Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt - Dezanove
19 – Gustav Klimt – Landhaus am Attersee (Sommerlandschaft), um 1911 [Casa rural no Lago de Atter (paisagem de Verão)]
Dezanove
Ó se eu fosse lavrador e da terra amasse
o trabalho e os cheiros e os poentes
cheios de cor e nostalgia, era estes campos
que haveria de lavrar. Lá faria nascer
flores e arbustos e árvores de fruto
para que a tua boca sentisse
o sumo vindo de minhas mãos
e o orvalho da manhã tivesse
aos primeiros raios de sol
mil lugares para resplandecer.
Ó se eu fosse lavrador, levar-te-ia
para esta casa e sonhávamos os dois,
naquelas janelas, as grandes metrópoles
iluminadas pelos faróis insones
que rompem a noite
e nas ruas mancham de luz a escuridão.
Segredar-te-ia então os nomes das capitais
e os rios que nelas haveria, se os houvesse,
e as gentes perdidas entre a multidão.
Assim ficaria povoada
a nossa pacata solidão, feita de flores,
ervas e horizontes largos
como os não há naquelas capitais,
onde os anjos morrem electrocutados
e os homens esquecem-se do nome
quando caminham pelas avenidas
sob o ruidoso passar dos automóveis.
Ó se eu fosse lavrador, tomar-te-ia a mão
e veríamos os dois o Verão caminhar para o Outono,
e este para o Inverno e dançaríamos nos prados
quando chegasse a Primavera.
Ó se eu fosse lavrador não escreveria poemas,
nem te diria as palavras que agora invento
para te dizer aquilo que te diria
se eu não fosse aquilo que sou.
Ó se eu fosse lavrador, não quereria saber de flores
nem de árvores nem de campos
nem de poentes vermelhos ou
largos horizontes que anunciam
a linha nítida que separa as estações.
Ó se eu fosse lavrador, vendia terras e animais
e embalado pela tua mão
ia para onde não há frutos ou flores
ia para o sítio onde esqueceríamos os nomes
e assim aprenderíamos a morrer
como se morre nas avenidas,
ao escutar o grito quebrado dos anjos
lá, naqueles lugares, onde
as estações não passam mais.
Jorge Carreira Maia, Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt, 2008
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