José Manuel Fernandes - Duas entrevistas, duas formas de olhar a Educação

Em contrapartida, o que é que é sublinhado na entrevista do português que acaba de receber um prémio europeu pelo seu trabalho em prol da divulgação da ciência? Que em cada grau de ensino há um núcleo de conhecimentos básicos que têm de ser adquiridos, sob pena de, progredindo sem os assimilar, nunca mais os alunos conseguirem recuperar o atraso. Citando o megaestudo realizado por uma equipa vastíssima e pluridisciplinar que trabalhou sobre as dificuldades do ensino da Matemática nos Estados Unidos, Nuno Crato sublinhava uma das suas conclusões: "O que esse documento recomenda é que em cada momento se encerrem etapas e se passe à etapa seguinte."
O que diz a isto a ministra? Diz que Portugal é "o país onde há mais chumbos" (o relatório de 2006 do PISA não confirma esta afirmação, se bem que estejamos realmente entre os países onde os alunos ficam mais vezes retidos). "[Por isso], o nosso sistema não seria facilitista, seria exigente, mas na realidade é facilitista, porque esta repetência não serve para aumentar o rigor e a exigência, [ficando os repetentes] numa espécie de limbo que depois prejudicam muitíssimo os nossos resultados."
Colocado o problema desta forma, dir-se-á que o problema está nas escolas e nos professores - só neles, nunca no ministério. Na verdade, não faltarão escolas mal dirigidas e professores incapazes ou deficientes, mas muito do que se passa nas escolas é uma emanação directa das ordens vindas do ministério. "Hoje fala-se muito de autonomia das escolas, mas que autonomia é que estas têm, quando até estão totalmente condicionadas nos horários que fazem?", interrogava-se Nuno Crato na sua entrevista ao PÚBLICO e à Renascença.
A ministra confirma, ao sublinhar na mesma entrevista que, por sua intervenção, as crianças agora nunca estão no recreio, estão em aulas ou em aulas de substituição. É de tal forma impensável colocá-las no recreio que, se a professora do famoso vídeo da Carolina Michaelis tivesse optado por expulsar a aluno, em vez de lhe tirar o telemóvel, teria de a) chamar um auxiliar de educação; b) assegurar que este levava a aluna para uma dessas aulas (com o telemóvel) ou para a biblioteca (sempre com o telemóvel), pois é isso que estabelece o celerado Estatuto do Aluno. Ou seja, desistiria de dar o resto da aula. E, ao não ser agredida, nem filmada, permitiria que a ministra pudesse dizer, como voltou a dizer na referida entrevista, que "as nossas escolas são espaços pacíficos". Pois são. É por isso que o ano lectivo passado foram registados em Portugal 390 casos agressões a professores, apesar de tudo não muito mais que o 221 ocorridos no Reino Unido. Como lá há 420 mil docentes e cá 150 mil, a relação de agressões por docente é "só" cinco vezes maior em Portugal. Somos mesmo um país pacífico de crianças bem-educadas e escolas tranquilas, não somos? [Público de 22 de Abril de 2008]
1 comentário:
O problema não existe apenas cá, mas em quase todos os países que seguiram determinadas metodologias de ensino, já aqui se falou disso e, mais uma vez, Nuno Crato o sublinhou nessa mesma entrevista. Os pólos opostos que foca, JCM, o da análise inteligente e estruturada de Nuno Crato e o da «pseudo-análise» mal elaborada, sem estrutura séria nem estudos de fundo, matraqueada, decorada e repetida cem mil vezes pela ministra denota bem o que se passa por cá em termos de quem vai ou não para os cargos políticos. Para a política, vai quem não sabe fazer mais nada, dizia um primo meu. Acrescento: vão os quase mentecaptos,quem não sabe pensar, com raras excepções, claro. Pena que pessoas como Nuno Crato não decidam enveredar pela carreira política. Tenho a certeza de que tudo estaria muito melhor.Porque esse senhor, sim, sabe PERFEITAMENTE do que fala.
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