Metamorfoses XX
range a mesa onde escrevo
e tudo treme na impetuosa noite
este sonho persegue-me há tantos anos
que dele fiz a minha morada
sem paredes brancas nem trepadeiras nas janelas
casa citadina coberta de fuligem
e do ronco obsceno dos carros na madrugada
o coração bate ao som dos cães vadios
e se em mim ainda ladram recordações
é porque deixei de tomar os medicamentos
o esquecimento foi decrescendo
até a memória se tornar um mar bravio –
inunda as areias escava as arribas
apita-me no sonho como uma sirene portuária
pudesse empacotá-la na dialéctica de hegel
ou converter-me à filosofia analítica
talvez os testículos me doessem menos
e a minha mão deixasse de sangrar
nas tardes onde me sento à janela
para ver passar o rio do esquecimento
na memória que não posso matar
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