03/02/09

Não peças o que não queres

Por isso mesmo vou mais longe, e acedo ao que pedes, até porque quero que se cumpra o ditado: “Não te ponhas a pedir o que não pretendes obter!” É que sucede muitas vezes nós pedirmos com empenho coisas que recusaríamos se alguém no-las oferecesse. Por ligeireza? Por excesso de gentileza? Seja qual for a razão, apliquemos-lhe um castigo: acedamos largamente ao pedido. Muitas coisas nós desejamos parecer querer quando de facto as não queremos. Numa leitura pública, um autor levou uma vez uma obra histórica enorme, escrita em letra miudinha, num volume densíssimo, e, depois de ler a maior parte, disse: “Se querem, fico por aqui.” Ora os auditores, embora o seu único desejo fosse que o homem se calasse imediatamente, gritaram em coro: “Continua a leitura, continua!” Muitas vezes, também, queremos uma coisa mas escolhemos outra, e nem sequer aos deuses confessamos a verdade; o que vale é que os deuses ou não nos atendem ou têm pena de nós! Quanto a mim, vou proceder sem qualquer compaixão: vou mandar-te uma carta gigantesca! Se te custar muito lê-la, não terás mais do que dizer: “Bonito serviço que eu arranjei!”, e põe o teu nome entre o daqueles homens que se desfizeram em galanteios para casar com uma megera, ou se fartaram de suar para conseguir riquezas e nelas só encontraram angustias, ou usaram todos os truques e esforços para obter cargos públicos em que se sentem destroçados, em suma, inclui-te na lista dos artífices dos próprios dissabores! [Séneca, Cartas a Lucílio, 95]