04/02/09

O olhar de Hegel


O Zé Ricardo fez uma pequena patifaria ao velho Hegel. Diz ele: «O olhar de Hegel revela profundidade, solenidade, é o olhar de quem julgaria tudo saber.» Mas antes tinha mostrado que ele nada sabia daquilo que aconteceu após a sua morte. Nada sabe de Van Gogh, Proust, Stravinsky, Joyce, ao que poderia acrescentar que ele nada sabe de teoria da relatividade, nem de mecânica quântica, nem de biologia molecular ou de ciências da educação, essa área tão fundamental para a destruição do saber, nem...

Em primeiro lugar, gostaria de chamar a atenção de que a teoria proposta não é refutável. Nós não podemos fazer nenhuma experiência, por exemplo submeter o velho Hegel a um teste de conhecimentos gerais, para demonstrar que ele nada sabe do que é actual. Há várias coisas que nós não podemos decidir. Uma delas é se há vida depois da morte. Outra é se, mesmo havendo vida depois da morte, a "alma" sobrevivente continua a acompanhar as coisas cá debaixo. É uma crença tão injustificada a fé na imortalidade da alma, como a crença contrária. Portanto, dizer que o velho Hegel ignora tudo o que se passou depois dele é um vaticínio que eu considero arriscado. Como provar isso?

Mas há ainda outra coisa. A grande sabedoria de Hegel não reside tanto no facto de ele saber quase tudo o que havia para saber na sua época. Isso não passaria de polimatia, de vasta e insensata erudição. O olhar de Hegel não é o olhar de quem é uma enciclopédia, mas o olhar de quem tudo pensou e elevou ao conceito. E aí surge para mim um problema. Apesar de hoje possuirmos quase mais duzentos anos de informação, é muito possível que a generalidade das pessoas, nelas incluindo os filósofos actuais, saibam muito menos que o velho Hegel. Têm mais informação, mas pensaram-na menos e menos globalmente. Aquele olhar não é o de uma vaca que, no pasto, se empanturra de erva, mas o de uma águia que do alto do conceito vê o que está antes e o que está depois. Daquele olhar, o espírito absoluto contempla a sua própria manifestação na história dos homens. Um segredo: aquele olhar é olhar de Deus no momento mesmo em que vai começar o juízo final. Portanto, o Zé Ricardo, apesar do ateísmo fundamental, que se cuide. Hegel está de olho nele.

1 comentário:

José Ricardo Costa disse...

Juro,pela alma do meu avô, que estive uns cinco minutos a olhar para os olhos de Hegel e vi-os a mexer. Estou feito!

JR