Utopia e crime
Começou hoje o primeiro julgamento de um responsável do regime Khmer vermelho (Cambodja). De certa forma, é um dia histórico. O regime foi particularmente virulento, tendo assassinado grande parte da população. Destruiu as cidades, os templos, as escolas, fuzilou professores e sacerdotes, concentrou o que restava da população nos campos. Enfim, uma espécie particularmente desagradável de hiper-comunismo maoísta. Há no entanto um ensinamento filosófico em todo este processo. A sociedade e a política não podem ser objecto de utopias. É muito corrente contrapor às perversões ideológicas, de direita ou de esquerda, a bondade da utopia. Mas a utopia é tudo menos uma coisa bondosa. O que significa a utopia? Significa que a imaginação se libertou da experiência sensível e dos ditames da razão. Um delírio apossa-se das pessoas e aquilo que é apenas uma imagem irreal pode tornar-se realidade. Como a experiência e a razão estão postas entre parêntesis, a imaginação determina a vontade na acção. Sem qualquer imperativo moral que a coaja, a vontade é agora um veículo perfeito do delírio utópico. Facilmente se percebe como tudo isso se torna num empilhamento infinito de cadáveres. Se a realidade resiste, isto é, as pessoas, então a força fará o que tem a fazer. A palavra utopia, que a tantos corações generosos inflama, é apenas, ao nível social e político, a senha para o crime generalizado.
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