Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt - Trinta e três
33 - Gustav Klimt -Kirche in Unterach am Attersee, 1916 [Igreja em Unterach, no Lago de Atter]
Trinta e três
Desloco agora a mão um pouco mais para lá
e depois protejo com ela os olhos do excesso de luz,
o sol sempre o traz. É assim, desse jeito tão simples,
que aprendi a olhar, como se aprende a andar,
sem saber o como e o porquê. E se te olhei
na fundura dos teus olhos foi para ver lagos e igrejas
e casas desvanecidas na sombra que era a tua.
Quando te perguntei se poderíamos ver o silêncio,
talvez escutar as cores, mostraste-me a água parada
do lago e os teus olhos subiram para a torre
e eu fiquei a olhar a tua madeixa a ondular ao vento
ou a pensar-te no ruído das grandes avenidas.
Tens uns olhos abertos como as mulheres perdidas
nas metrópoles de pedra e caminhas sem memória,
como se o medo não te tocasse e tudo fosse apenas uma página
onde a vida distraída escreve algumas linhas brancas e
irreparáveis. Não sei se tens um destino ou
se as tuas mãos me pertencem agora que as prendo entre
as minhas, sei que caminhamos devagar, ao ritmo
ondulado das águas, e por vezes paras,
se julgas ver uma sereia ou um tritão atónitos
na imensidade do lago. Quando na torre repicaram
os sinos, senti a tua mão cravada na minha
e uma leve tremura a percorrer-te o corpo. É um anjo,
disseste como se falasses para ti e, no sorriso
que se arvorou em teus lábios, havia mais do que um
corpo pode conter. Quando o momento passou
e ao longe se ouviu um restolhar de asas pelo chão,
ergueste as pálpebras e o fundo do universo ruiu
na sombra que te crescia no centro da alma. Um desejo
tomou conta da minha mudez e tudo em redor secou,
como se um Verão de terra ardente descesse sobre as
casas que contigo vejo e tomasse conta de mim,
ao entrares pelo abismo incerto dos meus olhos.
e depois protejo com ela os olhos do excesso de luz,
o sol sempre o traz. É assim, desse jeito tão simples,
que aprendi a olhar, como se aprende a andar,
sem saber o como e o porquê. E se te olhei
na fundura dos teus olhos foi para ver lagos e igrejas
e casas desvanecidas na sombra que era a tua.
Quando te perguntei se poderíamos ver o silêncio,
talvez escutar as cores, mostraste-me a água parada
do lago e os teus olhos subiram para a torre
e eu fiquei a olhar a tua madeixa a ondular ao vento
ou a pensar-te no ruído das grandes avenidas.
Tens uns olhos abertos como as mulheres perdidas
nas metrópoles de pedra e caminhas sem memória,
como se o medo não te tocasse e tudo fosse apenas uma página
onde a vida distraída escreve algumas linhas brancas e
irreparáveis. Não sei se tens um destino ou
se as tuas mãos me pertencem agora que as prendo entre
as minhas, sei que caminhamos devagar, ao ritmo
ondulado das águas, e por vezes paras,
se julgas ver uma sereia ou um tritão atónitos
na imensidade do lago. Quando na torre repicaram
os sinos, senti a tua mão cravada na minha
e uma leve tremura a percorrer-te o corpo. É um anjo,
disseste como se falasses para ti e, no sorriso
que se arvorou em teus lábios, havia mais do que um
corpo pode conter. Quando o momento passou
e ao longe se ouviu um restolhar de asas pelo chão,
ergueste as pálpebras e o fundo do universo ruiu
na sombra que te crescia no centro da alma. Um desejo
tomou conta da minha mudez e tudo em redor secou,
como se um Verão de terra ardente descesse sobre as
casas que contigo vejo e tomasse conta de mim,
ao entrares pelo abismo incerto dos meus olhos.
Jorge Carreira Maia, Sobre pintura e desenho de Gustav Klimt, 2008
3 comentários:
Belíssimo.
Que belíssimo poema e que belíssimo quadro! Uma simbiose perfeita do olhar e do sentir... pois sentimos olhando e olhamos sentindo...
Gosto muito do seu blogue, pois tem o casamento perfeito das artes que mais aprecio: selecção musical excepcional, pintura de suprema beleza e expressividade (adoro Klimt, Schiele e os artistas da secessão vienense em geral) e magia da palavra que nos oferece um mundo recheado de imagens e sensações.
Aprecio muito especialmente o diálogo entre as obras aqui seleccionadas e os seus poemas - uma forma de dar vida aos quadros, de os vermos com outros olhos, de dialogarmos com eles, de entrarmos neles e de nós próprios construirmos um universo a partir do que poeta e pintor nos oferecem. Consigo, cumpre-se a máxima de Saramago: "Se podes olhar, vê. Se pode ver, repara." (in "Ensaio sobre a Cegueira" - quanto a mim, um monumento da literatura portuguesa).
Simplesmente genial!
Já agora, se me permite, uma sugestão: julgo que seria interessante indicar os museus onde as obras podem ser vistas.
Alice N.
Agradeço as palavras amáveis das duas leitoras. Relativamente à sugestão da indicação dos museus, irei tentar. Sei que não o conseguirei para os desenhos. Para os quadros é possível indicar. No fim da série, caso não me esqueça, indicarei onde estão as obras e também os museus virtuais consultados. Algumas obras pertencem a colecções particulares.
JCM
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