11/02/09

Jogos de linguagem


No Tempo das Cerejas, há um interessante post sobre uma reportagem que mostra os graves problemas de subsistência vividos por muitas famílias num condado do Estado de Oregon, nos EUA. Vítor Dias, o autor do blogue, chama atenção, porém, para um fenómeno curioso de manipulação da linguagem e, através desta, a manipulação da realidade. Assim, os responsáveis pela Agricultura convidaram os organismos governamentais, em 2006, a não empregar o termo fome para referir aquelas pessoas. As pessoas que não têm dinheiro para comprar a sua alimentação não passam fome, mas encontram-se numa situação de «muito fraca segurança alimentar». Eu diria, porém, que o problema mais grave não é o da ocultação da situação real das pessoas, a ocultação de que elas passam fome. O problema maior está na transformação da situação de carência (neste caso, fome é uma carência alimentar devido à organização social que produz a situação) numa situação de segurança. Não estamos perante um mero eufemismo para edulcorar a situação, mas perante uma mudança de jogo de linguagem, que oblitera a situação real das pessoas e focaliza a atenção numa outra coisa, no problema da segurança alimentar. Da segurança alimentar a mente rapidamente transita, por contiguidade, para a ideia de alimentação segura. O que será uma alimentação segura? Evitar que se comam certas coisas. Em última análise, não é fome o que as pessoas passam, pois acabam por comer demais ou comer coisas que não deviam. Elas são assim responsáveis pela dieta tão perigosa a que se entregam. Na linguagem não há inocências.

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