só pode acontecer se a realidade for negada. A máscara de solidez da senhora ministra é apenas e só uma máscara. Há uma enorme convulsão por detrás da pose. Ela pressente, ao nível do inconsciente, que seguiu um caminho completamente errado e absurdo. Há um conflito interior patente que se disfarça através de uma pose hierática e da enfática afirmação de convicções. Mas a pose, para quem está habituado a ler, é apenas uma táctica de luta contra aquilo que ela pressente e que de certa maneira sabe: a falsidade em que assenta a sua política. A negação da indisciplina nas escolas é o ponto central dessa táctica que visa recalcar a vinda à consciência de um saber traumático.

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