Exodus - VIII
Feriu o pó e levantou as suas tremendas asas,
erguendo-se. Não era pássaro, nem máquina
que pelo engenho voasse, mas simples anjo,
daqueles que desfilam em procissões de aldeia,
vestidos de branco, o rosto coberto de suor e os pés
exaustos de a tanta erva pisarem. Subiu. Pela terra
alteavam-se vozes na vagarosa sombra da macieira.
Nos outros dias, colava-se à parede e aí ficava,
imagem era, tão estático, no rosto
um medo se lhe desenhava, tomava
conta das faces, invadia lábios,
caía em borbotões pelo queixo,
levemente recolhido, inclinado sobre o peito.
Nas asas azuis tinha então escamas por penas;
era um anjo aquático,
habitava os poentes na fina dobra da praia.
Quando não havia procissão e assim se cobria de asas
escamadas de azul, envergava uma túnica de cíclames
e cruzava as delicadas mãos sobre o peito. Nesses dias,
não voava, nem procurava do mar as águas.
Olhava, olhava, olhava para o indefinido ponto
onde a geometria das horas nascia e traçava mapas
em sua mente, trabalho de geógrafo perdido
em funestas dunas já desfolhadas pelos desertos de areia.
À noite nunca o mensageiro dormiu. Por vezes, despia-se.
Horroriza-o o vazio lugar do sexo e cobria
com as mãos o rosto para que espelho algum devolvesse
a cegueira da sua vergonha. Cansado, deitava-se
em cama de pedra e sonhava com searas de trigo a
secar sobre as águas marinhas, peixes de pão secos
pela inclemência de um sol, a primavera o esventrava.
Um dia, veio de entre as algas um pássaro e olhou-o,
depois inclinou tão ao de leve a cabeça e voou para norte.
Um silêncio de carvão soltou-se do fundo da alma e o anjo,
agora um querubim, pela primeira vez, sentiu lágrimas.
Adormeceu sobre as pedras e quando acordou doíam-lhe
as costas; as asas, um simples papel de seda, desprenderam-se.
Quando despiu a túnica, a nenhum corpo a luz iluminou.
Jorge Carreira Maia (2007). Exodus.
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