O poder e o mal
O senso comum, aquele que se expressa pela boca do homem do táxi, tem a estranha intuição da maldade natural do homem político. A opinião esclarecida, pelo contrário, tende a compreender o homem político na sua relação com a comunidade e o bem comum, ou com os interesses gerais que esse homem representa. Por norma, embora isso esteja a mudar por pressão popular ou populista, há uma tendência para separar a vida pública e a vida privada do político.
Mas a verdade, porém, é que, com essa separação, o político se torna incompreensível. A raiz da sua compreensão não está na obra que realiza, mas nos impulsos que o levaram a procurar o caminho político. É nos devaneios do seu eu, no mais secreto de si, que reside a chave para uma compreensão dos actos. Grandes palavras e grandes actos procuravam os heróis homéricos e essa procura da grandeza habita, ainda hoje, os sonhos do mais insignificante presidente de junta de freguesia. É verdade que muitos não ultrapassam os níveis extremos da vileza e da insignificância, incapazes e impotentes, no efectivo sentido da palavra.
Mas como aferir essa grandeza? No número de vidas destruídas, como muito bem o sabe Ulrich, o homem sem qualidades, personagem do romance de Musil. Os grandes heróis homéricos, os que combateram na guerra de Tróia tornavam-se grandes não apenas pelas palavras que proferiam, mas pelas vidas que ceifavam. A grandeza do político funda-se então nesse trabalho de destruição. Não me refiro apenas às grandes personagens históricas, a Alexandre da Macedónia, ou a Júlio César, ou a Bonaparte, ou a Hitler, ou a Robespierre, ou a Estaline, ou ao Marquês de Pombal. Também nas democracias a grandeza nasce das vidas que, secretamente, se destroem.
Se ainda por um momento nos iludimos com o político democrático, talvez isso se deva à fragilidade da nossa faculdade de julgar, aos devaneios trazidos por uma democracia jovem e às ilusões que a Europa viveu durante a Guerra-fria. Agora que todas as ilusões acabaram, a natureza do político, mesmo o democrático, vem ao de cima: a busca da grandeza funda-se no número de vidas destruídas. A retórica reformista não é outra coisa do que a legitimação da busca de grandeza de um ego que, apesar de se ocultar na privacidade, espera encontrar no espaço público o lugar da glória através da destruição de vidas. Hoje, na vida das sociedades de direito, o político não destrói vidas através do assassínio, fá-lo através da lei. Mas o impulso homicida que funda o lugar do poder lá está, pronto para saltar se lhe for dada oportunidade.
Que a glória política esteja ligada à destruição de vidas é um dos enigmas maiores da história da espécie humana. Que os próprios homens, potenciais vítimas do furor de glória do político, só reconheçam grandeza àqueles que têm verdadeira capacidade de carrascos, não é também mistério despiciendo. Mas como se explicará que, apesar de uma experiência de milhares de anos, ainda não consigamos perceber que o poder não é apenas o lugar do mal, mas a oportunidade do mal absoluto? Razão tinha o teórico da contra-revolução francesa, o reaccionário Joseph De Maïstre, em ver no carrasco a figura central da comunidade política. A contrapartida da grandeza de uns é a acção do carrasco, real ou metafórico, sobre os outros. Aos homens comuns não lhes deve importar quem tem o poder, mas o modo de o limitar, seja a quem for. A bondade da democracia não está na possibilidade de escolher quem maneja o cutelo, mas limitar o mais possível aquele que ocupa o lugar do poder. De certa forma, os únicos políticos que servem o cidadão são os que estão na oposição e apenas enquanto lá estão.
Mas a verdade, porém, é que, com essa separação, o político se torna incompreensível. A raiz da sua compreensão não está na obra que realiza, mas nos impulsos que o levaram a procurar o caminho político. É nos devaneios do seu eu, no mais secreto de si, que reside a chave para uma compreensão dos actos. Grandes palavras e grandes actos procuravam os heróis homéricos e essa procura da grandeza habita, ainda hoje, os sonhos do mais insignificante presidente de junta de freguesia. É verdade que muitos não ultrapassam os níveis extremos da vileza e da insignificância, incapazes e impotentes, no efectivo sentido da palavra.
Mas como aferir essa grandeza? No número de vidas destruídas, como muito bem o sabe Ulrich, o homem sem qualidades, personagem do romance de Musil. Os grandes heróis homéricos, os que combateram na guerra de Tróia tornavam-se grandes não apenas pelas palavras que proferiam, mas pelas vidas que ceifavam. A grandeza do político funda-se então nesse trabalho de destruição. Não me refiro apenas às grandes personagens históricas, a Alexandre da Macedónia, ou a Júlio César, ou a Bonaparte, ou a Hitler, ou a Robespierre, ou a Estaline, ou ao Marquês de Pombal. Também nas democracias a grandeza nasce das vidas que, secretamente, se destroem.
Se ainda por um momento nos iludimos com o político democrático, talvez isso se deva à fragilidade da nossa faculdade de julgar, aos devaneios trazidos por uma democracia jovem e às ilusões que a Europa viveu durante a Guerra-fria. Agora que todas as ilusões acabaram, a natureza do político, mesmo o democrático, vem ao de cima: a busca da grandeza funda-se no número de vidas destruídas. A retórica reformista não é outra coisa do que a legitimação da busca de grandeza de um ego que, apesar de se ocultar na privacidade, espera encontrar no espaço público o lugar da glória através da destruição de vidas. Hoje, na vida das sociedades de direito, o político não destrói vidas através do assassínio, fá-lo através da lei. Mas o impulso homicida que funda o lugar do poder lá está, pronto para saltar se lhe for dada oportunidade.
Que a glória política esteja ligada à destruição de vidas é um dos enigmas maiores da história da espécie humana. Que os próprios homens, potenciais vítimas do furor de glória do político, só reconheçam grandeza àqueles que têm verdadeira capacidade de carrascos, não é também mistério despiciendo. Mas como se explicará que, apesar de uma experiência de milhares de anos, ainda não consigamos perceber que o poder não é apenas o lugar do mal, mas a oportunidade do mal absoluto? Razão tinha o teórico da contra-revolução francesa, o reaccionário Joseph De Maïstre, em ver no carrasco a figura central da comunidade política. A contrapartida da grandeza de uns é a acção do carrasco, real ou metafórico, sobre os outros. Aos homens comuns não lhes deve importar quem tem o poder, mas o modo de o limitar, seja a quem for. A bondade da democracia não está na possibilidade de escolher quem maneja o cutelo, mas limitar o mais possível aquele que ocupa o lugar do poder. De certa forma, os únicos políticos que servem o cidadão são os que estão na oposição e apenas enquanto lá estão.
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