O declínio do Benfica
Esta notícia, ainda mais do que os tristes resultados do futebol, mostra a profundidade do declínio do meu velho clube. Durante muito tempo, mesmo com resultados maus, o Benfica liderava no campo das assistências aos jogos. Mesmo que perdesse, era o clube com maior audiência, digamos assim. Num mundo marcado pela importância do mercado, a quebra nesta área mostra que a presença do clube no mercado dos afectos começa a decair. O que num clube de raiz popular pode vir a ser mortal. O Benfica não tem a sua raiz numa região, como o FC do Porto, nem numa suposta elite burguesa, como se Portugal tivesse uma elite burguesa, como o Sporting. A raiz do Benfica é eminentemente popular e é no coração do povo que o clube encontrou, ao longo da sua história, a razão de ser e a força anímica que o conduziu.
Mas o declínio do Benfica, começado há longos anos, nasce de um conjunto de equívocos que se têm vindo a acentuar. Em primeiro lugar, o clube mostrou-se incapaz de se adaptar ao novo mundo que o 25 de Abril trouxe consigo. O fim do campo de recrutamento de jogadores nas antigas colónias causou um enorme embaraço. Embaraço esse que ainda hoje não está resolvido. O Porto e o Sporting há muito que recrutavam os seus melhores jogadores no estrangeiro. Mas o problema fundamental reside no tipo de liderança que o clube tem escolhido. Muitas vezes é confrontado com a escolha entre um chefe carismático (veja-se o actual presidente ou Vale e Azevedo) ou um burocrata organizador e planeador (veja-se Luís Tadeu, um candidato que nunca ganhou). Mas nunca encontrou um líder a altura das circunstâncias em que o clube tem de actuar. As diferentes lideranças tiveram sempre uma dificuldade extrema em lidar com a realidade do panorama futebolístico nacional emergente nos anos 80.
O Benfica estava condicionado a ter de ganhar ao Sporting, mas quando a alternativa passou a ser o FC do Porto, o clube não teve massa crítica suficiente para avaliar o fenómeno que representa, ainda hoje, Pinto da Costa e a forma como ele adequou o seu clube à nova realidade política e ao mundo novo do futebol internacional. Daí a perplexidade, depois a desorientação e, por fim, os equívocos relacionados com a denúncia do sistema. Exista ou não um sistema condicionador dos resultados em campo (e os tribunais até hoje não provaram a sua existência), um clube não pode viver dessa denúncia. Um clube precisa de pensar como se há-de tornar mais forte, como explorar os pontos fracos dos seus adversários, um clube precisa de se afirmar por si mesmo e não através da denúncia negativa dos competidores. Fundamentalmente, um clube precisa de uma linha de continuidade alicerçada na cultura de base que lhe deu origem. A continuidade e a fidelidade à matriz originária são elementos fundamentais para o êxito. Sem eles tudo se torna mais difícil.
O Benfica tornou-se, desde os anos 80, um barco à deriva, numa espécie de laboratório onde pequenas e grandes vaidades ensaiam as virtudes dos seus egos. Fundamentalmente, o Benfica tornou-se um clube ressentido e de pessoas ressentidas. Se o meu velho clube não olhar com verdade para si e para a sua história, incluindo a dos desastres das últimas décadas, o futuro será cada vez mais sombrio e o ressentimento será cada vez maior. Talvez fosse boa ideia começar a olhar para os erros que têm vindo a ser feitos e deixar de falar em sistema e outras trivialidades. Se existir um tal sistema, fala-se dele quando houver certezas e sem deixar o clube resvalar para o ridículo. Mas fundamentalmente, perceba-se a cultura original do clube e a forma como ela se terá de adaptar aos novos tempos em que não há colónias, nem Eusébios, nem fronteiras, mas em que não deixámos de ser portugueses e em que o Benfica não deixou de ser um clube popular. O Benfica precisa de muito trabalho de casa e menos espectáculo exterior. Precisa de alterar profundamente a sua actual cultura organizacional. Caso contrário, tornar-se-á um Belenenses vestido de vermelho. Se o meu velho Benfica for expulso, por descuido e culpa própria, do coração do povo, então estará morto. E a morte é coisa que não tem remédio.
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