12/02/09

Será obsceno?



Pelo contrário, eu não acho que se esteja perante uma coisa estúpida ou obscena, nem sequer desumana. Que haja alguém que consiga vender um litro de água a 100 contos é sintoma de inteligência. Já não ponho as mãos no lume pela inteligência de quem compra. Mas se não é inteligente, é pelo menos livre. Ele não é obrigado a comprar. Quando decidiu dar o dinheiro pela água, não foi coagido por ninguém. Portanto, se pagar a água... Também não acho que, neste caso, se esteja perante uma obscenidade desumana. Pelo contrário, estamos perante um puro acto de filantropia e amor à humanidade. Um tipo está cheio de dinheiro e não sabe o que há-de fazer com ele. Bem, decide dar 500 € por uma garrafa de um litro de água. Veja-se o valor acrescentado que essa água representa. O que significa isto? Que esses 500 € se vão distribuir por aí fora. Pelo proprietário do restaurante, pelos empregados, pela empresa de distribuição e seus empregados, pela empresa engarrafadora e seus empregados, etc. Por sua vez, estes distribuem a sua parte por outros ainda, consumindo outros bens. Eu sei que havendo fome, parece obsceno que alguém possa dar tanto dinheiro por um litro de água, mas esse gesto é, de facto, altamente meritório e consegue evitar que não sei quantas pessoas percam o seu emprego. Não é por isto que o capitalismo vai acabar, nem isto é sintoma da estupidez do mercado. De facto, se alguém deu 500 € pelo litro de água, ele valeu mesmo isso. Se ninguém der nada, então nada vale. O único problema que existe não se encontra aqui, mas no facto do mercado não ser suficientemente amplo para democratizar o acesso (há também o problema do trabalho ser entendido como mercadoria, mas esse é um problema bem difícil). Se houvesse muita gente a pagar 500 € por um litro de água, mais e mais pessoas teriam acesso ao mercado, comprando e vendendo. Mas isto sou eu a dizer, eu que não percebo nada de economia e apenas sigo um raciocínio lógico, e não tenho intenções de proselitismo a favor seja do que for, muito menos do capitalismo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sim, quando os capitalistas gastam é melhor para os trabalhadores; quando eles sentam no dinheiro é pior. Que mais gente pudesse gastar seria ainda melhor, para todos e inclusive para o próprio capitalismo. Isso é Keynes e Kalecki (economistas quase-pós-cientistas). É parte da irracionalidade do sistema que o gasto primeiro, que a todos os demais puxam, seja responsabilidade de poucos. Dizia Kelecki: "os capitalistas ganham o que gastam, os trabalhadores gastam o que ganham". Mas essa não é a única irracionalidade do capitalismo. Não vou enumerá-las todas agora. (Ainda que seja o que eu devesse fazer se eu fosse uma pós-cientista ativa e responsável). Mas o fato é que, como dizia Marx (esse sim um pós-cientista) o sistema deve perecer(o que não significa que "vá"! - afinal, as "leis científicas" na pós ciência são distintas das da ciência) mais pelas suas qualidades que seus defeitos. De fato, tem-se no capitalismo o desenvolvimento absurdo da racionalidade técnica que leva a eficiência produtiva aos seus limites (inclusive os da racionalidade) - o que significa produzir o que tem demanda e não o quem é necessário); e o desenvolvimento absurdo da irracionalidade substantiva (aquela dos valores, da ética) - que torna a todos (senhores e escravos, capitalistas e trabalhadores) 'igualmente' escravos de um poder que lhes é 'diferentemente' estranho. E os torna 'diferentemente' impotentes e infelizes.
Bem, esse assunto me deu sede.
Glaucia