12/02/09

A paz perpétua - Primeira Secção, § 6

Kant

«Nenhum Estado em guerra com outro deve permitir tais hostilidades que tornem impossível a confiança mútua na paz futura, como, por exemplo, o emprego pelo outro Estado de assassinos (percussores), envenenadores (venefici), a rotura da capitulação, a instigação à traição (perduellio), etc.»

São estratagemas desonrosos, pois mesmo em plena guerra deve ainda existir alguma confiança no modo de pensar do inimigo já que, caso contrário, não se poderia negociar paz alguma e as hostilidades resultariam numa guerra de extermínio (bellum internecinum); a guerra é certamente apenas o meio necessário e lamentável no estado da natureza (em que não existe nenhum tribunal que possa julgar, com a força do direito), para afirmar pela força o seu direito; na guerra, nenhuma das partes se pode declarar inimigo / injusto (porque isto pressupõe já uma sentença judicial). Mas o seu desfecho (tal como nos chamados juízos de Deus) é que decide de que lado se encontra o direito; mas entre os Estados não se pode conceber nenhuma guerra de castigo (bellum punitivum) (pois entre eles não existe nenhuma relação de um superior a um inferior). – Daqui se segue, pois, que uma guerra de extermínio, na qual se pode produzir o desaparecimento de ambas as partes e, por conseguinte, também de todo o direito, só possibilitaria a paz perpétua sobre o grande cemitério do género humano. Por conseguinte, não deve absolutamente permitir-se semelhante guerra nem também o uso dos meios que a ela levam. — Que os mencionados meios levam inevitavelmente a ela depreende-se do facto de que essas artes infernais, em si mesmas nunca convenientes, quando se põem em uso não se mantêm por muito tempo dentro dos limites da guerra, mas / transferem-se também para a situação de paz como, por exemplo, o uso de espias (uti exploratoribus), onde se aproveita a indignidade de outros (que não pode erradicar-se de uma só vez); e assim destruir-se-ia por completo o propósito da paz.
[Immanuel Kant, A Paz Perpétua - Um Projecto Filosófico]

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