15/04/08

Ruben A. - KAOS

Uma camada de homossexualidade misógina cobria a Pátria, Lusitânia chamada pelos heróis do 5 de Outubro. Dos altos de rio de Onor até à última fortaleza da costa algarvia as elevações de ter­reno abafavam-se de uma moleija aveludada. Uma vontade de homem por homem, de homem a homem, de homem esquecendo homem. Os oficiais de artilharia viviam-se uns nos outros esque­cendo as mulheres. As casas fechadas, os logradouros tapados, os jardins hervados, a camada de homossexuais renascia na vida políti­ca. Todos os homens queriam outros homens, ambicionavam estar, ouvir, desmentir, sentir, apalpar, abraçar, reviver, gozar com outros homens. A demão espessa dos mais machos sobrepunha-se a todos os animais, à junta de bois, às aves de rapina, sequências de fomes de homem, tudo o que em cada um era amor precisava de concreti­zar-se numa farda, numa maricagem total. Ai Ai ai e que tal o Almei­da, não sei se ele será capaz de fazer alguma coisa a favor das crianças desprotegidas. E o Costa? E o Machado dos Santos? E o Gonçalves? E os bravos do Mindello? Homens a salvarem homens, a mastur­barem-se com a República, num coito imorredoiro, apoteótico, com os acordes da «Portuguesa» no auge do orgasmo. A cambada só falava só ouvia o que o Braga ia fazer e a demissão do Arriaga, a verdade de homem para homem, de amor para amor de amor para ódio e Zémacho assistia esgazeado a este comunitarismo infernal. Todas as noites ao deitar pensava no Dino, no Costa, no Carvalho, no Teles, no Gonçalves, no Marques, pensava neles ali na cama, ao lado da mulher, queria dizer-lhes umas verdades. Obcecados de bebedeira política os homens formavam governo provisório para formarem governo constitucional. Queriam juntos decretos de mas­turbação homossexual. E no chegar à noite depois do jantar apare­ciam outros homens que se interpunham às mulheres, rezavam comuns de ladainha para saber se o Sousa ficava com o Costa ou o Gonçalves com o Almeida e se o Dino sempre esperava pelo Gomes depois de ouvido o Braga. Dos recônditos surgiam os menos gradua­dos, mais machos, com virilidade de chinfrim. As mulheres cosiam meias gastas, outras preparavam batatas cozidas com feijão. À espe­ra da conversa de barafunda para saber quem entrava no Ministério da Guerra, e sem dúvida que o Barreto era o melhor, mais radical, do lado do Costa e contra o Arriaga e ao pé do Dino. Mas quem é ele? perguntava a mulher do Gonçalves. Nunca ouvi falar nesse tipo, dizia a cunhada do Almeida.

Os homens reuniam-se mais, mais juntos com os jornalis­tas — a quem chamavam de minhas queridas putas, pela forma tão equilibrada como deturpavam as notícias em primeira mão que lhes davam.

1 comentário:

maria correia disse...

belíssimo texto! vou comprar o livro.