30/04/08

A gravidade dos chumbos

O Público descobriu hoje que os 170 mil alunos que chumbaram o ano lectivo transacto custaram ao erário público mais de 600 milhões de euros. Não há nada melhor do que a economia para perverter uma discussão racional sobre aquilo que se chama, na linguagem de pau da nomenclatura educativa, insucesso escolar. Aliás, foi a ministra que enveredou há dias por esse caminho. Não é que o custo económico seja despiciendo, não o é. Mas o problema é mais complexo mesmo ao nível económico. Não são apenas os 600 milhões que se perdem. É o impacto negativo na capacidade de gerar riqueza futura por parte desses alunos. Mas o problema não é só destes. É também daqueles que passam e não deviam (são provavelmente muitos mais) e os que sairão das novas oportunidades em que se transformou uma parte da educação em Portugal. Esta perda é ainda maior e mais dramática, mas como não é contabilizável ninguém fala dela.

Mas a discussão está pervertida, pois o problema principal está na seguinte questão: por que razão há tanta repetência em Portugal? Esta discussão deveria ser séria. Mas, devido à acção do actual governo, está toda ela inquinada. Há múltiplas variáveis. Por exemplo, será que muitos alunos têm maturidade suficiente para entrar na escolaridade aos 6 anos? Na Finlândia só entram aos sete. Será que existe uma diversificação curricular que permita encaminhar, desde muito cedo, alunos com poucas apetências pelo ensino geral para uma formação mais adequada? Será que os programas estão adequados? Será que a estrutura curricular é adequada? Qual a qualidade da avaliação que é feita pelos professores? Será a adequada? Será que a gestão dos recursos humanos, dirigida ao milímetro pelo ME, é a mais correcta? Será que é possível adequar o ensino, pelo menos no ensino básico, a turmas tão heterogéneas? Que impacto tem a organização escolar no rendimento dos alunos? Que impacto tem a cultura, entendida na sua relação com o esforço e a exigência, dos alunos na sua prestação escolar? Que impacto tem a cultura da sociedade e das famílias no desempenho escolar das novas gerações?

Como se vê, o problema é muito complexo. Em vez de se olhar para ele de frente, lança-se uma campanha pública contra os chumbos e abre-se o caminho para que amanhã qualquer aluno passe sem saber ler nem escrever. Dirão os defensores do ministério que não é isso que se pretende. Direi, porém, que qualquer medida tem sempre os seus efeitos colaterais. E, como muito bem sabemos pela experiência da guerra em directo na tv, esses efeitos colaterais são devastadores. Os chumbos têm gravidade, pesam que se fartam, mas mais grave é fingir que não há nada para compreender no fenómeno, que é uma questão de voluntarismo político e de pressão sobre os professores.

1 comentário:

Anónimo disse...

Um dos grandes problemas deste ministério da educação (as maiúsculas são para quem as merece) é que nunca teve intenção de resolver, de facto, os problemas de fundo nem melhorar a qualidade do ensino. O ministério da educação é o rosto da política do faz de conta... Faz de conta que nos preocupamos muito com a qualidade das aprendizagens e das condições que as escolas têm... Faz de conta que queremos realmente a excelência... Faz de conta que queremos mesmo uma escola melhor...

O ministério tem alguns objectivos muito claros e não olha a meios para os atingir. Um deles é melhorar as estatísticas custe o que custar e muito rapidamente. Ora, como é sabido, a pressa é inimiga da perfeição e, quando à pressa se junta a falta de escrúpulos, dá algo muito perigoso e pouco digno!...

O ministério só quer saber do embrulho, um embrulho muito bonito e reluzente para apresentar em Bruxelas e noutras instâncias. Não se interessa pelo conteúdo (se o povo for ignorante, tanto melhor, que mais facilmente se manipula).

Dentro de alguns anos, tudo isso será visível aos olhos de todos, mas então será tarde e os responsáveis estarão ao fresco, algures num trono dourado, convenientemente "distantes da vida político-partidária", como habitualmente se diz. Temos vários exemplos destes e olhem como estão bem...
Alice N.